Taleban conquista 2ª e 3ª maiores cidades do Afeganistão, e EUA temem queda de Cabul em 30 dias

Insurgentes tomaram Kandahar e Herat; Pentágono prepara evacuação de cidadãos americanos

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São Paulo

O Taleban conquistou as duas maiores cidades do Afeganistão depois de Cabul, além de uma terceira capital regional muito próxima à capital, em um dia crítico para o governo do presidente Ashraf Ghani, que perde controle sobre o território em ritmo vertiginoso.

Kandahar (sul) e Herat (oeste) caíram após intensos combates entre o grupo fundamentalista e as forças do governo entre a quinta (12) e a sexta-feira (13) locais (quinta-feira pelo horário de Brasília). Pouco antes, Ghazni, situada a 150 km de Cabul, também foi invadida.

Homens da força popular que luta contra o Taleban em Herat, Afeganistão
Homens da força popular que lutava contra o Taleban em Herat, no Afeganistão - Jalil Ahmad - 10.jul.21/Reuters

Centro econômico do sul do país, Kandahar é um troféu especialmente simbólico para os talebans, por ter sido o local de nascimento do grupo nos anos 1990 e a capital de seu regime nos cinco anos em que eles tomaram o poder

"Kandahar está completamente conquistada", declarou um porta-voz dos rebeldes em uma conta oficial no Twitter. Um morador da cidade confirmou a captura à AFP, observando que as forças do governo se retiraram em massa para uma instalação militar nos arredores.

Encorajado pelo anúncio de que as tropas estrangeiras sairiam do país até 31 de agosto, o Taleban vem avançando e reconquistando diversas áreas controladas pelo governo do presidente Ashraf Ghani, que foi eleito democraticamente e tem apoio de países do Ocidente. De zonas rurais e vilarejos, eles passaram a atacar também cidades maiores, na maior ofensiva dos últimos anos.

Seu domínio já se estende ao menos por 80% de todo o território afegão, segundo admitiu o próprio governo.

De acordo com fontes ouvidas pelo jornal The New York Times, os EUA já preveem o colapso de Cabul em 30 dias e estão preparando a evacuação de cidadãos americanos no país, incluindo militares e funcionários da embaixada.

Nesta quinta, de Teerã, o jornalista e pesquisador iraniano Fariborz Mohammadkhani conversava pelo celular com seus conhecidos de Herat e enviava à Folha, em tempo real, as notícias sobre a conquista da terceira maior cidade do Afeganistão.

​“O distrito 9 e o 5 caíram. A prisão de Hilmand foi cercada e todos os prisioneiros do Taleban e do Estado Islâmico foram libertados. O bairro central caiu. Bandeira do Taleban hasteada na sede do governo”, informou, às 19h15 (12h15 no horário de Brasília), um deles.

Vinte minutos depois, outro morador da cidade deu a sentença: “Caiu definitivamente. Não há esperança”.

Situada perto da fronteira com o Irã, Herat vinha sendo fortemente atacada havia semanas. Há cerca de dez dias, os talebans quase conquistaram o aeroporto internacional, situado a 10 km da cidade, mas foram derrotados pelo Exército em conjunto com uma milícia local. Na noite desta quarta-feira (11), porém, a ofensiva foi forte demais.

“Infelizmente, eles tomaram uma ponte que pertencia às forças de segurança depois de duas batalhas. Não conseguimos pará-los, e eles acabaram entrando na cidade por essa brecha”, contou Abdolrazagh Ahmadi, ex-secretário de Educação de Herat e porta-voz do Movimento de Resistência do Povo do Sudoeste, forças populares que defendem a região.

A milícia é comandada por Amir Ismail Khan, um conhecido senhor da guerra local que já foi ministro e lutou no conflito afegão-soviético (1979-1989).

A casa de Khan foi cercada pelos talebans assim que eles entraram na cidade, disse Ahmadi. “Amir está lutando e ainda vivo. Mas não temos notícias de em qual zona ele está agora."

Segundo o porta-voz, os insurgentes usavam armas pesadas, entregues a eles pelas forças do governo, que se renderam. Ele contou cerca de cem mortos e feridos naquele momento. “Foram feitos esforços para reduzir o número de baixas de civis, e a maioria deixou a zona de guerra”, disse.

“Quase nenhum reforço [do governo] chegou a Herat, exceto por um período muito limitado. Só os militares que já atuavam na área estavam presentes para defender a cidade”, queixou-se, criticando também “a comunidade internacional, comandada pelos americanos, que deveria ter uma responsabilidade humanitária em relação ao povo afegão”.

“A população está desapontada. As forças populares eram sua única esperança.”

O Taleban, porém, afirma que seu triunfo em grandes cidades indica que o povo afegão apoia o grupo. À TV Al Jazeera, um porta-voz disse que eles "não vão fechar as portas para um caminho político".

Diante do agravamento da situação, o governo propôs aos talebans "uma distribuição de poder em troca do fim da violência", disse à AFP um dos negociadores do Executivo em Doha, onde as tratativas de paz com os rebeldes iniciadas em setembro de 2020 continuam. Em vantagem, porém, o grupo —que antes contemplava essa proposta— deve rejeitá-la.

Enquanto isso, na tarde desta quinta, o iraniano Mohammadkhani tentava contato com Jaelany Farhad, chefe de comunicação do governo de Herat, que deu entrevista à Folha no último dia 6. Alvo certo das armas do Taleban devido ao seu cargo, ele havia acabado de fugir da cidade com a família e tentava alguma estrada não dominada.

Na conversa do dia 6, ele disse que os moradores estavam em pânico, tanto os mais velhos, que se lembravam da opressão de quando o Taleban comandou a cidade 20 anos atrás, quanto os mais jovens, que nunca viveram uma guerra. “Se eles ganharem, vai ser um massacre. Uma catástrofe humanitária”, afirmou.

Questionado se iria também tentar deixar a cidade, o porta-voz das forças populares, Abdolrazagh Ahmadi, afirmou que não. "Daqui não saio. Se não houver outra saída a não ser me tornar mártir, será meu orgulho."

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