Diante do aumento do número de brasileiros detidos na fronteira sul dos Estados Unidos, o governo do presidente Joe Biden pediu para triplicar a frequência de voos com deportados ao Brasil.
A ampliação do uso de aeronaves fretadas para devolver ao país brasileiros que tentaram entrar de forma ilegal em território americano foi negociada recentemente em reuniões que envolveram o Itamaraty, a embaixada dos EUA em Brasília e a Polícia Federal.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores confirmou que o governo brasileiro "consentiu, em caráter temporário e condicional, com o aumento da frequência para dois voos semanais". A previsão é de que o acréscimo da nova frequência ocorra no início de outubro.
Hoje, o Brasil autoriza uma viagem por semana, e os americanos já solicitaram que seja aberta uma terceira frequência para a devolução de deportados, disseram à Folha o coordenador-geral de Cooperação Internacional da PF, Luiz Roberto Ungaretti Godoy, e interlocutores com conhecimento do tema.
A embaixada dos EUA em Brasília não respondeu às perguntas enviadas pela Folha.
A demanda americana por mais voos se dá em meio a uma crise migratória enfrentada por Biden na fronteira com o México. Recentemente, cenas de milhares de migrantes do Haiti em um abrigo improvisado sob uma ponte na cidade fronteiriça de Del Rio, no Texas, e sendo ameaçados por agentes a cavalo com rédeas como chicotes geraram indignação internacional e grande repercussão.
Frente ao grande fluxo de imigrantes, o governo Biden passou a acelerar a deportação dos haitianos. Pediu, inclusive, que o Brasil receba aqueles que têm residência no país ou filhos brasileiros.
Nas tratativas sobre a possibilidade de aumentar o número de voos, o Itamaraty pediu que os EUA respeitem algumas condições, entre as quais a de que os deportados deixem de permanecer algemados durante o trajeto, como é a praxe atual. O argumento do Ministério das Relações Exteriores é o de que a prática é aplicada mesmo em quem não tem antecedentes criminais ou histórico de atos violentos.
Em nota, a chancelaria afirmou que o tratamento destinado aos cidadãos brasileiros é tema de "importância fundamental" para a pasta.
"O Itamaraty tem manifestado às autoridades norte-americanas preocupação quanto a aspectos humanitários concernentes aos voos de repatriação e quanto ao respeito à dignidade dos brasileiros deportados, em particular quanto ao uso de algemas."
O governo também quer que os EUA evitem incluir nos voos cidadãos brasileiros que tenham sido adotados por pais americanos e que, portanto, não têm vínculos com o país ao qual retornariam.
Nas rígidas normas migratórias dos EUA, uma criança adotada no exterior não recebe automaticamente a nacionalidade americana. Assim, há casos de brasileiros que imigraram ainda bebês e que, quando adultos, enfrentaram processos de deportação sem falar português e sem qualquer laço familiar no Brasil.
Para liberar os voos, o Itamaraty solicitou ainda que casos de emergência humanitária sejam avaliados individualmente. "O governo brasileiro solicitou gestos humanitários por parte das autoridades norte-americanas com base no perfil específico dos passageiros transportados", afirmou o Itamaraty, ao ser questionado sobre as condições estabelecidas aos EUA para autorizar o aumento das frequências aéreas.
Depois de um fluxo de migrantes reduzido em 2020 devido à pandemia da Covid-19, a quantidade de brasileiros tentando entrar de forma ilegal nos EUA explodiu neste ano.
Segundo dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), foram mais de 47 mil apreensões entre outubro de 2020 e setembro de 2021. De acordo com Godoy, da Polícia Federal, só em agosto 9.000 pessoas acabaram presas na travessia do México para os EUA.
O coordenador-geral de Cooperação Internacional da PF afirma ainda que cerca de 70% das pessoas são de Minas Gerais, estado que tem histórico de migração irregular para os EUA, principalmente da região de Governador Valadares. No entanto, as autoridades brasileiras têm observado que a prática tem aumentado também entre brasileiros residentes em outros estados, como Espírito Santo e Rondônia.
Era deste estado que havia saído Lenilda dos Santos, brasileira que, no começo do mês, foi encontrada morta em um deserto na fronteira —ela foi abandonada pelo coiote que a levaria aos EUA.
Outro fator que pesa para o aumento dos voos é o longo tempo que os migrantes precisam aguardar para serem enviados de volta ao Brasil. Em alguns casos, o tempo de espera chega a seis meses. As aeronaves usadas têm capacidade para aproximadamente 150 passageiros.
O Itamaraty afirmou que o principal objetivo do acréscimo dos voos de deportação é diminuir o tempo de permanência de brasileiros nos centros de detenção nos EUA, em especial em meio à pandemia da Covid.
O fretamento de aviões para deportar migrantes em situação irregular é uma prática antiga, mas que até o governo Donald Trump vinha sendo pouco aplicada a brasileiros. Biden manteve a política do antecessor.
Godoy ressalta que os brasileiros costumam gastar entre US$ 20 mil e US$ 25 mil na esperança de viver o "sonho dourado" de entrar nos EUA. Porém, diz ele, não imaginam os problemas que podem enfrentar.
"A trajetória é extremamente penosa. Ficam submetidos a tráficos de pessoas, filhos são sequestrados, eles são muitas vezes submetidos a condições desumanas, têm de dormir no deserto", afirmou. "Tivemos casos de brasileiros picados por serpentes, outros que desapareceram e não se tem notícia até hoje."
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