Brasil aceita receber mais voos com deportados dos EUA e pede fim de uso de algemas

Com aumento de detidos na fronteira, Itamaraty concorda com duas viagens semanais; americanos já pedem terceiro voo

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Brasília

Diante do aumento do número de brasileiros detidos na fronteira sul dos Estados Unidos, o governo do presidente Joe Biden pediu para triplicar a frequência de voos com deportados ao Brasil.

A ampliação do uso de aeronaves fretadas para devolver ao país brasileiros que tentaram entrar de forma ilegal em território americano foi negociada recentemente em reuniões que envolveram o Itamaraty, a embaixada dos EUA em Brasília e a Polícia Federal.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores confirmou que o governo brasileiro "consentiu, em caráter temporário e condicional, com o aumento da frequência para dois voos semanais". A previsão é de que o acréscimo da nova frequência ocorra no início de outubro.

Aeronave fretada pelo governo americano, com cerca de cem brasileiros deportados pelos Estados Unidos, chega ao aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte
Aeronave fretada pelo governo americano, com cerca de cem brasileiros deportados pelos Estados Unidos, chega ao aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte - Douglas Magno - 14.fev.19/Folhapress

Hoje, o Brasil autoriza uma viagem por semana, e os americanos já solicitaram que seja aberta uma terceira frequência para a devolução de deportados, disseram à Folha o coordenador-geral de Cooperação Internacional da PF, Luiz Roberto Ungaretti Godoy, e interlocutores com conhecimento do tema.

A embaixada dos EUA em Brasília não respondeu às perguntas enviadas pela Folha.

A demanda americana por mais voos se dá em meio a uma crise migratória enfrentada por Biden na fronteira com o México. Recentemente, cenas de milhares de migrantes do Haiti em um abrigo improvisado sob uma ponte na cidade fronteiriça de Del Rio, no Texas, e sendo ameaçados por agentes a cavalo com rédeas como chicotes geraram indignação internacional e grande repercussão.

Frente ao grande fluxo de imigrantes, o governo Biden passou a acelerar a deportação dos haitianos. Pediu, inclusive, que o Brasil receba aqueles que têm residência no país ou filhos brasileiros.

Nas tratativas sobre a possibilidade de aumentar o número de voos, o Itamaraty pediu que os EUA respeitem algumas condições, entre as quais a de que os deportados deixem de permanecer algemados durante o trajeto, como é a praxe atual. O argumento do Ministério das Relações Exteriores é o de que a prática é aplicada mesmo em quem não tem antecedentes criminais ou histórico de atos violentos.

Em nota, a chancelaria afirmou que o tratamento destinado aos cidadãos brasileiros é tema de "importância fundamental" para a pasta.

"O Itamaraty tem manifestado às autoridades norte-americanas preocupação quanto a aspectos humanitários concernentes aos voos de repatriação e quanto ao respeito à dignidade dos brasileiros deportados, em particular quanto ao uso de algemas."

O governo também quer que os EUA evitem incluir nos voos cidadãos brasileiros que tenham sido adotados por pais americanos e que, portanto, não têm vínculos com o país ao qual retornariam.

Nas rígidas normas migratórias dos EUA, uma criança adotada no exterior não recebe automaticamente a nacionalidade americana. Assim, há casos de brasileiros que imigraram ainda bebês e que, quando adultos, enfrentaram processos de deportação sem falar português e sem qualquer laço familiar no Brasil.

Para liberar os voos, o Itamaraty solicitou ainda que casos de emergência humanitária sejam avaliados individualmente. "O governo brasileiro solicitou gestos humanitários por parte das autoridades norte-americanas com base no perfil específico dos passageiros transportados", afirmou o Itamaraty, ao ser questionado sobre as condições estabelecidas aos EUA para autorizar o aumento das frequências aéreas.

Depois de um fluxo de migrantes reduzido em 2020 devido à pandemia da Covid-19, a quantidade de brasileiros tentando entrar de forma ilegal nos EUA explodiu neste ano.

Segundo dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), foram mais de 47 mil apreensões entre outubro de 2020 e setembro de 2021. De acordo com Godoy, da Polícia Federal, só em agosto 9.000 pessoas acabaram presas na travessia do México para os EUA.

O coordenador-geral de Cooperação Internacional da PF afirma ainda que cerca de 70% das pessoas são de Minas Gerais, estado que tem histórico de migração irregular para os EUA, principalmente da região de Governador Valadares.​ No entanto, as autoridades brasileiras têm observado que a prática tem aumentado também entre brasileiros residentes em outros estados, como Espírito Santo e Rondônia.

Era deste estado que havia saído Lenilda dos Santos, brasileira que, no começo do mês, foi encontrada morta em um deserto na fronteira —ela foi abandonada pelo coiote que a levaria aos EUA.

Outro fator que pesa para o aumento dos voos é o longo tempo que os migrantes precisam aguardar para serem enviados de volta ao Brasil. Em alguns casos, o tempo de espera chega a seis meses. As aeronaves usadas têm capacidade para aproximadamente 150 passageiros.

O Itamaraty afirmou que o principal objetivo do acréscimo dos voos de deportação é diminuir o tempo de permanência de brasileiros nos centros de detenção nos EUA, em especial em meio à pandemia da Covid.

O fretamento de aviões para deportar migrantes em situação irregular é uma prática antiga, mas que até o governo Donald Trump vinha sendo pouco aplicada a brasileiros. Biden manteve a política do antecessor.

Godoy ressalta que os brasileiros costumam gastar entre US$ 20 mil e US$ 25 mil na esperança de viver o "sonho dourado" de entrar nos EUA. Porém, diz ele, não imaginam os problemas que podem enfrentar.

"A trajetória é extremamente penosa. Ficam submetidos a tráficos de pessoas, filhos são sequestrados, eles são muitas vezes submetidos a condições desumanas, têm de dormir no deserto", afirmou. "Tivemos casos de brasileiros picados por serpentes, outros que desapareceram e não se tem notícia até hoje."

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