Enviado dos EUA ao Haiti renuncia ao cargo com críticas a ações 'desumanas' de Biden

Daniel Foote pede demissão e acusa Washington de não aprender com erros cometidos no passado

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Washington | Reuters e AFP

O enviado especial dos Estados Unidos para o Haiti, Daniel Foote, renunciou ao cargo nesta quarta-feira (22) alegando que não quer ser associado às decisões do governo de Joe Biden de deportar milhares de migrantes haitianos detidos na fronteira americana.

Em uma carta enviada ao secretário de Estado Antony Blinken, Foote descreveu a conduta do governo americano diante da crise migratória como "desumana" e "contraproducente" devido ao agravamento da violência e do cenário de insegurança no país caribenho.

Daniel Foote, enviado especial dos EUA para o Haiti, durante sessão no Senado americano em 2016 - Drew Angerer/Getty Images - 26.mai.16/AFP

"Nossa abordagem política para o Haiti continua profundamente falha, e minhas recomendações foram ignoradas e rejeitadas", disse Foote na carta para Blinken.

Diplomata de carreira e enviado ao Haiti em julho deste ano, Foote afirmou que a situação no país caribenho é tão ruim que autoridades americanas ficam confinadas para se manterem seguras. Ele diz que o "Estado colapsado" não tem condições de aguentar a chegada dos migrantes deportados.

O enviado especial também criticou a decisão de Washington de apoiar o atual primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, que assumiu o comando do país após o assassinato do presidente Jovenel Moïse —crime no qual o próprio Henry é suspeito de envolvimento.

Para Foote, os EUA não aprenderam com os próprios erros cometidos em outras "intervenções políticas internacionais no Haiti". "A arrogância que nos faz acreditar que devemos escolher o vencedor —mais uma vez— é impressionante", escreveu ele.

A cidade texana de Del Rio está recebendo um fluxo maciço de migração, com milhares de haitianos abrigados em um acampamento sob a ponte que liga os EUA ao município mexicano de Ciudad Acuña.

No último fim de semana, o local chegou a atingir o pico de 14 mil pessoas, segundo o Acnur, a agência da ONU para refugiados. Na terça, grupos no lado americano do rio ocuparam uma área de floresta, e algumas famílias construíram barracas improvisadas com galhos e folhas.

Os relatos são de que a comida é escassa e que não há banheiros suficientes para todos.

Do lado mexicano, o acampamento também tem crescido, e os migrantes têm recebido assistência de grupos como Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras, além de moradores de Ciudad Acuña.

Nesta quinta (23), segundo a agência AFP, um grupo acampado na cidade mexicana resistiu à abordagem de agentes da imigração que tentavam estimulá-los a sair da região e aguardar os trâmites para um pedido de refúgio em outros locais.

Os haitianos disseram não querer ir para Tapachula, no sul do México, na fronteira com a Guatemala. A cidade também sofre com a sobrecarga de dezenas de milhares de centro-americanos que buscam o status de refugiados, que permite que eles permaneçam legalmente no país sem serem deportados, enquanto esperam para conseguir cruzar para os EUA.

No domingo e na segunda, centenas desses migrantes na fronteira do Texas foram expulsos em três aviões para Porto Príncipe. Até sete voos diários estavam previstos para ocorrer a partir de quarta (22), com destino à capital haitiana e a Cap-Haitien, segunda maior cidade do país.

Na segunda-feira (20), o premiê haitiano falou por telefone com Blinken sobre o retorno dos migrantes. Segundo o porta-voz do departamento do Estado americano, Ned Price, os dois “discutiram os perigos da migração irregular, que coloca indivíduos sob grande risco e frequentemente faz com que migrantes e suas famílias adquiram dívidas paralisantes”.

O alto fluxo de migração —mais de 1,5 milhão cruzaram a fronteira neste ano fiscal— impõe desafios políticos e humanitários à gestão de Joe Biden. Uma expulsão em massa de haitianos gerou fortes reações de defensores de migrantes, que dizem ser desumano determinar o retorno a um país em condições tão difíceis. Recentemente, o Haiti passou por uma série de desastres naturais, ocorridos após o presidente Jovenel Moïse ser assassinado, o que aprofundou a instabilidade política na região.

Nesta quinta, o reverendo Al Sharpton, ativista de direitos civis nos EUA, disse em um vídeo nas redes sociais: "Se você vem de um país no qual o presidente foi assassinado e a isso se seguiu um terremoto, depois um furacão, não sei como você poderia se qualificar melhor para um pedido de asilo".

Filippo Grandi, chefe do Acnur, disse que as expulsões podem violar leis internacionais sobre refugiados.

Políticos republicanos, de olho nas eleições de meio de mandato em 2022, quando esperam retomar o controle do Congresso, foram ágeis em atribuir a responsabilidade pela crise no Texas à pressão dos democratas para afrouxar algumas restrições à migração impostas durante o governo de Donald Trump.

Mesmo membros do Partido Democrata fizeram críticas à gestão da crise. Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado, disse que a expulsão de imigrantes para o Haiti "desafia o bom senso" e expressou indignação com as táticas usadas pelos agentes de fronteira para controlar as multidões —no início da semana, oficiais montados a cavalo foram flagrados usando rédeas para ameaçar haitianos.

A vice-presidente Kamala Harris descreveu a situação como complexa e disse que os EUA precisam "fazer muito mais" para atender às necessidades básicas da população do Haiti. "As pessoas querem ficar em casa, não querem sair, mas vão embora quando não podem satisfazer suas necessidades básicas."

Em meio a esse cenário, uma das hipóteses aventadas pelos americanos é pedir auxílio para países como Brasil e Chile para receber parte dos migrantes haitianos. O tema foi tratado em reunião entre o secretário de Estado, Antony Blinken, e o chanceler brasileiro, Carlos França, após a Assembleia-Geral da ONU.

Nesta quinta, a Casa Branca informou que a patrulha fronteiriça dos EUA deixou de usar cavalos nas operações com migrantes nos arredores de Del Rio.

O secretário de Segurança Nacional, Alejandro Mayorkas, que supervisiona essa guarda, disse na quarta-feira que as imagens dos agentes a cavalo "não refletem o que somos como país, nem refletem o que é o Serviço de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos EUA".

Segundo ele, o governo determinou uma investigação sobre o ocorrido e que, enquanto ela durar, os agentes envolvidos serão transferidos.

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