Em meio a alta de casos de Covid, Texas cria campo de quarentena para imigrantes

Para autoridades sanitárias, aumento de infecções na região não tem ligação com chegada dos estrangeiros

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Miriam Jordan
Mission, Texas (EUA) | The New York Times

Na beira do Rio Grande, no sul do Texas, o extenso Anzalduas Park é há tempo um local muito frequentado para observar pássaros, fazer piqueniques em família e pescar. Mas no início deste mês a ampla área com grelhas para churrasco e mesas foi interditada, transformada em um grande campo de quarentena de Covid-19 para imigrantes que chegam do México.

Vários ônibus depositam os passageiros em um grande pavilhão circular, onde famílias maltrapilhas fazem fila, esperando para ser testadas para coronavírus. As pessoas que têm o diagnóstico confimardo devem permanecer no campo, muitas vezes com suas famílias, até que estejam livres do vírus.

Nesta semana, pelo menos mil imigrantes estavam no acampamento erguido pela cidade próxima de McAllen como medida de emergência para conter a disseminação do vírus além da fronteira sudoeste dos EUA. Cerca de mil outros cumprem a quarentena em outros locais do Vale do Rio Grande, alguns em quartos de hotéis pagos por uma instituição beneficente particular.

As cidades no sul do Texas, pontos de travessia mais movimentados da fronteira, são hoje um lugar assustador, onde duas crises internacionais se cruzam: um surto crescente de imigrantes e o aumento da variante delta, forçando os governantes da cidade e organizações não-governamentais a reforçarem a testagem e as operações de quarentena enquanto a Patrulha de Fronteiras continua evitando testar imigrantes recém-chegados.

Imigrantes buscando asilo entram em um abrigo temporário na cidade de McAllen, no Texas, comandado pela Catholic Charities, após serem testados para coronavírus
Imigrantes entram em abrigo temporário na cidade de McAllen, no Texas, após passarem por exame de coronavírus - Go Nakamura - 8.abr.21/Reuters

Em meio à feroz ressurgência de infecções por coronavírus em muitas partes dos Estados Unidos, alguns políticos conservadores, incluindo os governadores do Texas e da Flórida, culparam o governo do presidente Joe Biden por não conter a entrada de imigrantes, o que causaria o aumento dos casos.

Na verdade, a enorme operação em McAllen e outras semelhantes tornam isso extremamente improvável, e autoridades de saúde pública e líderes eleitos locais notam que a região já enfrentava um número crescente de casos antes do aumento de travessias da fronteira.

"Não podemos atribuir o maior número de Covid aos imigrantes", disse o prefeito de McAllen, Javier Villalobos. Segundo ele, autoridades da cidade e do condado emitiram uma declaração de desastre em 2 de agosto e agiram para montar um centro de quarentena depois que ficou claro que o maior número de cruzamentos da fronteira representava um risco de saúde para os moradores locais.

Dos 96.808 imigrantes que passaram por McAllen neste ano e foram testados para coronavírus, 8.559 deram positivo até terça-feira (10). Mas a prevalência do vírus entre imigrantes até agora não foi maior que entre a população americana, segundo especialistas médicos. As mais altas taxas de positividade do país não estão em comunidades na fronteira, mas sobretudo em áreas com baixos índices de vacinação e sem obrigatoriedade do uso de máscaras.

O índice de positivos entre os imigrantes atendidos pela Catholic Charities (Beneficências Católicas) em McAllen alcançou 14,8% no início de agosto —depois de oscilar entre 5% e 8% do final de março ao início de julho—, mas não ultrapassou o índice dos moradores locais. No condado de Hidalgo, a positividade entre imigrantes ficou em torno de 16% na semana passada, comparada com 17,59% entre os moradores, que tiveram pouca ou nenhuma interação com os imigrantes.

"Isto é uma pandemia de imigrantes? Não, é uma pandemia de não vacinados", disse na semana passada Iván Meléndez, responsável pelo departamento de saúde de Hidalgo, em entrevista coletiva.

O aumento de casos lotou os abrigos locais, onde as famílias geralmente ficam por tempo suficiente para tomar banho, descansar e marcar viagens para destinos em todo o país. A freira Norma Pimentel, diretora-executiva da Catholic Charities no Vale do Rio Grande, que dirige um abrigo no centro de McAllen com espaço para 1.200 imigrantes, disse que teve de dar o alarme na semana passada porque a Patrulha de Fronteiras estava despejando gente demais na porta do abrigo. "Eu disse ao prefeito: 'Preciso de ajuda'", afirmou ela. "Nunca vimos tanta gente antes."

"O problema não era que uma porcentagem maior de famílias estava positiva para Covid-19", disse Pimentel. "Era que o número que chegava era tão alto que havia mais positivos entre eles."

O conselho de vereadores de McAllen votou em uma hora para acomodar os imigrantes em tendas em terrenos da cidade, provocando forte reação de alguns moradores. O abrigo em tendas logo foi transferido para o Parque Anzalduas, afastado do centro urbano.

A Catholic Charities desde o ano passado vem testando as famílias imigrantes para o vírus imediatamente depois de elas serem liberadas pela Patrulha de Fronteiras e isolando as que dão resultado positivo em seu abrigo no centro da cidade. Em fevereiro, com o aumento de chegadas, ela começou a mandar as famílias para hotéis.

Lá Fora

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A questão explodiu no final de julho, depois que um morador da cidade próxima de La Joya chamou a polícia para denunciar uma família de imigrantes que parecia ter sintomas de Covid e estava jantando em uma lanchonete. O estabelecimento fica a 3 minutos a pé do hotel Texas Inn, onde a família estava hospedada, segundo o sargento de polícia Ismael Garza.

Logo se soube que o hotel era um de vários no vale que estavam abrigando sob quarentena muitos outros imigrantes também atacados pelo vírus. "Nós postamos isso no Facebook, e então você já sabe...", disse Garza, com a voz desanimada. A postagem, com o título "Alerta de Covid-19", dizia que os policiais não estavam cientes de que imigrantes que testaram positivo estavam no hotel, e comentaram que de 20 a 30 deles tinham sido observados "andando por aí, a maioria sem máscaras". Logo a Fox News chegou ao local.

Em uma tarde recente, as portas de todos os quartos do hotel de dois andares, em La Joya, estavam fechadas. A área da piscina estava vazia. Um homem sentado em um Volkswagen azul em frente ao edifício disse que seu trabalho era garantir que nenhum imigrante saísse do quarto. Estavam depositando comida na porta dos quartos três vezes por dia, segundo ele.

O dono do hotel, Sam Patel, disse que cerca de 15 quartos estavam ocupados por imigrantes portadores do vírus, a metade do número original. Um enfermeiro os visitava duas vezes por semana, explicou ele. "Está tudo seguro."

A localização dos hotéis que estão abrigando imigrantes não foi divulgada, e Vilma Ayala, 60, disse que passou a noite em um deles, mas só depois percebeu que muitos hóspedes eram imigrantes com Covid.

"Eles não nos disseram que estavam usando esse hotel para pessoas com Covid", disse Ayala, que não tinha sido vacinada. Ela disse que ficou desconfiada quando viu comida sendo entregue em vários quartos. Pediu a restituição da diária e a recebeu.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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