Taleban conquista 1ª capital de província e mata porta-voz do governo do Afeganistão

Extremistas tomaram Zaranj, perto da fronteira com Irã, e mataram chefe de comunicação em Cabul

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Cabul (Afeganistão) | Reuters e AFP

O grupo fundamentalista Taleban avançou nesta sexta-feira (6) em sua ofensiva para tomar o controle do Afeganistão, conquistando sua primeira capital de província e matando o chefe do serviço de comunicação do governo em Cabul.

Capital da província de Nimroz, a cidade de Zaranj, na fronteira com o Irã, caiu nas mãos dos insurgentes, segundo confirmou o vice-governador local à agência France Presse. "Tomaram o controle do gabinete do governador, da sede da polícia e da prisão", disse Roh Gul Khairzad.

Ataque com carro-bomba em frente à casa do ministro da Defesa do Afeganistão em Cabul - Wakil Kohsar/AFP

Um porta-voz da polícia de Nimroz afirmou à Reuters que faltaram reforços do governo para derrotar os invasores. Fontes do Taleban disseram à mesma agência que o grupo está celebrando a tomada de Zaranj e que a conquista aumenta o moral de seus combatentes em outras províncias.

Um comandante do grupo extremista, que deu entrevista sob a condição de não ter o nome divulgado, afirmou que a cidade tem importância estratégica por ficar perto da fronteira com o Irã e que outras capitais provinciais vão cair em breve.

Em Cabul, o chefe do Centro de Mídia e Informação do governo central, Dawa Khan Menapal, foi morto enquanto fazia suas orações de sexta-feira, a Jumu'ah, ritual tradicional do islamismo. O ataque, reivindicado pelo Taleban e confirmado pelo governo, foi tido como uma demonstração de força do grupo para deixar claro que podem atacar a capital afegã quando quiserem.

Os insurgentes já haviam prometido que agiriam contra funcionários do governo como represália contra os bombardeios aéreos do Exército afegão, que tem tentado defender centros urbanos importantes pelo país.

Na terça (3), por exemplo, o Taleban reivindicou o ataque à residência do ministro da Defesa, o general Bismillah Mohammadi, em Cabul, que deixou oito mortos —o ministro sobreviveu. Dois dias depois, o chefe do distrito de Sayed Abad foi assassinado na capital.

O governo do presidente Ashraf Ghani, que foi eleito democraticamente e tem apoio de países do Ocidente, lamentou nesta sexta a morte de Menapal. "Era um homem jovem que se manteve firme como uma montanha contra a propaganda do inimigo e que sempre foi um grande apoiador do governo", disse um porta-voz do Ministério do Interior. "Infelizmente os brutais e selvagens terroristas cometeram um novo ato covarde e mataram um patriota afegão", completou. Jornalista, ele havia sido porta-voz do presidente.

Um porta-voz do Taleban afirmou que Menapal foi "morto em um ataque especial feito pelos mujaheedin [termo usado para se referir às guerrilhas islâmicas] e foi punido por suas ações."

Em rede social, um diplomata americano no país, Ross Wilson, chamou Menapal de amigo e afirmou que "esses assassinatos são uma afronta aos direitos humanos e à liberdade de expressão no Afeganistão".

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O episódio foi o mais recente de uma série de assassinatos cometidos pelo grupo fundamentalista islâmico para enfraquecer Ashraf Ghani. Dezenas de ativistas, jornalistas, burocratas, juízes e figuras públicas que lutaram para manter o atual regime foram mortos pelo Taleban, em uma tentativa de silenciar vozes dissidentes.

O Taleban tem avançado militarmente para tomar o controle do território afegão desde que os Estados Unidos anunciaram que vão retirar as tropas do país até 31 de agosto, após duas décadas de guerra. A decisão foi criticada pelo governo de Ghani, que culpou os EUA pelo avanço militar inimigo.

A nova ofensiva foi caracterizada pela diplomata Deborah Lyons, enviada especial da ONU, como a "fase mais mortal e destrutiva" do conflito, que já deixou mais de mil civis mortos no último mês. Os ataques do Taleban colocam em jogo também um acordo de paz histórico assinado pelo grupo fundamentalista com os EUA em 2020, que recebeu apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

"Atacar áreas urbanas é causar conscientemente enormes danos e mortes de civis", acrescentou Lyons. "No entanto, isso parece ser uma decisão estratégica do Taleban, que aceitou a carnificina que seguirá."

Com a intensificação do conflito armado na região, a ONU calcula que o número de migrantes partindo do Afeganistão deve dobrar neste ano. Observadores internacionais projetam que a deterioração da região deve continuar. "A perspectiva de o país entrar em uma guerra civil prolongada, infelizmente, já é uma dura realidade", declarou nesta sexta o embaixador russo junto à ONU, Vassily Nebenzia.

Enquanto isso, tem crescido a pressão para que o Conselho de Segurança da ONU tome medidas e avalie possíveis sanções. O embaixador do Afeganistão nas Nações Unidas, Ghulam Isaczai, instou o órgão a agir para "prevenir uma situação catastrófica".

Já a embaixadora britânica, Barbara Woodward, disse que o conselho tem a missão de "deixar o Taleban sem dúvidas de que haverá consequências caso persistam com a ofensiva militar". Ela assegurou que o governo britânico não reconheceria um governo do Taleban, caso o grupo chegue à força no poder.

Postos chave na fronteira do país e grandes partes rurais já foram conquistadas, e o grupo tem avançado agora sobre grandes centros urbanos, cercando capitais das províncias.

Nesta sexta, dez soldados afegãos e um comandante de uma milícia foram mortos na província de Jowzjan, no norte, em um cerco à capital Sheberghan. Nove dos dez distritos da província já são controlados pelo grupo, segundo um político local.

Já em Helmand, na região sul, o grupo ateou fogo a lojas nos confrontos para tomar a capital Lashkar Gah, o que agravou a crise humanitária.

Entidades internacionais expressaram preocupação. "Civis se encontram no meio de uma guerra. Eles foram retirados de suas casas e são as primeiras vítimas do conflito", disse Mike Bonke, o diretor da Action Against Hunger no país.

O escritório da ONG em Lashkar Gah foi atingido por bombas na quinta-feira (5). "Organizações humanitárias como a Action Against Hunger fazem o melhor que podem para apoiar as necessidades do povo, mas precisamos ter garantia da nossa segurança por todos os lados para podermos trabalhar", disse em comunicado.

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