Relutante até os últimos dias, Cuomo viu círculo fechar e teve que desistir

Governador de NY renunciou ao cargo na esteira de acusações de assédio sexual de 11 mulheres

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The New York Times

O governador Andrew Cuomo estava deixando todo mundo cansado. Ele estava sendo injustiçado, segundo esbravejou para assessores no fim de semana, e, com poucos aliados restantes para defendê-lo publicamente depois de um relatório incriminador da procuradora-geral do estado sobre denúncias de assédio sexual, ele temia que os eleitores tivessem uma impressão inabalável, segundo pessoas com conhecimento direto de suas conversas.

Todo mundo estava falando sobre 11 mulheres, ele se queixou em particular, mas ele sentia que só algumas das acusações eram realmente prejudiciais isoladamente. E contra essas ele estava disposto a lutar.

O então governador de Nova York Andrew Cuomo anuncia a sua renúncia em um vídeo divulgado por seu gabinete
O então governador de Nova York Andrew Cuomo anuncia a sua renúncia em um vídeo divulgado por seu gabinete - Gabinete do Governador Andrew M. Cuomo - 10.ago.21/Reuters

Não importava o preço que o relatório tivesse sobre algumas pessoas mais próximas, incluindo seu irmão, Chris Cuomo, o apresentador da CNN cuja opinião familiar sobre as denúncias causou revolta, e sua principal assessora, Melissa DeRosa, que vinha pensando em se demitir havia semanas. Não importava que uma nova revelação da investigação —a de que Cuomo tinha assediado uma integrante da sua equipe de segurança— tivesse surpreendido até os que o conheciam melhor.

O círculo do governador sempre foi pequeno, quase claustrofóbico. Mas cada vez mais, sobre a questão de renunciar ou lutar, Cuomo estava se tornando uma coalizão de uma só pessoa. Às vezes nos últimos dias ele efetivamente "jogava verde" com seus assessores —dizendo que queria ficar e que acreditava que devia ter esse direito, depois esperando que lhe dissessem que ele tinha razão.

A maioria tinha desistido de tentar fazê-lo mudar de ideia, mesmo que não o encorajassem a se apressar. Mas no domingo (8) DeRosa —há muito tempo a mais fiel protetora da imagem pública de Cuomo, a assessora acusada no relatório de tramar com outros para revidar contra uma das vítimas dele— disse que não podia mais ficar ao seu lado, no que os aliados esperavam que fosse um último sinal para o governador de que não tinha mais saída.

Levou mais um dia e uma série de contratempos devastadores para que a mensagem fosse recebida: a veiculação na manhã de segunda (9) de uma entrevista com Brittany Commisso, uma assessora do gabinete do governador que fez as mais sérias denúncias de assédio; uma declaração de Carl Heastie, o presidente da Assembleia, de que não faria nenhum acordo com Cuomo para adiar o processo de impeachment; e um coro crescente de antigos confidentes como Jim Malatras, chanceler do sistema universitário estadual, escolhido por Cuomo, declarando-se indignado com os "atos repugnantes descritos no relatório".

O espetáculo na manhã de terça (10) —um governador cedendo o poder que ele acumulou em 40 anos de trabalho, um homem incansável, agora cansado— foi ao mesmo tempo chocante e previsível para os mais próximos dele. Foi o ápice de alguns dias frenéticos, às vezes contraditórios, durante os quais Cuomo pareceu vacilar entre desafiador e derrotado, disposto a lutar, mas afinal resignado ao fato de que seu formidável exército político tinha debandado.

Este relato se baseia em entrevistas com mais de uma dúzia de assessores, auxiliares e outros com conhecimento direto de seus últimos esforços para se manter no cargo e a decisão final de sair. Quase todos eles insistiram em manter o anonimato para falar sobre temas sensíveis.

Há meses, Cuomo se encontrava politicamente isolado, seu gabinete informal encolhendo enquanto a maioria dos legisladores de Nova York, dentro e fora da capital, Albany, pediam que ele renunciasse. Embora ninguém tenha sugerido que Cuomo apreciasse essa crise, especialmente depois de ser celebrizado nos primeiros meses da Covid no ano passado, alguns que o conhecem disseram que ele parecia provar uma certa emoção temerária ao medir as probabilidades políticas em longo prazo —e se imaginar de uma raça rara capaz de superá-las.

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Mas Cuomo também estava totalmente ciente de sua situação precária. Quando o relatório foi divulgado, em 3 de agosto, ele e seus assessores estavam desprevenidos —esperavam que ele demorasse pelo menos mais duas semanas para ser concluído.

No final da quarta-feira (4), o governador havia concluído que teria de renunciar. Na manhã de quinta, ele começou o dia com a intenção de fazer o anúncio na sexta. Mas, antes do almoço, segundo um dos interlocutores, o governador parece ter mudado de ideia.

A razão exata da mudança não ficou clara, e alguns assessores falaram na quinta em preparar e veicular uma série de anúncios na televisão com pessoas na rua que achavam que ele estava fazendo um ótimo trabalho, segundo duas pessoas informadas das conversas. O objetivo era melhorar as pesquisas, na esperança de influenciar os membros da Assembleia a votarem contra o impeachment. A ideia da publicidade afinal foi descartada.

No domingo (8), antes da renúncia de DeRosa, Cuomo insistia para confidentes que ele não iria a lugar nenhum.

As afirmações de Lindsey Boylan, a primeira assessora a acusar publicamente o governador de assédio, foram as que mais o enfureceram. Ele esperava que o relatório refletisse o que considerava terem sido flertes consensuais. Muitos assessores, no entanto, discordaram de qualquer avaliação benevolente. Chris Cuomo estava entre os que concluíram que seu irmão devia renunciar —e lhe disse isso, segundo relatos.

Mas assessores dizem que o alcance da explosão de reputações —afetando não só o governador, mas cada vez mais os que tinham maior probabilidade de defendê-lo ou ajudá-lo, como seu irmão, DeRosa e outros ex-assessores— parece ter influenciado na decisão de que não havia como seguir em frente.

"Quando o único amigo que você tem é o que olha para você no espelho, você está ferrado", disse um assessor recentemente.

No transcorrer da segunda-feira, legisladores discutiam o impeachment no complexo do Capitólio estadual, e Cuomo redigia declarações de renúncia na residência executiva. Ele estava acompanhado de DeRosa, que marcou sua demissão oficial para combinar com a de Cuomo, dali a duas semanas, e outra assessora, Stephanie Benton.

Mas a maior parte do texto era dele mesmo, refletindo seus sentimentos equivocados sobre tudo aquilo: ele diria aos nova-iorquinos que os amava, que os deixaria e que as acusações contra ele, apesar de sua decisão na terça, não deviam ser totalmente acreditadas.

Na manhã de terça, enquanto poucas pessoas sabiam exatamente o que iria acontecer dentro de horas, algo parecia estar fervilhando no gabinete de Cuomo na região central de Manhattan. A área de informações no 38º andar —espaço onde, durante mais de uma década, ele deu entrevistas orgulhosas sobre suas façanhas executivas— foi montada para declarações públicas. Pelo menos um membro da equipe foi aconselhado às 8h a usar terno para ir trabalhar, geralmente um sinal de que Cuomo faria uma visita.

Antes das 12h, Cuomo sentou-se à mesa de comunicação com a imprensa, ladeado por uma bandeira dos Estados Unidos e uma do estado de Nova York. Uma autoridade graduada tinha encorajado os membros da equipe a ficarem com o governador, para que ele não se dirigisse a uma sala vazia. Alguns choravam ao sentar-se em cadeiras geralmente reservadas à imprensa. Cuomo respirou fundo, localizou a câmera e olhou bem à frente.

"Vamos lá", disse. Ele estava pronto.

Matt Flegenheimer , Maggie Haberman , William K. Rashbaum e Danny Hakim

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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