Mais de 100 mil poloneses manifestaram neste domingo (10) seu apoio à adesão do país à União Europeia, depois de uma decisão da Justiça local nesta semana agravar uma crise e aumentar a preocupação de que a Polônia possa eventualmente deixar o bloco.
O Tribunal Constitucional, controlado pelo partido Lei e Justiça (PiS), que governa o país, afirmou na quinta (7) que alguns trechos de tratados da UE são incompatíveis com a Constituição polonesa.
A decisão só se torna legal depois de publicada pelo governo —no passado, questões controversas foram esfriadas com o adiamento da promulgação.
Mesmo assim, políticos de toda a Europa demonstraram preocupação com a decisão da corte, vista como um enfraquecimento do pilar legal no qual a união dos 27 países do bloco se sustenta. Em resposta ao tribunal, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ter pedido uma análise da decisão e defendeu que o órgão use "todos os poderes de que dispõe" na questão.
Em seu comunicado, ela sustentou que o bloco não aceitará a posição do Supremo polonês: “Nossos tratados são muito claros. Todas as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia são vinculativas para todas as autoridades dos Estados-membros, incluindo os tribunais nacionais”.
De acordo com os organizadores dos atos deste domingo, os protestos ocorreram em mais de 100 vilas e cidades na Polônia e no exterior. Na capital, Varsóvia, participaram entre 80 mil e 100 mil pessoas, que seguravam bandeiras da Polônia e da UE sob gritos de "nós vamos ficar".
Políticos da oposição, artistas e ativistas fizeram discursos.
Donald Tusk, ex-chefe do Conselho Europeu e agora líder do principal partido da oposição, Plataforma Cívica, disse que as políticas do eurocético PiS estão colocando em risco o futuro da Polônia na Europa.
"Nós sabemos por que eles querem deixar a UE. Para que possam violar as regras democráticas com impunidade", afirmou ele, falando em frente ao Castelo Real de Varsóvia, cercado por milhares de manifestantes.
O PiS rebateu dizendo que não tem planos para um "Polexit" —referência ao brexit, a saída do Reino Unido do bloco.
Mas os governos populistas de direita na Polônia e na Hungria estão cada vez mais em desacordo com a Comissão Europeia em questões que vão desde direitos LGBTQIA+ até a independência judicial.
Saudando a decisão do tribunal na quinta, o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki afirmou que cada Estado membro deve ser tratado com respeito e que a UE não deve ser apenas "um agrupamento de pessoas iguais e mais iguais".
"Assim como o brexit repentinamente se tornou um fato, algo que ninguém esperava, a mesma coisa pode acontecer aqui", disse o cidadão polonês Janusz Kuczynski, 59, à Reuters.
"Esta é a nossa Europa e ninguém vai nos tirar dela", disse Wanda Traczyk-Stawska, 94, veterana da Revolta de Varsóvia de 1944 contra os ocupantes alemães nazistas.
As tensões entre a UE e a Polônia já haviam se elevado em setembro, quando a Comissão pediu ao Tribunal Europeu que impusesse sanções diárias ao país até que fosse suspensa a reforma do Judiciário, votada em 2019 e implantada no começo do ano passado.
Segundo a UE, pontos dessa reforma, como a criação de uma câmara disciplinar com poderes para tirar a imunidade de juízes, suspendê-los e reduzir seus salários, são um atentado à independência do Judiciário, um dos valores centrais do bloco.
Além dessa disputa, que já dura mais de um ano, o governo nacionalista e conservador da Polônia está sob investigação por ataques a direitos LGBTQIA+ e à liberdade de imprensa no país.
Os conflitos têm atrasado a aprovação do repasse à Polônia de 58 bilhões de euros (R$ 370 bilhões) para a reconstrução pós-pandemia e podem bloquear a transferência de verbas do orçamento do bloco.
A Comissão já aprovou os planos de recuperação emergencial de quase todos os 27 membros, mas as verbas de Polônia e Hungria ainda não saíram, justamente por disputas relacionadas ao Estado de Direito.
Após a decisão de quinta, eurodeputados pediram que todos os repasses de fundos europeus para a Polônia sejam congelados assim que a sentença for promulgada, porque não haveria tribunais independentes para supervisionar o uso do dinheiro.
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