Cidade italiana recebe críticas por estátua 'sexy' de camponesa guerreira

Ex-premiê Giuseppe Conte esteve na cerimônia que revelou obra; ativistas pedem remoção

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Belo Horizonte

A ideia era homenagear a personagem de um poema clássico: uma camponesa que, apaixonada, abandona o trabalho para se juntar a um revolucionário, mas vê a expedição contra o reino das Duas Sicílias fracassar, com os 300 soldados mortos ou presos.

De todos os atributos possíveis, porém, o que a estátua destaca são os físicos.

A obra, inaugurada no último sábado (25) em Sapri, na região de Salerno, desencadeou uma onda de discussões em torno do machismo e do sexismo na Itália.

Estátua na cidade de Sapri, no sul da Itália, em homenagem a personagem de conhecido poema italiano
Estátua na cidade de Sapri, no sul da Itália, em homenagem a personagem de conhecido poema italiano - @f_piazzoni no Twitter

La Spigolatrice di Sapri” (a respigadora de Sapri) é uma escultura de bronze de uma mulher em referência à personagem-título do poema escrito em 1857 por Luigi Mercantina.

O texto foi inspirado na história real da chamada Expedição de Sapri, comandada por Carlo Pisacane —precursor de ideais socialistas e líder de um movimento de unificação da Itália.

Ao ser revelada, porém, a peça do escultor Emanuele Stifano chamou a atenção por explorar, de maneira considerada desnecessária, a sensualidade e as formas voluptuosas da personagem, em vez de seu caráter guerreiro ou romântico.

A estátua exibe a camponesa com um vestido sem ombros, tendo um dos braços sobre o colo, e simula a brisa do mar batendo no corpo da mulher, de forma que a roupa fica mais justa —delineando também, por exemplo, o contorno das nádegas.

À repercussão pelo caráter gratuito da exploração do corpo feminino na estátua, criticado por ativistas, somou-se a presença do ex-primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte na inauguração em Sapri, além de outras autoridades locais. No dia, ele participava de um ato político na região.

Em uma foto da cerimônia, publicada nas redes sociais, é possível ver ao menos seis homens em volta da obra, um dos quais o ex-premiê, que aparece com semblante sério por trás da máscara branca.

A deputada Laura Boldrini, do Partido Democrático, de centro-esquerda, foi uma das que compartilharam a imagem, com críticas à escultura. Ela chamou a obra de “ofensa às mulheres” e atacou as autoridades locais. “Como as instituições podem aceitar a representação das mulheres como um corpo sexualizado? O machismo é um dos males da Itália”, escreveu.

O escultor, Stifano, por outro lado, afirmou ter ficado desanimado com as críticas. “Quando eu faço uma escultura, sempre tendo a cobrir o mínimo possível do corpo humano, independentemente do sexo”, defendeu-se, em uma nota.

Em um longo texto publicado em um blog, a ex-senadora Manuela Repetti se disse espantada ao ver a foto da inauguração. “Havia aqueles que pareciam quase envergonhados (pelo menos eu espero). Aqueles que pareciam ter sido sequestrados pelas curvas da estátua (e você não pode culpá-los). E aqueles com as mãos no peito, extraindo um sentimento de patriotismo dessa imagem.”

Por fim, ela cobrou a remoção da estátua: “Errar é humano, perseverar é diabólico”.

O pedido foi engrossado pela atual senadora Monica Cirinná, também do Partido Democrático, para quem a obra “nada diz sobre a autodeterminação de quem optou por não ir trabalhar para tomar partido contra o opressor Bourbon” —em referência à família que comandou o reino das Duas Sicílias retratado no poema "La Spigolatrice di Sapri".

Desde o ano passado, ativistas europeus aderiram ao movimento que critica a exaltação de figuras históricas ligadas a preconceitos ou à exploração humana, na esteira de atos antirracistas que se seguiram à morte de George Floyd nos EUA.

Em Bristol (Inglaterra), por exemplo, manifestantes derrubaram de uma praça a estátua de Edward Colston, traficante de escravos que ajudou a construir a cidade no início do século 18 —pescada de volta, a obra agora será exposta num museu local.

Na Bélgica, o alvo foi o rei Leopoldo 2º, responsável pela morte de milhões de africanos nas décadas em que foi o proprietário da única colônia particular da história, onde hoje fica a República Democrática do Congo. As quatro figuras dele em Bruxelas foram atacadas, mas nenhuma chegou a ser completamente destruída.

Em Sapri, apesar da repercussão negativa, se depender do prefeito Antonio Gentile a nova escultura continuará intacta. Segundo ele, o autor da obra teve uma interpretação “impecável” da personagem. O político ainda chamou o texto da ex-senadora Repetti de “extremamente violento”.

Franco Castiello, senador do Movimento Cinco Estrelas —partido cujo líder é Giuseppe Conte—, foi além na defesa da obra. Para ele, a ex-parlamentar, que é do norte da Itália, “desconhece as feições físicas das mulheres do sul”.

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