Descrição de chapéu África

Militares afirmam ter prendido presidente em tentativa de golpe na Guiné

Após tiroteios, rebeldes impõem toque de recolher; governo diz que motim foi contido

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Conacri (Guiné) e Dacar (Senegal) | AFP e Reuters

Uma tentativa de golpe de Estado contra o governo da Guiné provocou tiroteios perto do palácio presidencial, na capital, Conacri, neste domingo (5). Em um pronunciamento na TV estatal, soldados por trás do motim disseram ter tomado o poder e revogado a Constituição do país africano.

"Decidimos suprimir a Constituição em vigor, dissolver as instituições e também o governo, assim como fechar fronteiras terrestres e aéreas", disse Mamady Doumbouya, comandante de um grupo de elite do Exército, em transmissão que interrompeu a programação habitual do canal. "Iremos reescrever a Constituição juntos."

De acordo com ele, que discursou envolvido por uma bandeira do país e cercado por outros oito soldados, o presidente Alpha Condé, 83, havia sido preso e estava em posse do grupo, sem ferimentos.

Não estava claro, porém, o paradeiro oficial do mandatário —vídeos publicados nas redes sociais o mostraram cercado por militares, de jeans e camisa, recusando-se a falar. As agências de notícias não conseguiram confirmar a autenticidade das imagens.

Homens fardados e armados na traseira de caminhonete
Soldados da Guiné patrulham ruas da capital, Conacri, neste domingo (5) - Cellou Binani/AFP

O movimento, segundo Doumbouya, teria sido motivado pelo que ele chamou de caos no país, citando também a pobreza e a corrupção endêmica. "A Guiné é linda. Não precisamos mais estuprá-la, mas fazer amor com ela", disse, em uma analogia de caráter questionável citada pelo jornal The New York Times.

À noite (final da tarde no Brasil), o grupo informou que governantes regionais foram substituídos por militares e que uma reunião seria feita no Parlamento local nesta segunda-feira (6) —quem não comparecer será considerado rebelde, segundo a junta. Nesse mesmo pronunciamento, os insurgentes anunciaram um toque de recolher nacional "até segunda ordem".

O Ministério da Defesa da Guiné, por outro lado, mais cedo havia afirmado em um comunicado que as forças de segurança contiveram a tentativa de golpe. "Os insurgentes espalharam o medo [em Conacri]", diz o texto. "A guarda presidencial, apoiada por forças de defesa e segurança, leais e republicanos, contiveram a ameaça e repeliram o grupo agressor."

Moradores de Conacri relataram às agências de notícias terem visto jipes, com militares atirando para o alto e sendo apoiados por buzinas de motociclistas e gritos de "Guiné livre" das janelas. A embaixada britânica na capital do país africano emitiu um comunicado alertando para os registros de tiroteio e pedindo aos seus cidadãos que evitassem sair de casa.

À AFP um morador da região de Kalum, onde estão o palácio presidencial e outros escritórios do governo, contou que soldados pediram às pessoas que não saíssem às ruas.

Os insurgentes teriam feito outras prisões, incluindo altas autoridades do governo de Condé.

O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, criticou o que chamou de tentativa de golpe de Estado. "Condeno firmemente qualquer tomada do poder [na Guiné] pela força do fuzil e peço a libertação imediata do presidente Alpha Condé", escreveu ele nas redes sociais.

O movimento também foi condenado por atores regionais. A chancelaria da Nigéria disse que o aparente golpe de Estado viola as regras da Comunidade Econômica de Estados do Oeste Africano (Ecowas, na sigla em inglês) e pediu a restituição da ordem constitucional.

A própria Ecowas, por meio de seu líder, o presidente de Gana, Nana Akuffo-Addo, ameaçou impor sanções à Guiné. A União Africana também pediu a liberação de Condé e informou que deve convocar uma reunião sobre o assunto para discutir "medidas apropriadas" de reação.

O Departamento de Estado dos EUA condenou os eventos deste domingo, dizendo que eles podem minar a ajuda americana e de outros parceiros internacionais à Guiné.

À Reuters a cientista política Alexis Arieff destacou que o movimento deste domingo se soma a outros retrocessos democráticos no oeste africano, que incluem golpes no Mali e no Chade, além de manobras constitucionais para líderes permanecerem no poder na Costa do Marfim e, tocada por Condé, na própria Guiné.

O país tem enfrentado uma grave crise política e econômica nos últimos meses, agravada pela pandemia de Covid-19 —de acordo com dados oficiais enviados à OMS (Organização Mundial da Saúde), o país registrou quase 30 mil casos e 341 mortes pela doença.

Recentemente, Condé elevou impostos e o preço dos combustíveis, buscando aumentar a arrecadação federal, o que desencadeou uma nova onda de protestos. Manifestações violentas já haviam atingido o país em outubro do ano passado, quando o presidente garantiu seu terceiro mandato após uma manobra para poder concorrer.

Ele alegou que um referendo constitucional reiniciou a contagem do limite de dois mandatos aos quais ele teria direito. A eleição ainda foi marcada por denúncias de irregularidades, feitas pelo principal opositor, Cellou Dalein Diallo, e outros três candidatos. Condé teve 59,5% dos votos. À época, os protestos registraram dezenas de mortos e cortes no serviço de internet.

​Um ex-líder da oposição que chegou a ser condenado à morte em 1970 pelo marxista Sekou Touré, Condé ascendeu ao poder em 2010, tornando-se o primeiro presidente eleito democraticamente no país, após décadas de regimes autoritários e golpes de Estado.

Ele chegou a dizer em entrevistas que queria ser uma mistura de Nelson Mandela e Barack Obama, para transformar o país em uma democracia estável e potência econômica. Foi reeleito em 2015, pouco tempo depois de ter que administrar a crise da epidemia de ebola. No ano passado, foi reconduzido ao cargo.

Apesar dos ganhos econômicos do país, sustentados pela exploração de minérios como a bauxita, Condé era acusado de promover uma guinada autoritária e de perseguição a dissidentes.

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