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Colin Powell manteve admiração pública apesar de mancha do discurso na ONU

Ex-secretário de Estado dos EUA morreu aos 84 anos por complicações decorrentes da Covid

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Carlos Eduardo Lins da Silva

Professor do Insper, foi correspondente da Folha em Washington

Colin Powell, morto na manhã desta segunda-feira (18), aos 84 anos, teria tido boas chances de ser o primeiro presidente negro dos EUA se demonstrasse apetite pela política e pelo cargo. Na década de 1990, foi uma das figuras públicas mais populares do país.

Ele obteve esse prestígio principalmente graças a sua atuação como chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Ele formulou e praticou o que se tornou conhecido como “Doutrina Powell”, produto, dizia, de sua experiência no Vietnã.

O ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell acena ao desembarcar em aeroporto em Moscou
O ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell acena ao desembarcar em aeroporto em Moscou - Sergei Karpukhin - 9.dez.01/Reuters

Seus princípios eram de que a guerra deveria ser o último recurso para a nação resolver qualquer crise e, quando necessária, deveria ter objetivos claros e viáveis, contar com amplo apoio da sociedade e ser feita com ações decisivas.

Foi assim que ele lidou com a Guerra do Golfo, em 1991, durante o governo de George H. W. Bush: uso sem hesitação da imensa vantagem bélica dos EUA contra o Iraque e limites para a ação.

O objetivo era acabar com a ocupação iraquiana do Kuwait, forçar o regime de Saddam Hussein a aceitar as resoluções da ONU para a região e garantir que nova invasão não pudesse mais ocorrer.

Houve críticas sobre a decisão de Washington de não chegar a Bagdá e derrubar o regime de Saddam Hussein. Mas o sucesso da Operação Tempestade no Deserto foi incontestável: missão cumprida com o suporte de grande coalizão internacional, poucas baixas americanas e sucesso de opinião pública.

Foi muito diferente em 2003, quando o presidente George W. Bush resolveu invadir o Iraque sob falsas alegações de que Bagdá tinha sido parcialmente responsável pelos ataques terroristas do 11 de Setembro e tinha grande estoque de armas de destruição em massa que ameaçavam a segurança nacional americana.

Powell, já secretário de Estado, inicialmente se opôs aos planos de Bush, insuflados pelo vice Dick Cheney e pelo secretário da Defesa Donald Rumsfeld. Mas acabou por acatar a determinação presidencial.

Isso o levou ao que chamou de grande “mancha” em seu currículo: o discurso que fez ao Conselho de Segurança da ONU para supostamente comprovar que o Iraque tinha armas biológicas prontas para uso contra inimigos.

A ideia era repetir o êxito do pronunciamento que Adlai Stevenson, então chefe da missão americana junto à ONU, fizera em 1961, quando mostrou com fotos a instalação de mísseis soviéticos em Cuba.

A diferença era que as provas de Stevenson eram reais e as que Powell levou à ONU, falsas. Karen DeYoung, biógrafa de Powell, escreveu que a mulher do general, Alma, o alertou de que ele não deveria fazer aquele discurso, o qual poderia lhe custar sua boa reputação pública.

Ele deixou a administração de Bush filho em 2005 e passou a criticar a condução dada ao combate ao terrorismo por ela. A maneira como os EUA lutaram no Afeganistão e no Iraque era oposta às recomendações da “Doutrina Powell”. Os efeitos catastróficos dessa ação estão sendo sentidos até agora.

Powell, embora fosse ainda do Partido Republicano, apoiou os democratas Barack Obama (nas eleições de 2008 e 2012) e Joe Biden (na de 2020). Opôs-se às políticas externa e doméstica de Donald Trump, em especial em problemas raciais, como a repressão aos protestos do movimento Black Lives Matter.

O receio de Alma Powell não se concretizou. O discurso na ONU de fato o desgastou. Se ele tivesse intenções de concorrer à Presidência, talvez tal ambição pudesse ter ficado impossível a partir dali.

Mas a admiração pública por Powell se manteve em sua carreira pós-governo, na qual viajou pelo país e ao exterior para fazer palestras e promover as ações de sua ONG, Promessa da América - A Aliança para Juventude, dedicada a mobilizar pessoas e recursos para identificar e auxiliar projetos promissores de jovens com dificuldades materiais para levá-los adiante.

Apesar da “mancha” do discurso na ONU, ele manteve grande coerência em seus pronunciamentos públicos sobre os grandes temas nacionais depois de 2005.

Powell até chegou a ter três votos no Colégio Eleitoral em 2016, quando três eleitores de Washington o escolheram em vez de Hillary Clinton, que havia vencido a eleição popular naquele Estado.

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