França convoca embaixadores nos EUA e na Austrália em reação a crise dos submarinos

Governo francês, que definiu situação como 'punhalada nas costas', volta a responder a cancelamento de contrato

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Paris | Reuters

Em mais um desdobramento da crise aberta após os EUA e o Reino Unido anunciarem uma parceria para fornecer submarinos com propulsores nucleares à Austrália, substituindo a França no negócio, o governo francês decidiu nesta sexta (17) chamar os embaixadores em Washington e em Canberra para consultas.

No jargão diplomático, o movimento significa forte insatisfação com o país que abriga os diplomatas.

Em um comunicado, o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, informou que a decisão tomada pelo presidente Emmanuel Macron, que ele classificou de "rara", espelha a gravidade da situação. Segundo ele, ela reflete um "comportamento inaceitável entre aliados".

O chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, durante evento em Madri
O chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, durante evento em Madri - Susana Vera - 9.jul.21/Reuters

Um dia antes, na quinta, o ministro das Relações Exteriores, em entrevista à rádio France Info, já havia chamado o movimento americano e britânico de "punhalada nas costas". Sobrou também para Joe Biden, que foi comparado a seu antecessor, Donald Trump. “O que me preocupa é o comportamento americano. Essa decisão unilateral, brutal, imprevisível se parece muito com o que fazia Trump.”

À agência de notícias Reuters um diplomata francês, sob condição de anonimato, afirmou que a convocação dos embaixadores é sem precedentes. A fonte disse ainda que os britânicos agiram de maneira oportunista na negociação e que não é preciso convocar o embaixador do país em Londres para saber o que pensar e que conclusões tirar do que aconteceu.

A França não mencionou o Reino Unido em nenhuma comunicação oficial sobre a situação, concentrando sua ira sobre a Austrália e, particularmente, sobre os Estados Unidos.

Mais cedo nesta sexta, o premiê australiano, Scott Morrison, rejeitou as críticas de que teria traído a França, dizendo ter levantado a possibilidade de mudar a negociação em conversas com Macron, em junho. O primeiro-ministro reconheceu os danos provocados na relação entre os dois países, mas voltou a afirmar que o presidente francês estava ciente de que a Austrália poderia rever sua posição.

"Eu fui claro, em um longo jantar em Paris, sobre as nossas preocupações quanto à capacidade de submarinos convencionais para lidar com o novo ambiente estratégico em que estamos", disse Morrison.

Já na manhã de sábado (18) pelo horário local, noite de sexta no Brasil, um porta-voz da chancelaria lamentou a decisão francesa de convocar o embaixador.

Os EUA já haviam feito o mesmo, dizendo que se esforçarão nos próximos dias para resolver as diferenças, segundo informou a Casa Branca. Um comunicado do Departamento de Estado voltou a chamar a França de aliado vital.

Na divulgação realizada na quarta, Biden havia mencionado o país europeu como “parceiro e aliado chave” na região, mas Le Drian diz que o anúncio é uma traição, após meses de conversa sobre atuação conjunta. Autoridades francesas relataram a agências internacionais terem descoberto o novo acordo pela imprensa.

Furiosos, os franceses cancelaram um evento de gala que comemoraria nesta sexta a ajuda da marinha do país na batalha de 1781 pela independência americana. O principal oficial naval da França, que havia viajado a Washington para a festividade, antecipou sua volta a Paris.

A nova parceria com os EUA e o Reino Unido significa o cancelamento de um contrato assinado pela Austrália com a França em 2016, que envolveria cifras superiores a US$ 40 bilhões, segundo a mídia do país. Mas é principalmente um golpe para as ambições francesas de fortalecer sua presença na região do Indo-Pacífico, palco de disputas territoriais —entre outras— envolvendo a China.

O país asiático, aliás, foi outro a criticar a parceria. Inicialmente, comunicado da embaixada em Washington citou a "mentalidade de Guerra Fria" dela; na quinta, um porta-voz da chancelaria afirmou que o anúncio põe em risco a paz e a estabilidade na região, intensificando uma corrida armamentista.

A Marinha da França é a única, entre as dos países da União Europeia (UE), com presença relevante na região do Indo-Pacífico, onde ficam seus territórios ultramarinos da Nova Caledônia e da Polinésia Francesa, com 2 milhões de cidadãos franceses.

O episódio agrava tensões na relação entre europeus e americanos, tendência que já vinha desde a administração Trump e que, sob Biden, ganhou camadas em meio à desastrada operação para a retirada das tropas ocidentais do Afeganistão, completada no mês passado.

À decisão unilateral do americano de cumprir o compromisso firmado pelo antecessor de deixar o país da Ásia Central, sobrevieram a grita de políticos britânicos por causa das cenas de caos em Cabul e a batida de pé de Biden em relação ao prazo para a retirada —com líderes do G7, que pleiteavam estender a data final, se vendo forçados a aquiescer em uma reunião.

Depois das declarações europeias nesta quinta, autoridades americanas e australianas tentaram colocar panos quentes na situação. Em Washington, o secretário de Estado Anthony Blinken, responsável pela diplomacia dos EUA, chamou a França de um aliado vital, não só no Indo-Pacífico.

Na semana que vem, os Estados Unidos vão presidir pela primeira vez um encontro presencial de chefes de Estado do Quad, grupo que também inclui Japão, Índia e Austrália e procura cercar estrategicamente a China e suas saídas para o mar.

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