Talibã bane protestos e permite saída de estrangeiros do Afeganistão

Grupo extremista que voltou ao poder segue com repressão interna e acenos para o exterior

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São Paulo

Em mais um dia de morde e assopra desde que reassumiu o poder no Afeganistão, o Talibã concordou em liberar a saída de estrangeiros em voos fretados partindo de Cabul. Ao mesmo tempo, colocou em prática seu primeiro decreto, banindo manifestações no território.

Há ainda cerca de 200 americanos e outros estrangeiros querendo deixar o país, que ficaram para trás durante a caótica retirada final comandada por Washington, de 14 a 30 de agosto.​

Os jornalistas Neamat Naghdi, 28, e Taqi Daryabi, 22, do site Etilaat Roz, mostram ferimentos após terem apanhado do Talibã em Cabul
Os jornalistas Neamat Naghdi, 28, e Taqi Daryabi, 22, do site Etilaat Roz, mostram ferimentos após terem apanhado do Talibã em Cabul - West Asia News Agency via Reuters

A operação resgatou cerca de 124 mil pessoas, a maioria composta de afegãos que trabalharam para forças ocidentais nos 20 anos de ocupação do país asiático.

Os novos voos, que começaram já nesta quinta (9), são os primeiros para fora do país após o aeroporto ter sido reparado por uma força-tarefa do Qatar. A última decolagem internacional havia sido a de um C-17 americano, com os últimos militares e diplomatas a deixar o Afeganistão, no dia 30.

A nova retirada foi negociada, segundo agências de notícias, pelo antigo enviado americano ao Afeganistão, Zalmay Khalilzad. Agora, apesar da promessa do Talibã de liberar quem quiser sair, não se ouviu uma palavra sobre civis locais, o que condiz com a repressão gradual que os fundamentalistas, expulsos do poder por terem abrigado a rede Al Qaeda durante a preparação e execução dos ataques de 11 de setembro de 2001, têm implementado no país.

Inicialmente, visando ganhar confiança de potenciais doadores internacionais, os talibãs adotaram um tom ameno, dizendo que não repetiriam as trevas que impuseram de 1996 a 2001 no Afeganistão.

Mulheres, desta vez, teriam papel ativo na vida pública, desde que em conformidade com a lei islâmica. Como a leitura literal da sharia as relega a papéis domésticos e submissos, como ocorreu na primeira gestão talibã, a desconfiança ficou no ar.

Assim, desde a quinta passada (2), mulheres tomaram corajosamente as ruas em algumas cidades maiores do país, notadamente a capital, Cabul. Houve atos maiores, com centenas de pessoas, e menores.

Após uma surpreendente permissão inicial, veio aos poucos a repressão. Na quarta (8), mulheres e jornalistas foram chicoteados por talibãs. O Ministério do Interior editou seu primeiro decreto desde a terça (7), quando o novo governo afegão foi instalado oficialmente.

Comandada pelo terrorista internacional Sirajuddin Haqqani, a pasta proibiu novas manifestações no país que não sejam autorizadas —e no momento "nenhuma está". Slogans contrários ao emirado, como o país agora é chamado por seus novos-velhos comandantes, estão proibidos.

Jornalistas afegãos contaram em redes sociais que vários atos pequenos foram dispersados em Cabul, mas sem a violência registrada na véspera —em Herat, duas pessoas morreram baleadas na confusão após os talibãs suspenderem um protesto.

Segundo o relato do fotógrafo Nematullah Nadqi, que trabalhava cobrindo um ato feminino em Cabul na quarta para o site Etilaat Roz (informação diária), os talibãs prenderam todos que filmavam o protesto com telefones celulares. Ele e seu colega Tari Daryabi foram espancados, dando a medida da liberdade de imprensa sob preceitos islâmicos preconizada pelo Talibã em suas suaves primeiras entrevistas no poder.

Toda essa dinâmica do grupo tem a ver com a necessidade de tentar se mostrar aceitável para a comunidade internacional. Quando era líder de uma insurgência, o Talibã precisava de US$ 300 milhões a US$ 1,5 bilhão anuais para manter seus 60 mil soldados e 140 mil aliados.

Agora, comanda uma nação miserável com 37 milhões de pessoas, que tem seus US$ 9,4 bilhões em reservas externas congeladas e ajuda internacional toda bloqueada. O inverno se aproxima, cerca de um terço do país passa fome e um surto inflacionário tomou as grandes cidades.

Numa era de comunicação instantânea, contudo, o DNA do grupo é explicitado todos os dias. Nos anos 1990, o virtual fechamento do país e o desinteresse acerca dele no exterior garantiram o regime aberrante talibã, que só caiu por sua gentileza com o aliado Osama bin Laden.

Assim, mesmo a China, que apoiou a tomada do poder em troca do fim da ligação talibã com terroristas islâmicos em seu território, agora exige moderação do grupo. O Ocidente vai na mesma linha, contando com a pressão do dinheiro. Nada garante, porém, que isso dará certo, e só um renovado comprometimento internacional com a situação interna do país evita a volta total ao obscurantismo —ou não.

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