Descrição de chapéu The New York Times

Ativista que desafiou segregação racial em 1955 busca retratação dos EUA

Claudette Colvin, 82, recusou-se a ceder seu lugar no ônibus a uma passageira branca no Alabama

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Eduardo Medina
The New York Times

Minutos antes de o motorista de ônibus branco mandar Claudette Colvin dar seu assento a uma passageira branca, em 1955, ela estava olhando pela janela e pensando em um rapaz negro de seu bairro, em Montgomery, no Alabama, que fora condenado à morte.

Lembrou da aula de sua professora de inglês em que esta falou sobre entender e se orgulhar de sua história. Desça do ônibus, lhe disseram vários passageiros brancos. Colvin, que tinha 15 anos na época, ficou onde estava. Foi presa imediatamente.

"A história me manteve grudada àquele assento", contou ela seis décadas mais tarde.

A ativista americana Claudette Colvin na frente de uma árvore; ela é uma mulher negra e usa uma blusa vermelha com um casaco verde longo
A americana Claudette Colvin em um parque próximo à sua casa, no distrito do Bronx - Nicole Bengiveno - 21.nov.09/The New York Times

Colvin se recusou a ceder seu lugar num ônibus racialmente segregado de Montgomery em 2 de março de 1955, nove meses antes de Rosa Parks. Nesta terça (26), ela entrou com um pedido na Justiça para limpar sua ficha policial juvenil, dizendo em declaração juramentada que a justiça lhe é devida há muito tempo.

"Não estou fazendo isto por mim –tenho 82 anos", disse Colvin. "Mas quero que meus netos e bisnetos entendam que a avó deles tomou posição em defesa de algo muito importante e que isso transformou muito nossas vidas, transformou atitudes."

A história de Rosa Parks é amplamente conhecida, mas o papel de Claudette Colvin no boicote aos ônibus de Montgomery e no movimento maior pelos direitos civis nos EUA tem sido quase esquecido.

Mas o significado de seu gesto de desafio naquele dia foi reconhecido plenamente pelos líderes emergentes do movimento de direitos civis, entre os quais Martin Luther King, que se reuniu com representantes da Prefeitura e da companhia de ônibus de Montgomery após a prisão dela. Mais tarde Colvin seria a testemunha principal na ação judicial famosa que pôs fim à segregação racial nos ônibus.

Colvin registrou sua ação na vara de família do condado de Montgomery, onde seu caso foi processado em 1955. A petição diz que limpar a ficha policial dela "atende aos interesses da justiça e, além disso, reconhece seu papel fundamental no movimento dos direitos civis".

Colvin foi condenada inicialmente por violar a lei de segregação racial na cidade, por conduta desordeira e agressão a um policial. Mas ela recorreu da condenação e foi sentenciada a liberdade condicional apenas pela acusação de agressão, que, segundo seu advogado Phillip Ensler, pode ter sido devida a "algo tão pífio quanto ter acidentalmente pisado no pé de um policial".

Segundo o livro "Claudette Colvin: Twice Toward Justice", de Phillip Hoose, vencedor do National Book Award em 2009, um policial chutou Colvin enquanto outro a arrastou do ônibus e a algemou.

No caminho até a delegacia de polícia, os policiais se revezaram para adivinhar o tamanho de seu sutiã. "Éramos tratados como cidadãos de segunda classe", disse Colvin.

Depois de condenada, ela se mudou para Nova York, mas retornou a Montgomery no auge do boicote aos ônibus desencadeado subsequentemente por Rosa Parks. Lideranças negras da época consideraram que, pelo fato de Parks ter pele mais clara, seria mais adequada para ser o "rosto" do movimento e teria mais chances de ser vista com bons olhos por pessoas brancas.

"Minha mãe me mandou calar sobre o que eu tinha feito", Colvin disse em 2009. "Me falou: ‘Deixe que Rosa seja a escolhida. Os brancos não vão incomodá-la –a pele dela é mais clara que a sua, e eles gostam dela."

Rosa Parks e Claudette Colvin não foram as únicas a provocar repercussões em Montgomery em 1955.

Em junho daquele ano, a altercação de Lucille Times com um motorista de ônibus branco levou ao boicote do sistema de transporte público da cidade por uma mulher, ajudando a inspirar o boicote em massa que começou depois de Rosa Parks ser acusada criminalmente por desafiar o mesmo motorista.

Colvin disse que já se conformou há muito tempo com a insatisfação que sentiu por não ter seu lugar na história devidamente reconhecido. "No meu íntimo, eu sabia que ela [Rosa Parks] era a pessoa certa", disse ao New York Times em 2009.

Colvin acabaria depondo num tribunal de justiça federal na ação judicial Browder v. Gayle, em 1956, que concretamente marcou o fim da segregação racial nos ônibus. A ação foi movida por Fred D. Gray, advogado que exerceu papel importante no movimento dos direitos civis.

Gray esteve ao lado de Colvin outra vez na terça. Entrevistado na segunda (25), disse que, para começo de conversa, ela nunca deveria ter sido fichada na polícia. "No caso dela e de todas as outras pessoas que representei, as fichas policiais deveriam ser apagadas", disse.

O advogado Fred Gray e Claudette Colvin durante entrevista coletiva depois que Colvin pediu a um Tribunal de Família do condado de Montgomery que sua ficha policial juvenil seja limpa - Julie Bennett - 26.out.21/Getty Images/AFP

Ka-Santa Sanders, moradora do bairro King Hill, em Montgomery, onde Colvin cresceu, liderou os esforços para proteger o legado da ativista. Ela perguntou à prefeitura de Montgomery neste ano se seria possível fazer alguma coisa para homenagear Colvin e o papel crucial que ela desempenhou na luta pelos direitos civis.

"Começamos imediatamente a tentar falar com várias pessoas para ver como seria possível limpar a ficha policial dela", disse Sanders.

Mas uma pessoa estava cética: a própria Claudette Colvin. Gloria Laster, sua irmã, disse que elas não confiam no sistema judicial e por isso pensaram que seus esforços não dariam em nada.

Mesmo assim, sabendo que no final de outubro ia se mudar para o Texas para viver com seu filho e netos e que esta seria sua última oportunidade de corrigir o registro histórico sobre o que aconteceu, Colvin concordou em levar o pedido judicial adiante. Foi a uma repartição pública em Birmingham, no Alabama, onde vive em uma casa de repouso, e preencheu a petição.

Ela sorriu ao assinar a declaração juramentada. De camisa cor-de-rosa, usava óculos retangulares grandes, exatamente como em 1955. Disse que estava registrando a petição "para mostrar à geração que está crescendo hoje que progredir é possível e que as coisas podem, sim, melhorar".

"A luta continua", disse ela. "Só não quero que a gente, como raça, como grupo minoritário, sofra um retrocesso e desista de ter esperança. Vamos continuar a ter fé, continuar em frente, levar a luta adiante."

O juiz que preside seu caso, Calvin L. Williams, disse na segunda que tem consciência do significado histórico da ação. Ele é o primeiro juiz negro a servir no 15º Tribunal do Circuito Judicial do Alabama.

"É um círculo histórico que se completa quando um juiz afro-americano como eu pode presidir o julgamento de um pedido como este, para dar à senhora Claudette Colvin a justiça que lhe é devida há tanto tempo", disse.

Williams vai anunciar sua decisão nas próximas semanas, mas já sabe qual será. "Vamos mandar destruir essa ficha criminal."

Tradução de Clara Allain

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