Na cidade mais aterrorizada do México, 96% dos moradores se sentem inseguros

Fresnillo está localizada no estado de Zacatecas, que tem o maior índice de assassinatos do país

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Oscar Lopez
The New York Times

A violência já foi aterrorizante, disse ela, quando as granadas explodiram perto de sua igreja em plena luz do dia, cerca de cinco anos atrás. Depois crianças da cidade foram sequestradas, desaparecendo sem deixar vestígios. Então os corpos de pessoas executadas foram despejados nas ruas.

E aí chegou um dia, no mês passado, em que homens armados invadiram sua casa, arrastaram para fora seu filho de 15 anos e dois amigos dele e os mataram a tiros, deixando Guadalupe —que não quis que seu nome completo fosse divulgado, por medo dos homens— aterrorizada demais para sair de casa. "Não quero que a noite chegue", disse ela, chorando. "Viver com medo não é viver."

Para a maior parte da população de Fresnillo, na região central do México, uma existência temerosa é a única que eles conhecem: 96% dos moradores dizem se sentir inseguros, a maior porcentagem de todas as cidades do México, segundo uma pesquisa recente da agência nacional de estatísticas.

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Trabalhador durante intervalo em Fresnillo, uma das cidades mais violentas do México - Alejandro Cegarra - 22.jul.21/NYT

A economia pode estar pujante, presidentes e partidos e suas promessas vão e vêm, mas para os 140 mil habitantes dessa cidade, assim como em muitas do país, há uma crescente sensação de que não importa quais sejam as mudanças, a violência permanece.

Desde que o governo mexicano começou a guerra aos cartéis das drogas, quase 15 anos atrás, as estatísticas de assassinatos aumentaram de forma inexorável.

Em 2018, durante sua candidatura à Presidência, Andrés Manuel López Obrador apresentou uma grande visão para refazer o México —e uma maneira radicalmente nova de atacar a violência. Ele disse que interromperia as táticas fracassadas de seus antecessores. Em vez de prender e matar traficantes, como fizeram líderes anteriores, ele se concentraria nas causas da violência. "Abraços e não balas", dizia. Ele venceu com folga a eleição.

Mas três anos depois da vitória arrasadora, e com seu partido Morena no controle do Congresso, os tambores da morte continuam rufando, sugerindo que a abordagem de López Obrador falhou. Isso alimenta em muitas pessoas uma desesperança paralisante.

"Estamos vivendo no inferno", disse Victor Piña, que disputou a prefeitura de Fresnillo nas eleições de junho e viu um assessor ser baleado ao seu lado durante um evento anterior à campanha.

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O estado de Zacatecas, onde fica Fresnillo, tem o maior índice de assassinatos do país, com 122 mortes em junho, segundo o governo mexicano. Ultimamente, ele se tornou um show de horrores nacional, com cadáveres dependurados de pontes, em sacos plásticos ou amarrados a cruzes.

Em todo o México, os assassinatos diminuíram menos de 1% desde que López Obrador assumiu o governo, segundo o órgão de estatísticas do país. Isso foi suficiente para o presidente afirmar, em um discurso no mês passado, que houve melhora em um problema que sua administração herdou. "Há paz e calma", disse ele em junho.

Muitos em Fresnillo discordam.

"'Abraços e não balas' não funciona", disse Javier Torres Rodríguez, cujo irmão foi morto a tiros em 2018. "Estamos perdendo a capacidade de nos chocar."

Entre outras estratégias, López Obrador se concentrou em atacar o que ele considera as causas originais da violência, financiando programas sociais para melhorar a educação e o emprego para os jovens. Seu governo também foi investigar quem financia o crime organizado. Em outubro, as autoridades disseram que congelaram 1.352 contas bancárias ligadas a 14 grupos criminosos, incluindo poderosos cartéis de drogas.

Mas a série de programas e ações judiciais não convergiu em uma política pública clara, segundo os críticos. Há uma "incontível situação de violência e uma trágica deterioração da segurança pública no México", disse Angelica Duran-Martinez, professora adjunta de ciência política na Universidade de Massachusetts Lowell. "Não há uma política de segurança clara."

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Crianças participam de treinamento de programa local para prevenção do crime na cidade mexicana de Fresnillo - Alejandro Cegarra - 21.jul.21/NYT

López Obrador também duplicou seu apoio às forças armadas, adotando a militarização que marcou igualmente governos anteriores. Um pilar central de sua abordagem do combate à criminalidade foi a criação da Guarda Nacional, força de segurança federal de 100 mil membros, mobilizados em cerca de 180 quartéis por todo o país. Na semana passada, López Obrador anunciou que a Guarda receberá uma verba adicional de US$ 2,5 bilhões.

Em Fresnillo, a Guarda Nacional não fez o bastante, segundo o prefeito Saúl Monreal, membro do partido Morena, do presidente. "Eles estão aqui, estão presentes, fazem patrulhas, mas o que realmente precisamos agora é combater o crime organizado", disse.

Ele foi reeleito durante as eleições de meio de mandato em junho. Foi um dos pleitos mais violentos já registrados no México, com pelo menos 102 pessoas mortas durante a campanha, mais um sinal das falhas de segurança no país.

A família de Monreal é poderosa na política. Seu irmão David é governador-eleito de Zacatecas. Outro irmão, Ricardo, é o líder do partido Morena no Senado e disse que pretende disputar a Presidência em 2024. Mas nem mesmo a importância política da família conseguiu salvar a cidade ou o estado.

Fazendo fronteira com outros oito estados, Zacatecas é há muito tempo vital para o tráfico de drogas, uma encruzilhada entre o Pacífico, onde os narcóticos e ingredientes para a produção de drogas são desembarcados, e os estados ao norte, na fronteira com os Estados Unidos. Fresnillo, que fica no centro de importantes estradas e rodovias, é vital do ponto de vista estratégico.

Na maior parte de sua história recente, os moradores dizem que foram deixados em paz. Isso começou a mudar aproximadamente em 2007 e 2008, quando o ataque do governo aos cartéis os levou a se dividir, evoluir e espalhar. Nos últimos anos, a região foi envolvida em uma batalha entre dois dos mais poderosos grupos criminosos do país: os cartéis de Sinaloa e Nova Geração de Jalisco.

Apanhados no meio da luta estão os moradores, como Guadalupe. Ela se lembra de que, quando menina, ficava sentada na calçada com os vizinhos até meia-noite. Agora a cidade fica desolada depois que anoitece.

Guadalupe não deixa seus filhos brincarem na rua sem vigilância, mas nem isso conseguiu impedir que a violência dilacerasse sua família. Na noite em que seu filho foi morto, em meados de julho, quatro homens armados invadiram sua casa, arrastaram seu filho Henry para fora e dois amigos que tinham ficado para dormir lá. Houve um tiroteio e depois os atacantes se foram. Foi Guadalupe quem encontrou os corpos dos adolescentes.

Agora ela e sua família vivem em terror. Assustados demais para ficar naquela casa, eles se mudaram para a dos pais de Guadalupe, em outro bairro. Mas o medo continua. Sua filha de dez anos mal consegue dormir, disse ela, e Guadalupe sempre sonha com a morte do filho. O motivo e a identidade dos assassinos continuam desconhecidos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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