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'Estou chorando dia e noite': o drama das afegãs diante do Taleban

Grupo exige que famílias entreguem meninas e mulheres para se tornarem esposas de combatentes

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"Não acredito que o mundo tenha abandonado o Afeganistão. Nossos amigos vão ser mortos. Eles vão nos matar. Nossas mulheres não terão mais direitos", lamentou, com voz embargada, uma passageira afegã que havia acabado de desembarcar na Índia vinda de seu país natal.

O desespero dela é compartilhado por muitos, sobretudo mulheres, no Afeganistão. Elas temem um retrocesso em seus direitos com o país novamente sob o controle do grupo extremista Taleban.

Mulheres temem perda de direitos; uma delas disse que tiraria a própria vida a ter casamento forçado com combatente do grupo
Mulheres temem perda de direitos; uma delas disse que tiraria a própria vida a ter casamento forçado com combatente do grupo - Reuters

Algumas das que fugiram de áreas controladas pelo Taleban disseram que os militantes exigiam que as famílias entregassem meninas e mulheres solteiras para se tornarem esposas de seus combatentes.

Muzhda, 35, uma mulher solteira que fugiu de Parwan para Cabul com suas duas irmãs, afirmou que preferia tirar a própria vida a permitir que o Taleban a obrigasse a se casar. "Estou chorando dia e noite."

Mulheres de áreas controladas pelo Taleban também descreveram espancamentos por infração de regras sociais e uso forçado de burcas —veste que cobre todo o corpo e possui uma estreita tela, à altura dos olhos. A vida sob o Taleban nos anos 1990 forçou as mulheres a usarem a vestimenta.

Os islamistas radicais também restringiram a educação para meninas com mais de dez anos de idade e impuseram punições brutais, incluindo execuções públicas.

No domingo, dia útil nos países muçulmanos, um post de Aisha Khurram, ex-embaixadora da juventude da ONU, sobre a situação na Universidade de Cabul viralizou. "Alguns professores se despediram de suas alunas quando todos foram evacuados da Universidade de Cabul nesta manhã... E talvez não tenhamos nossa formatura, assim como milhares de alunos em todo o país.…", escreveu ela no Twitter.

Também no Twitter, Lotfullah Najafizada, chefe do serviço de notícias afegão Tolo News, postou uma imagem de um homem cobrindo de tinta fotos de mulheres pintadas em um muro em Cabul.

No domingo, o Taleban tomou a capital afegã e passou a controlar a totalidade do país. A ofensiva relâmpago do grupo extremista ocorreu poucos meses após o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que iria retirar as tropas americanas do país, com previsão para a saída total em setembro.

Desde então, o Taleban foi ganhando cada vez mais terreno —e impôs suas regras nas áreas que passou a controlar. Foi o caso do distrito onde vive a parteira Nooria Haya (nome fictício), de 29 anos.

Em entrevista à BBC, ela disse que seus dias de trabalho incluíam regularmente reuniões e discussões com médicos do sexo masculino. Mas, recentemente, ela descobriu que essas interações entre pessoas de sexos opostos estavam proibidas. Segundo Nooria, foi a primeira ordem que o Taleban deu a eles quando o grupo assumiu o controle da região. "Há muitas restrições agora. Quando saio de casa, tenho que usar a burca, conforme ordenado pelo Taleban, e um homem tem que me acompanhar", relatou.

Pela primeira vez, portanto, ela pôde sentir na pele como seria sua vida dali em diante.

Assim como Haya, muitas mulheres jovens nunca tinham presenciado a maneira como o Taleban fazia justiça e governava as áreas sob seu controle —o grupo extremista governou o Afeganistão de 1996 a 2001, quando o país foi invadido por tropas internacionais lideradas pelos Estados Unidos.

"De repente, a maior parte de nossas liberdades foi retirada de nós", disse Nooria. "É tão difícil. Mas não temos escolha. Eles são brutais. Temos que fazer o que eles dizem. Eles estão usando o islã para seus próprios fins. Todos somos muçulmanos, mas suas crenças são diferentes."

Futuro

Desde que o Taleban foi expulso do poder, as mulheres voltaram a ocupar cargos na vida pública, chegando a constituir um quarto do Parlamento. O número de meninas no ensino primário aumentou para 50%, embora no fim do ensino secundário elas sejam apenas 20%.

A expectativa de vida das mulheres aumentou de 57 para 66 anos. Comparadas com as de outros países, as estatísticas do Afeganistão são ruins, mas, sem dúvida, ocorreram melhorias.

No entanto, agora existe apenas o medo de retrocesso. Em entrevista à BBC, a ex-parlamentar Farzana Kochai disse que as pessoas estavam visivelmente assustadas: "Não sei como medir [a ameaça], o medo que elas têm em seus corações, cada uma delas. Elas enfrentam uma situação que não podem acreditar que está acontecendo e pensam: 'Para onde [vamos], o que fazer?'".

"Todos estamos enfrentando [o mesmo] e pensamos 'podemos perder nossas vidas' agora, porque ninguém está no comando do que está acontecendo."

Moradora de Cabul, Mahbouba Seraj é uma militante de longa data pelos direitos das mulheres e das crianças no país. Ela disse à BBC que não serviria a ninguém se todas as mulheres deixassem o país e que está preparada para trabalhar com o Taleban para tentar mudar a situação dentro da nova estrutura.

"Se as mulheres do Afeganistão, aquelas que estão envolvidas e têm trabalhado —se pudéssemos nos sentar em uma mesa e realmente conversar com essas pessoas [militantes]… Eles podem se conscientizar sobre quais recursos eles têm com as mulheres do Afeganistão, porque, antes disso, antes do Taleban, nem o mundo nem a nossa república realmente viam a força da mulher afegã", afirmou.

"Eles nunca nos usaram da maneira que deveriam, nunca lidaram com isso da maneira que deveriam. Então, espero que eles nos usem agora. Se eles usarem, então estamos bem. Se não, desde que haja segurança, que minhas meninas estejam bem, que todo mundo esteja bem, então eu posso ficar bem."

Um porta-voz do Taleban alegou que o grupo respeitará as mulheres e que meninas continuarão a ter acesso à educação. Mas, segundo a professora afegã e ativista dos direitos humanos Pashtana Durrani, o que o Taleban diz sobre os direitos das mulheres e o que está fazendo na prática são coisas diferentes.

À BBC News ela pediu clareza sobre quais direitos das mulheres são aceitáveis para o grupo islâmico.

Durrani disse que precisava falar, apesar de temer por sua vida. "Tenho que lutar hoje, para que a próxima geração não tenha que enfrentar todo esse conflito."

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