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China usa aplicativo antifraude para monitorar acesso a sites estrangeiros

App exige dezenas de permissões, gerou milhares de queixas de privacidade e é obrigatório em alguns setores

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Sun Yu
Pequim | Financial Times

A polícia da China está usando um novo aplicativo antifraudes instalado em mais de 200 milhões de telefones celulares para identificar e interrogar pessoas que visitaram sites internacionais de notícias financeiras. A informação é de pessoas que foram convocadas pelas autoridades.

O aplicativo foi lançado em março pelo Centro Nacional Antifraudes do Ministério de Segurança Pública. Ele bloqueia telefones suspeitos e denuncia malwares (programas criados para infectar computadores). A polícia declarou que o app é necessário para combater um aumento nos casos de fraude, frequentemente cometidos por organizações administradas no exterior por chineses ou taiwaneses.

O ministério recomendou que o aplicativo seja baixado. Mas vários órgãos governamentais locais o tornaram obrigatório a funcionários e pessoas com quem trabalham, como, por exemplo, estudantes e inquilinos.

Casal usa celular em rua de Pequim, na China - Wang Zhao - 15.set.21/AFP

Um usuário do app, residente em Xangai, contou ao Financial Times que foi contatado pela polícia depois de ter acessado um serviço americano de notícias financeiras. A polícia quis saber se ele tinha contatos no exterior e se visitava sites estrangeiros com frequência.

O usuário, que pediu para não ser identificado, disse que a polícia pareceu genuinamente preocupada com golpes lançados de fora do país. “Mas as perguntas que me fizeram, querendo saber se eu tive contato com estrangeiros, me fizeram pensar que eles não querem que eu acesse sites de outros países”, acrescentou. “Depois do encontro com a polícia, deletei o app.”

Um segundo usuário, residente na província oriental de Shandong, disse que a polícia lhe telefonou em quatro dias consecutivos depois de o app ter mostrado que ele acessara provedores internacionais de informação que ela qualificou como “altamente perigosos”, incluindo a Bloomberg.

“Disseram que tirariam o rótulo de ‘perigoso’ fixado à Bloomberg, mas nada aconteceu”, disse o usuário. “Outra coisa é que as autoridades não informam como determinam se um site sediado no exterior tem ligação com fraudes.”

O aplicativou gerou milhares de queixas online ligadas à privacidade, apresentadas por pessoas que disseram ter sido obrigadas a baixar o app para conseguir alugar um apartamento ou matricular seus filhos em escolas.

Doze pessoas contaram ao Financial Tumes terem se sentido incomodadas porque, para instalar o app em seus telefones, tiveram que dar 29 autorizações ao aplicativo, entre as quais o monitoramento ao vivo de registros de chamada, mensagens de texto e conversas.

“Não vou deixar as autoridades acessarem todos os aspectos da minha vida apenas para evitar golpes”, comentou um gerente de marketing residente em Xangai. Ele havia ignorado vários pedidos para que instalasse o aplicativo.

Pais em todo o país contaram terem sido obrigados a baixar o app para poderem matricular seus filhos na escola. Em Shenzen, alguns inquilinos foram obrigados a instalar o aplicativo para poderem assinar contratos de aluguel.

“Nunca antes vi o governo cometer um abuso de poder tão grave para promover um aplicativo impopular”, comentou um funcionário de escritório na província de Anhui que teve que baixar o app para poder dar entrada num pedido de documento de identidade.

“Este é um aplicativo de espionagem que rastreia tudo o que acontece em seu telefone”, comentou outro usuário que deletou o aplicativo algumas horas depois de as autoridades locais terem lhe mandado instalá-lo. “Não preciso dele, por melhores que possam ser suas intenções.”

De acordo com dados oficiais, no ano passado a China deteve 361 mil pessoas por fraude eletrônica ou online, contra 73 mil prisões feitas em 2018. Em abril, Li Bei, porta-voz do Ministério de Segurança Pública, descreveu essas fraudes como “a atividade criminal que vem crescendo mais rapidamente” no país.

O aplicativo oferece dezenas de cursos sobre prevenção de golpes. “O app desempenha um papel importante no combate a fraudes”, disse Jiang Guoli, alto funcionário de segurança pública, em entrevista coletiva em junho. Ele comentou que, nos três primeiros meses depois de ser lançado, o aplicativo emitiu 23 milhões de mensagens de alerta.

O Ministério da Segurança Pública e o Centro Nacional Antifraudes não responderam a um pedido de declarações. Para Karman Lucero, acadêmico da Escola Yale de Direito, o aplicativo pode ser mal utilizado pelo governo. “Não há dúvida de que, mesmo sem ouvir os telefonemas do usuário ou ler o teor exato de suas mensagens de texto, ele pode ser usado para colher informações valiosas sobre quem é esse usuário”, disse ele.

Tradução de Clara Allain

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