Descrição de chapéu The New York Times

Últimos samaritanos do mundo vivem em aldeia de 440 pessoas entre Israel e Palestina

No povoado de Al Tor, grupo não se identifica como judeu nem palestino e procura esposas na Ucrânia

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Patrick Kingsley Gabby Sobelman
Monte Gerizim (Cisjordânia) | The New York Times

Na ocupada e majoritariamente segregada Cisjordânia, judeus vivem em assentamentos murados, e palestinos, em cidades e povoados árabes. Há também os 440 moradores da aldeia de Al Tor, no topo de uma montanha, que flutuam entre os dois mundos.

Quando crianças, eles cresceram falando árabe. Na adolescência, estudaram em escolas dirigidas pela Autoridade Nacional Palestina. Como aposentados, muitos fumam shisha habitualmente na cidade palestina de Nablus, descendo as encostas do Monte Gerizim.

Members of the Samaritan community prepare for Passover in their village on West BankÕs Mount Grizim, April 25, 2021. Up the mountain in the West Bank, several hundred villagers practice an ancient Israelite religion while maintaining an ambiguous national identity. (Dan Balilty/The New York Times)
Samaritanos no povoado de Al Tor, na Cisjordânia, onde vivem divididos entre judeus e palestinos - Dan Balilty/The New York Times

Mas eles também detêm a cidadania israelense, muitas vezes trabalham em Israel, pagam seguro-saúde israelense e visitam parentes em um subúrbio de Tel Aviv. Nas eleições israelenses, vários dizem ter votado no partido de direita Likud, favorável aos assentamentos judeus na Palestina. Mas os samaritanos ainda são representados no conselho dormente da Organização para a Libertação da Palestina.

É essa a vida em Al Tor, uma aldeia de cinco ruas, conhecida como Kiryat Luza em hebraico, cujas casas bege abrigam os últimos membros da religião samaritana, um antigo derivado da fé israelita. Sua identidade samaritana original —não são muçulmanos nem cristãos, mas não exatamente judeus— lhes permite vagar, às vezes com dificuldade, entre as sociedades israelense e palestina.

"Não podemos dizer que somos palestinos e não podemos dizer que somos judeus", disse Tomer Cohen, 37, um advogado em Al Tor. "Somos samaritanos; é a única coisa que posso dizer."

Cohen dirige todos os dias até Ramallah, uma importante cidade palestina na Cisjordânia, onde ele trabalha como assessor jurídico da associação palestina de basquete. Mas quando ele precisa de atendimento de saúde, vai a Israel. Quando era mais jovem, Cohen jogou basquete semiprofissional em times de Ramallah e de um assentamento israelense próximo —contradição que ele ignora.

"Se estou em Tel Aviv, sinto-me israelense", disse Cohen. "Mas se estou em Ramallah, sinto-me palestino."

Embora essa capacidade de funcionar nos dois mundos seja muitas vezes vantajosa, também tem seu lado negativo, às vezes perigoso. Durante a segunda revolta palestina, em 2001, o pai de Cohen, Josef Cohen, hoje com 76 anos, disse ter sobrevivido a uma emboscada de militantes palestinos, mas foi atingido minutos depois por tiros de soldados israelenses quando correu para um posto militar a caminho do hospital. "Sou uma vítima do terror dos dois lados", disse Cohen pai.

A complexidade da experiência samaritana, porém, também oferece motivos para otimismo: em um momento em que israelenses e palestinos se sentem mais divididos que nunca, depois de uma guerra e da inquietação étnica neste ano, Al Tor oferece um paradigma que respeita as diferenças étnicas e religiosas, enquanto permite a seus residentes acesso a toda parte da Terra Santa e direitos dentro dela.

Segundo algumas estimativas, os samaritanos eram mais de 1 milhão no século 5. Mas, depois de séculos de perseguição, esse número diminuiu para cerca de 800, muitos dos quais com o sobrenome Cohen. Cerca da metade deles vive em Holon, na borda sul de Tel Aviv, e os restantes moram no Monte Gerizim, onde acreditam que o profeta Abraão tentou sacrificar seu filho Isaac. Para aumentar a população, a comunidade arranjou casamentos entre homens samaritanos e mulheres do leste europeu.

Eles se consideram descendentes dos israelitas originais e praticam culto em versões próprias de sinagoga, observam o Shabat e seguem a versão samaritana da Torá, os primeiros cinco livros da Bíblia. Mas consideram o judaísmo um desvio da fé israelita original e dizem acreditar que o Monte Gerizim, e não Jerusalém, é o lugar mais sagrado do mundo. E esqueça a parábola atribuída a Jesus na Bíblia cristã, em que um "bom samaritano" ajuda um homem que foi roubado e espancado numa estrada.

"Esse é o Novo Testamento", disse Shachar Joshua, 71, um samaritano e ex-banqueiro que cresceu na Cisjordânia, mas depois se mudou para Israel. "Não temos nada a ver com isso", acrescentou ele, um pouco aborrecido. Antes que Israel ocupasse a Cisjordânia, em 1967, os samaritanos lá não tinham conexão oficial com o Estado judeu e não falavam hebraico. Josef Cohen lembra que, quando era criança, décadas atrás, lhe contaram sobre o linchamento de um israelense que entrou na Cisjordânia.

"As pessoas diziam que ele era judeu, mas eu nem entendia o que isso significava", disse Cohen pai, hoje um sacerdote samaritano. "Eu me considerava um palestino árabe", acrescentou ele.

A ocupação tornou a vida dos samaritanos mais complexa.

Israel mais tarde lhes deu a cidadania, direito negado a outros palestinos da Cisjordânia. Durante uma revolta palestina nos anos 1980, alguns militantes palestinos associaram cada vez mais os samaritanos com o Estado israelense. Isso obrigou a maioria deles a se mudar de suas casas ancestrais em Nablus para Al Tor, onde o exército israelense podia protegê-los melhor, ou mesmo para Israel.

"Se não houvesse Israel, não viveríamos", disse o Cohen pai.

Mas o antigo líder palestino Yasser Arafat sempre manteve boas relações com a liderança samaritana, disse Aharon HaCohen, um sacerdote samaritano que passou a maior parte da vida trabalhando para instituições civis palestinas. Depois da morte de sey pai, que foi um alto sacerdote samaritano, HaCohen disse que Arafat telefonou para dar pêsames. "O seu pai morreu, mas você tem um segundo pai", disse Arafat, segundo HaCohen. "Eu sou um pai para vocês."

As complexidades da identidade samaritana e as disputas sobre sua fidelidade ficaram claras em seu sacrifício anual na Páscoa, em abril. A maioria dos samaritanos do mundo se reuniu em Al Tor, todos vestidos com alguma peça branca.

Quando o sol se pôs, esse exército vestido de branco encurralou dezenas de carneiros em uma pequena arena, onde rezaram em uníssono antes de abater os animais e retirar seu couro. Depois atiraram as carcaças em várias fogueiras, com suas roupas brancas agora salpicadas de sangue.

Members of the Samaritan community prepare for ritual sacrfices for Passover in their village on West BankÕs Mount Grizim, April 25, 2021. Up the mountain in the West Bank, several hundred villagers practice an ancient Israelite religion while maintaining an ambiguous national identity. (Dan Balilty/The New York Times)
Samaritanos fazem sacrifício da Páscoa na aldeia onde vivem, no Monte Gerizim, na Cisjordânia - Dan Balilty/The New York Times

Os samaritanos que ainda vivem em Al Tor conversavam em árabe, mas seus primos mais jovens, que moram em Israel, falavam principalmente hebraico. E seus convidados eram na maioria israelenses: vários oficiais do exército e da polícia, dois ministros do governo e o líder do conselho de moradores local.

O governador palestino de Nablus, Ibrahim Ramadan, telefonou para o sacerdote principal para cumprimentá-lo, mas preferiu não participar pessoalmente. O governador estava preocupado com o coronavírus —a maioria dos palestinos ainda não tinha sido vacinada—, mas ele também temia ser visto normalizando as relações com representantes do governo israelense e a comunidade de colonos.

"Isso evidentemente criou um ambiente desconfortável para nós", disse Ramadan.

Além de contornar essas tensões, os samaritanos têm um desafio ainda mais premente: evitar a extinção.

Alguns samaritanos deixam a pequena comunidade, enquanto gerações de casamentos entre parentes causaram uma série de problemas genéticos. Para rejuvenescer a população, a liderança samaritana quis trazer novos membros, sem complicar suas relações com os israelenses e os palestinos.

Assim, há 20 anos eles recorreram a um serviço internacional de formação de casais —que os conectou a mulheres de uma aldeia pobre na Ucrânia. Desde então, a comunidade conseguiu 17 casamentos entre samaritanos e mulheres do leste europeu.

Colaboraram Adam Rasgon e Rawan Sheikh Ahmad, de Jerusalém

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Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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