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Nas Filipinas, Duterte busca se manter no poder para evitar a Justiça

Criticado internacionalmente, mas com aprovação alta, presidente populista vai concorrer a vice

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São Paulo

Conhecido por levar às últimas consequências a política "bandido bom é bandido morto", o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, 76, deve concorrer à Vice-Presidência nas eleições do ano que vem, em um movimento que tem sido visto tanto como uma tentativa de se manter no poder além do que a lei permite quanto de evitar encarar investigações por violações de direitos humanos.

A avaliação é de analistas filipinos ouvidos pela Folha, mas o próprio mandatário não faz questão de esconder suas intenções. "A lei diz que, se você é vice-presidente, tem imunidade. Então vou apenas me candidatar a vice-presidente", afirmou Duterte em convenção de seu partido, em julho. A Constituição não permite reeleição à Presidência.

Ainda que haja um debate sobre se o vice tem as mesmas prerrogativas jurídicas do presidente, observadores e adversários políticos dizem que a intenção real é fugir das investigações sobre esquadrões da morte que executam sumariamente traficantes e usuários de substâncias ilícitas.

O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, em discurso na Câmara dos Representantes - Jam Sta Rosa/AFP

Em sua política de guerra às drogas, mais de 8.000 pessoas já foram mortas, segundo números oficiais —projeções de organizações de direitos humanos apontam que o número de pessoas assassinadas passa de 25 mil.

O nome do presidente aparece ainda em investigações sobre um esquadrão da morte que atua desde os anos 1990 em Davao, cidade da qual ele foi prefeito e que hoje é governada por uma de suas filhas, Sara.

Ao longo do governo Duterte, o número de pessoas presas bateu recordes históricos. A cifra oficial de homicídios também explodiu no primeiro ano do mandato, depois de o presidente assumir incentivando ações policiais duras contra usuários e traficantes, mas voltou a cair nos anos seguintes.

Com uma Suprema Corte que em geral dá decisões favoráveis ao governo, o presidente pode enfrentar problemas mais sérios que julgamentos locais, já que sua política de guerra às drogas é investigada pelo Tribunal Penal Internacional. A legitimidade dessa investigação, no entanto, é questionada por Duterte, já que ele retirou as Filipinas da lista de países que integram a corte.

Outro problema para o presidente é a gestão da pandemia, especialmente depois de o impacto da variante delta levar a uma explosão no número de casos e de mortes por Covid. Apenas 11% da população foi completamente imunizada, e 6% estão parcialmente vacinados. No Brasil, esses números são de 34% e 32%, respectivamente.

Ainda que Duterte seja amplamente criticado pela comunidade internacional, isso não afeta sua popularidade interna. Ele chegou a ser bem avaliado por 91% da população do país segundo o Pulse Asia, importante instituto de pesquisa local.

Professora de ciência política da Universidade das Filipinas, Jean Encinas-Franco afirma que a aprovação do presidente é alta "apesar da guerra às drogas e das trapalhadas na resposta à pandemia" porque Duterte se apresenta "como um sujeito normal, o pai da nação que protege as famílias dos traficantes de drogas e dos viciados".

"São projeções poderosas, que ressoam em um amplo segmento. O vício em drogas é altamente estigmatizado entre os filipinos, e a guerra às drogas de Duterte, apesar dos relatos de assassinatos extrajudiciais, deixa a população mais tranquila", diz.

Cleve Arguelles, filipino que pesquisa o populismo e a política do Sudeste Asiático, afirma que o discurso antidrogas colou tanto que mesmo pré-candidatos moderados incluíram em suas propostas uma postura rígida em relação ao tema —ainda que com menos violência.

"Apesar de minar a democracia e os direitos humanos, Duterte permanece popular. Ele se apoia no mote de 'ordem acima da lei' desde que venceu as eleições em 2016. Muitos estão convencidos de que cumpriu bem sua promessa de campanha de tornar as ruas mais seguras."

Para Encinas-Franco, "a decisão recente de concorrer à Vice-Presidência é um dos desafios mais duros aos ganhos que a democracia teve desde a deposição de [Ferdinando] Marcos", diz, referindo-se ao ditador que ocupou o poder entre 1965 e 1986.

O filho de Marcos, aliás, o ex-senador Ferdinand "Bongbong" Marcos Jr., deve disputar a eleição para presidente em 2022 —ele concorreu a vice no último pleito e perdeu por menos de 1 ponto percentual.

Sara Duterte, filha do atual presidente, também é cotada, o que estenderia a dinastia da família no governo do país. Até aqui, porém, ela tem dito que não pretende concorrer. "Eu quero ver a continuidade dos meus esforços. Mesmo que não seja eu dando a direção, talvez eu possa só ajudar", disse o mandatário na última semana.

A disputa a vice-presidente no país se dá de forma independente do pleito para presidente. Ou seja, a população escolhe o ocupante de cada posto, não a chapa, o que permite que os dois eleitos sejam inclusive de grupos rivais.

Alçado à Presidência em 2016 como um outsider desbocado com um forte discurso sobre segurança pública, à semelhança do brasileiro Jair Bolsonaro, Duterte cumpre a "cartela de bingo" dos políticos populistas com características fascistas do século 21, na avaliação do historiador Federico Finchelstein, professor da New School for Social Research.

O filipino ancora o discurso político no racismo e na xenofobia; usa a violência como ferramenta política e militariza o governo; tem a mentira como ferramenta central e defende a ditadura. "Em Duterte, tudo é mais explícito. Sua admiração ao fascismo, o elogio à violência, a mentira. Tudo isso causa danos a longo prazo à democracia", diz.

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