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Lygia Jobim

Escolha do meu pai como patrono de diplomatas mostra país que não quer ser pária

Formandos do Instituto Rio Branco elegeram José Jobim, embaixador morto pela ditadura, como símbolo da turma

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Lygia Jobim

É jornalista e advogada

​Mais do que um artigo, este texto é uma carta aberta a vocês, 20 jovens diplomatas da turma do Instituto Rio Branco que formalizou, na última quarta-feira (1º), sua entrada no Itamaraty.

​A escolha que fizeram do nome de meu pai, embaixador José Jobim, torturado até a morte pela ditadura militar que durante 25 anos manchou de sangue o chão do nosso país, para patrono da turma à qual para sempre pertencerão é uma declaração explícita de que não compactuam com o negacionismo e com a corrupção nem concordam que o nosso país se sujeite a ser um pária na comunidade internacional.

O diplomata José Jobim, fotografado no Rio de Janeiro
O diplomata José Jobim, fotografado no Rio de Janeiro - Acervo - 2.jul.57/Agência O Globo

​Tenho certeza de que saberão honrá-lo, agindo com firme delicadeza na defesa dos interesses do país.

​Vocês conseguiram resgatar em mim o respeito que José Jobim sentia e me ensinou a sentir pela Casa a que pertenceu. Durante anos, disse a mim mesma que não sabia o que o Itamaraty havia feito a meu pai, mas sabia perfeitamente o que não havia feito.

Com sua omissão, fez com que meu caminho até a conquista de um atestado de óbito que retratasse a verdade responsabilizando o Estado por sua morte fosse muito mais árduo. Com seu silêncio, endossou a tese inicial de suicídio. Mas vocês, dentro da instituição à qual ele dedicou sua vida, o colocaram de volta no lugar respeitado que durante anos seus colegas lhe negaram.

​O orgulho que sinto por saber que parte da juventude que meu pai tanto gostava reconhece nele um exemplo a ser seguido é imenso. A emoção de ouvir seu nome ser proclamado patrono fez com que não conseguisse segurar as lágrimas. Foi lindo ver a esperança de dias mais dignos brilhar naquele momento!

Por favor, não percam esse brilho. Nós dependemos dele.

​Lamento que tenham que começar a carreira tendo na Presidência uma figura tão nefasta quanto Jair Messias Bolsonaro. Mas vocês têm uma vida pela frente e verão dias melhores. Nunca se esqueçam de que, por pior que seja o presidente, defendem e representam o Brasil, não o governo.

Assim, não percam nunca a humanidade. Não se dobrem. Não abandonem nunca a dignidade que demonstraram ter ao defender com firmeza a escolha do patrono da turma. Ela vale muito mais que uma promoção ou uma remoção.

​Só me resta dizer obrigada a cada um e esperar, em breve, conhecê-los pessoalmente para abraçar aqueles que, por opção, tornaram-se meus irmãos.

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