Descrição de chapéu talibã Ásia

Talibã anuncia formação de governo interino em meio a manifestações no Afeganistão

Grupo indica Sarajuddin Haqqani, chefe de grupo considerado terrorista pelos EUA, para ser ministro do Interior

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Cabul e Doha | Reuters e AFP

O Talibã anunciou nesta terça-feira (7) a nomeação do mulá Hassan Akhund, um dos fundadores do grupo radical islâmico, como chefe do novo governo interino do Afeganistão. Abdul Ghani Baradar, que se tornou a face pública da facção ao chefiar a delegação que negociou o acordo com os americanos em Doha, em 2020, foi indicado como o número 2 do regime.

As informações foram dadas em uma entrevista coletiva pelo porta-voz Zabihullah Mujahid. A decisão de escolher Akhund para ser o comandante do arranjo interino foi uma surpresa, já que Baradar era o principal nome do Talibã ao menos desde 2001, quando o grupo foi tirado do poder pela ofensiva ocidental liderada pelo EUA na esteira da reação aos ataques terroristas do 11 de Setembro.

Ele agora será o líder-adjunto do conselho de ministros. Na prática, terá o cargo de vice-primeiro-ministro, abaixo apenas de Akhund, que foi chanceler e vice-premiê durante o primeiro período do Talibã no poder, entre 1996 e 2001.

Sarajuddin Haqqani, filho do fundador da rede Haqqani, considerada uma organização terrorista pelos EUA, será o ministro do Interior. Recluso, ele é um dos homens mais procurados pelo FBI devido ao envolvimento em ataques suicidas e aos elos com a Al Qaeda, responsável pelos atentados do 11 de Setembro. Por isso, Washington estabeleceu uma recompensa de US$ 10 milhões sobre a sua cabeça.

Afegã segura cartaz com desenho de mulher com vestimentas tradicionais representando a Justiça, durante protesto contra o Paquistão em Cabul
Afegã segura cartaz com desenho de mulher com vestimentas tradicionais representando a Justiça, durante protesto contra o Paquistão em Cabul - 7.set.21/West Asia News Agency via Reuters

Desde a tomada do poder pelo Talibã, em 15 de agosto, a rede que Haqqani comanda já havia sido escolhida para cuidar da segurança de Cabul. Os soldados uniformizados e equipados com material dos EUA vistos na cidade —com um aspecto profissional que os distanciam dos homens com vestimentas tradicionais e chinelos associados ao antigo Talibã— são de sua unidade de elite, a Badri-313.

Por fim, Mohammad Yaqoob, filho do mulá Omar, o fundador do Talibã, foi apontado como ministro da Defesa. De acordo com o porta-voz do grupo, todas as nomeações são de um governo interino.

Ainda não está claro que papel terá o mulá Hibatullah Akhundzada, atual líder da facção. Esperava-se que ele fosse nomeado líder supremo, com palavra final sobre quaisquer aspectos da vida no país, mas na prática uma figura mais simbólica; algo semelhante ao posto exercido pelo xiita Ali Khamenei no Irã.

Raramente visto em público —só existe uma fotografia conhecida dele—, Akhundzada emitiu um comunicado nesta terça, em que parabenizou o Afeganistão pela "libertação do jugo estrangeiro" e pediu que o novo regime respeite a sharia. Ele ressaltou que o Talibã está comprometido com acordos internacionais que não conflitem com a lei islâmica.

A interpretação que o grupo radical faz do documento justificou atos bárbaros do primeiro período em que governou o país, entre os quais o apedrejamento de mulheres consideradas adúlteras.

As indicações de nomes da linha dura do movimento islâmico descartam quaisquer concessões aos protestos que eclodiram em Cabul nos últimos dias pedindo a conservação de direitos civis conquistados nos 20 anos em que o Talibã esteve fora do poder, principalmente por mulheres.

Havia também a expectativa de que os extremistas atendessem à demanda da comunidade internacional de incluir pessoas que não pertencem ao Talibã na formação do governo. A medida estaria em linha com o discurso de moderação que os radicais tentaram emplacar, dizendo a locais e países estrangeiros que não restaurarão a brutalidade da primeira vez em que governaram o Afeganistão, quando havia as punições violentas já mencionadas e a exclusão de mulheres e meninas da vida pública.

A formação do governo interino ocorre em meio a novos atos em diferentes partes do país. Nesta terça, homens armados atiraram para o alto para dispersar manifestantes na capital. Vídeos publicados nas redes sociais mostram dezenas de pessoas correndo para se afastar dos disparos. Não há registros de feridos até o momento.

Com gritos de "viva a resistência" e “morte ao Paquistão", centenas de homens e mulheres marcharam nas ruas de Cabul para protestar contra o Talibã e o que eles chamam de interferência nos assuntos domésticos pelo Paquistão. "O governo islâmico está atirando em nosso povo pobre", disse uma mulher, em vídeo transmitido por uma emissora de TV iraniana. "Essas pessoas [os talibãs] são muito injustas e não são humanas."

Mujahid, o principal porta-voz do Talibã, negou qualquer vínculo do governo afegão com o Paquistão e classificou as acusações de interferência de propaganda —ainda que o chefe do serviço de inteligência militar do país vizinho, Faiz Hameed, tenha sido visto durante o fim de semana em Cabul.

Em outras cidades do país, como Mazar-i-Sharif e Herat, duas pessoas foram mortas e outras oito ficaram feridas a tiros, também durante manifestações, de acordo com o relato de um médico local à agência de notícias AFP. Ele falou sob condição de anonimato, por medo de represálias.

Um porta-voz do Departamento de Estado americano disse estar preocupado com a escolha dos membros do governo interino do Talibã.

"Notamos que a lista anunciada consiste exclusivamente em pessoas que são membros do Talibã e seus aliados, sem mulheres", afirmou. "Também preocupam as afiliações e os históricos de alguns deles".

A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse a repórteres no Air Force One, o avião presidencial dos EUA, durante um voo de Joe Biden para Nova York, que não haverá reconhecimento em breve do governo talibã por parte dos americanos.

Já o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, responsável pela diplomacia, afirmou que a Casa Branca está em contato com cerca de cem americanos que permaneceram no país da Ásia Central e que trabalha para garantir que os voos possam partir com segurança.

Nas semanas anteriores à saída das últimas tropas dos EUA de Cabul, as forças estrangeiras lideradas pelos EUA retiraram do país cerca de 124 mil estrangeiros e afegãos em risco, mas dezenas de milhares que temem a retaliação do Talibã foram deixados para trás.

Na segunda (6), quatro cidadãos americanos foram retirados do país por meio de uma rota terrestre, na primeira evacuação organizada por Washington desde o fim da ocupação militar.

A repórteres durante uma visita a Doha, capital do Qatar, Blinken disse que autoridades do Talibã comunicaram aos EUA que permitiriam que pessoas com documentos de viagem partissem livremente.

Na mesma entrevista coletiva, o ministro das Relações Exteriores do Qatar, o xeque Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, disse esperar que o aeroporto de Cabul volte a operar normalmente nos próximos dias, ainda que, até o momento, não exista um acordo sobre como o terminal aéreo será administrado.

Para a Turquia, a segurança do aeroporto era o principal problema nas negociações com o Talibã.

Nos últimos dias, o grupo extremista reivindicou vitória na última região que ainda se opõe à facção, declarando que a captura do vale de Panjshir completou a conquista do país. Fotos nas redes sociais mostraram talibãs em frente ao portão do complexo do governo regional após dias de luta contra a Frente Nacional de Resistência, comandada por Ahmad Massoud, que não admitiu a derrota.

Segundo ele, sua força, formada por remanescentes do Exército afegão e milicianos locais, ainda estava lutando. "Estamos em Panjshir, e nossa resistência vai continuar", afirmou ele numa rede social, dizendo-se em segurança, mas sem dar detalhes de seu paradeiro.

Mujahid, porta-voz do Talibã, disse ter recebido informações de que Massoud e o ex-vice-presidente Amrullah Saleh, outro dos líderes da resistência, haviam fugido para o vizinho Tadjiquistão. A informação não pôde ser verificada.

O conflito no Afeganistão, junto com a seca e a pandemia de coronavírus, deixaram 18 milhões de pessoas necessitando de ajuda humanitária, de acordo com a Cruz Vermelha.

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