Holanda eleva segurança de premiê contra suposta ameaça da Mocro Máfia

Grupo de narcotraficantes é suspeito de planejar sequestro ou atentado; Bélgica e Holanda são porta de entrada de cocaína na Europa, diz polícia

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Amsterdã

Uma ameaça contra o premiê da Holanda, Mark Rutte, 54, fez uma rede de quadrilhas narcotraficantes voltar ao topo das preocupações dos agentes de segurança no país.

Conhecida como Mocro Máfia e formada por famílias criminosas de origem principalmente marroquina, a rede criminosa atua a partir da Holanda e da Bélgica e está se tornando cada vez mais poderosa e violenta na Europa, segundo relatório divulgado pela Europol no dia 7.

Rutte, que costuma dispensar guarda-costas e pedalar diariamente até seu escritório em Haia, está sendo acompanhado desde esta segunda (27) pelo Serviço de Proteção Real e Diplomática, uma tropa de elite, depois que a polícia suspeitou que ele estivesse sendo seguido por “observadores” —criminosos que coletam informações para preparar um ataque ou sequestro.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, observa durante uma suspensão no segundo dia das Reflexões Políticas Gerais
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, brinca com fotógrafo no Parlamento, em Haia - Sem van der Wal - 23.set.21/ANP/AFP

Por segurança, o Ministério Público Nacional, responsável pela investigação, não fala sobre o caso nem sobre a segurança do primeiro-ministro, mas as informações foram confirmadas por membros do governo a vários veículos da mídia holandesa.

Dois episódios recentes dão força às preocupações de segurança. Em julho, o repórter investigativo holandês Peter de Vries foi morto após receber vários tiros quando saía da emissora de TV RTL Nederland.

A polícia suspeita que o crime tenha sido ordenado pelo chefe do grupo mais poderoso da Mocro Máfia, o marroquino-holandês Ridouan Taghi, em razão da proximidade de De Vries com a principal testemunha da Justiça da Holanda em relação às quadrilhas, o ex-matador Nabil Bakkali, que se transformou em delator. Em 2019, a Mocro Máfia assassinou o advogado de Bakkali.

Além disso, há uma semana, foi retomado na Holanda um julgamento de 17 traficantes, o que fez departamentos de segurança elevarem a proteção a promotores, juízes, jornalistas e advogados.

O termo Mocro Mafia faz alusão à origem de seus chefes, o Marrocos, cujos imigrantes são chamados por alguns holandeses de “mocro”. O nome ganhou projeção em 2013, ao ser usado pelo jornalista Marijn Schrijver num livro sobre as guerras das famílias, e hoje é também título de uma série de TV.

Os grupos atuavam principalmente com tráfico de haxixe vindo do Marrocos, mas se expandiram ao entrar no mercado de cocaína, nos anos 1990. Conexões com os cartéis colombianos resultaram em grande entrada da droga pelos portos de Antuérpia, Roterdã e Hamburgo, com a conivência de servidores e policiais, segundo a Europol.

Nos últimos anos, essa rota ganhou importância. “O epicentro do mercado de cocaína na Europa mudou para o norte”, superando a rota espanhola, afirma o relatório recente da Europol, feito em conjunto com o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC).

Antuérpia se transformou na principal porta de entrada da droga para a Holanda, de onde as quadrilhas a repassam para o resto da Europa, de acordo com o documento, que aponta para um papel dominante da Mocro Máfia, além de quadrilhas albanesas.

Os grupos, segundo a Europol, estabeleceram vínculos diretos com fornecedores colombianos. Ridouan Taghi, que por anos foi o criminoso mais procurado da Holanda, foi preso em Dubai e aguarda julgamento. Seu braço direito foi detido na Colômbia. Disputas pelo comércio de haxixe já provocavam acertos de conta entre quadrilhas rivais, mas a entrada da cocaína, mais lucrativa, gerou guerras ainda mais sangrentas neste século, segundo apuração de Marijn Schrijver.

Um dos estopins recentes, que deu origem à chamada "Mocro Guerra", foi o desvio de 200 quilos de cocaína no porto de Antuérpia, em 2012.

A droga vinha da Colômbia sob encomenda da gangue Fayrouz Lounge, mas foi furtada por uma quadrilha de origem marroquina que atua na Bélgica, As Tartarugas, com ajuda de outro ramo da Mocro Máfia.

Seguiram-se mais de cem assassinatos, de criminosos e inocentes, incluindo rajadas de fuzis Kalashnikov em salões de chicha —locais em que se fuma em equipamentos árabes também conhecidos como narguile— e cabeças decapitadas expostas em via pública.

Segundo o procurador-geral da Bélgica, Frederic Van Leeuw, um modelo ultraviolento, inspirado nas guerras de traficantes latino-americanos, ganhou espaço na Holanda e já se espalha pela Bélgica.

No ano passado, por exemplo, quatro bombas explodiram em Antuérpia, o prefeito foi ameaçado de morte e a polícia da região descobriu uma câmara de tortura em um vilarejo a cerca de 50 quilômetros da cidade.

De acordo com os agentes belgas, o local tinha seis contêineres improvisados como celas. O sétimo tinha uma cadeira de dentista com fivelas para prender braços e pernas e vários equipamentos ligados a tortura: tesouras, serras, bisturis, alicates, fitas, balaclavas e capuzes pretos.

Van Leeuw compara a violência das gangues ao terrorismo. “Em Antuérpia, temos ataques de granada todas as semanas, fachadas crivadas de balas, mas isso não faz o mundo político reagir. Se a pessoa gritasse ‘Allahu akbar!’ [Alá é o maior, em árabe], não seria a mesma coisa”, disse ele em entrevista ao jornal francês Le Monde.

Uma prisão subterrânea e uma sala de tortura também foram encontradas na Holanda em junho do ano passado, construída por um dos principais rivais de Ridouan Taghi, o holandês Robin van O. Segundo a polícia, as quadrilhas usavam os locais para extrair informações de criminosos concorrentes.

A polícia holandesa teve dificuldade para investigar os grupos criminosos em razão da lei do silêncio imposta nas quadrilhas. O governo chega a oferecer milhares de dólares por pistas dos traficantes, com poucos resultados. Mesmo membros da Mocro Máfia presos preferem ir à prisão a delatar seus colegas.

As pontas dos novelos começaram a ser encontradas em mensagens criptografadas enviadas pelos traficantes, muitas delas escritas em uma língua berbere desconhecida. Foram necessários dois anos para ligar os apelidos aos personagens e desmantelar algumas redes, mas a Mocro Máfia se reorganizou.

Pedestres passam por 'cafeterias' de maconha, no centro de Amsterdã
Pedestres passam por 'cafeterias' de maconha, no centro de Amsterdã - Evert Elzinga - 8.jan.21/ANP/AFP

Neste ano, uma megaoperação foi desencadeada depois que os investigadores conseguiram entrar no servidor do serviço canadense SKY ECC. Celulares com o aplicativo, sem microfone nem GPS, eram usados pelos traficantes para escapar da vigilância da polícia.

Dos pouco mais de 171 mil aparelhos SKY ECC distribuídos no mundo, 25% estavam registrados na Holanda e na Bélgica, metade dos quais operando em Antuérpia.

A polícia belga teve acesso a conversas entre traficantes e funcionários públicos subornados, imagens de tortura e ordens de assassinato, além de extratos e dados sobre as formas de atuação das gangues.

“As imagens são piores do que as que vi em algumas séries de TV. Acerto de contas, assassinatos por encomenda, fotos de vítimas, mensagens que dizem 'se não encontrarmos um alvo, atacamos a família'. É uma violência absolutamente incrível”, relatou em março o promotor federal Frederic Van Leeuw.

Apesar de ter obtido acesso a contas bancárias, contatos corruptos e nomes dos criminosos, o promotor diz acreditar que a Mocro Máfia não vai demorar para encontrar uma forma alternativa de comunicação.

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