Memorial em Washington evidencia número de mortos pela Covid nos EUA

Milhares de bandeiras brancas foram fincadas no National Mall para homenagear as mais de 670 mil vítimas da doença no país

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Visitantes em meio a bandeiras brancas que representam vítimas da Covid nos EUA, instaladas no National Mall, em Washington

Visitantes em meio a bandeiras brancas que representam vítimas da Covid nos EUA, instaladas no National Mall, em Washington Kenny Holston/The New York Times

Chris Cameron
Washington | The New York Times

Olhando para o oceano de bandeiras brancas que cobrem o National Mall, em Washington (EUA), a médica Laura Valleni relembrou as dezenas de grávidas que contraíram o coronavírus no hospital onde ela trabalha, na Carolina do Sul.

Segundo ela, bebês nasceram prematuros, mães morreram e, nos últimos meses, uma enxurrada de bebês sobrecarregou a unidade pediátrica do hospital.

"Ando tentando entender desde quando começou a ser visto como normal que uma pessoa morra de uma doença evitável”, disse Valloni, pediatra neonatologista no Prisma Health Children’s Hospital-Midlands, em Columbia. “A tristeza é imensa.”

Valleni foi uma das muitas pessoas que na manhã da sexta (17) compareceram à inauguração de “In America: Remember”, instalação artística composta de centenas de milhares de bandeiras fincadas ao longo do National Mall para homenagear as mais de 670 mil pessoas mortas pelo coronavírus nos EUA.

Bandeiras brancas, parte da instalação de arte 'In America: Remember', cobrem 20 acres do National Mall, em Washington
Bandeiras brancas, parte da instalação de arte 'In America: Remember', cobrem 20 acres do National Mall, em Washington - Kenny Holston/The New York Times

A secretária do Interior, Deb Haaland, e a prefeita de Washington, Muriel Bowser, compareceram à inauguração. Visitantes percorreram as fileiras de bandeiras brancas que cobrem oito hectares do parque federal ao lado da Casa Branca, do Monumento de Washington, do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana e do Memorial da Segunda Guerra Mundial.

Angelica Rivera, telefonista em um centro de saúde em Nova Jersey, dedicou uma bandeira a uma colega, Karla Pope, enfermeira que morreu após ser infectada pelo vírus em janeiro. “Amo você!”, escreveu ela. “Obrigada por tudo que você fez por nós. Minha mãe eterna no trabalho.”

“Nosso centro de saúde foi um dos primeiros em Nova Jersey a receber a vacina, e Karla aplicava as injeções. Pouco tempo depois, ela adoeceu”, contou Rivera. “Ela pegou Covid e morreu. Seu marido também morreu. Os filhos deles ficaram sem mãe nem pai.”

Outros nomes e mensagens foram escritos sobre bandeiras em memória a pessoas queridas: Marshall Ciccone, marido devoto; Bruce Allen Hutcheson, profissional médico herói; e Betty Fox, cuja filha morre de saudades dela.

A artista responsável pela instalação, Suzanne Brennan Firstenberg, fincou 267 mil bandeiras em Washington no outono do ano passado para conscientizar as pessoas do número de mortos pelo coronavírus no país na época.

Hoje, quase um ano depois, esse número mais do que dobrou. Mais de 13 mil americanos morreram de Covid apenas na semana passada —número mais de quatro vezes superior ao de mortos no 11 de Setembro.

Colunas iluminadas representando as vítimas de Covid-19 ao longo do Lincoln Memorial, no National Mall, em Washington, em janeiro deste ano
Colunas iluminadas representando as vítimas de Covid-19 ao longo do Lincoln Memorial, no National Mall, em Washington, em janeiro deste ano - The New York Times

Observando uma chuvarada caindo sobre a instalação minutos antes da cerimônia de inauguração, Firstenberg disse que as bandeiras ajudam as pessoas a visualizar com clareza o número de pessoas que morreram vítimas do vírus. “Se não manifestarmos isso fisicamente, as pessoas não vão entender”, explicou. “Isso me deixa de coração partido. Às vezes eu não consigo continuar. É difícil demais.”

Pessoas que foram ao memorial descreveram uma exaustão semelhante provocada por suas próprias experiências com a pandemia. Linda Whittaker, psicoterapeuta que vem tratando muitos pacientes que choram a morte de vítimas do coronavírus, comentou que é obrigada a se entorpecer para se proteger.

“É uma coisa esmagadora”, disse, em voz baixa. “Muitos colegas da minha área estão sentindo a mesma coisa. O sentimento de tristeza, de dor, é tão avassalador. As pessoas sentem impotência, desespero.”

Mas, segundo ela, o memorial lhe ofereceu um espaço para chorar os mortos.

Lonnie G. Bunch III, secretário do Instituto Smithsonian, fez um breve discurso na cerimônia de abertura. Ele comparou a instalação à Aids Memorial Quilt, outra obra de arte colaborativa. Ela foi exposta no National Mall várias vezes durante o auge da epidemia de Aids.

Valleni, neonatologista, recordou que contribuiu com um retalho para a colcha memorial quando esta foi exposta no National Mall, na década de 1990. “Nosso país demorou muito a tomar conhecimento do que estava acontecendo e depois a abraçar as pessoas com HIV e cuidar delas”, comentou.

“A situação atual me faz lembrar muito do que aconteceu naquela época.”

Tradução de Clara Allain

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