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Como fotos de 'senhoritas doentes' explicam poder e censura na China

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Igor Patrick
Rio de Janeiro

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Uma fraude ou um caso típico de machismo estrutural? Nesta semana, essas duas questões estiveram em pauta nas redes sociais chinesas depois que o jornal estatal chinês Diário do Povo publicou um longo artigo criticando mulheres doentes que postavam fotos maquiadas no hospital enquanto diziam sofrer de depressão, câncer de mama e de tireóide.

A publicação acusou "senhoritas doentes" de utilizarem as supostas enfermidades para lucrar com publicidade e chamou a prática de "profanação da medicina". O jornal mostrou imagens de ao menos quatro dessas mulheres.

Os registros mostravam as pacientes aparentemente saudáveis e comendo guloseimas enviadas pelos seguidores.

Zhang Jijing, uma das senhoritas doentes criticada pela mídia estatal chinesa - Reprodução

O debate ficou acalorado quando elas decidiram se pronunciar no Weibo, espécie de Twitter chinês, negando as acusações do jornal e criticando as reportagens.

  • Uma delas relatou que a foto publicada foi tirada pelo marido enquanto ela se recuperava de uma cirurgia. Disse que objetivo não era fazer fama na internet e vender produtos, mas mostrar para a família que ela estava bem.
  • Outra paciente, clicada usando máscara, acusou o veículo de violar a privacidade e prejudicar a reputação dela. Outras duas alegaram que compartilhavam as fotos para tranquilizar quem também estivesse sofrendo de câncer de tireoide.

Com o pronunciamento, a internet chinesa se dividiu. Enquanto uma parte seguia a linha do jornal e acusava as pacientes de oportunismo, a outra denunciava a reportagem de usar de estereótipos machistas para atacar mulheres que já enfrentavam problemas psicológicos em razão de doenças graves.

"Qual é a cara de uma pessoa doente?", escreveu uma internauta. O debate levou a hashtag "não sou uma senhorita doente" a atrair mais de 130 milhões de visualizações na rede social.

As jovens expostas pelo jornal anunciaram que vão pedir reparação na Justiça.

Por que importa: o Diário do Povo é a voz oficial do PC Chinês e, até algumas décadas atrás, questioná-lo seria impensável. Processar judicialmente o veículo, ainda mais. Casos como esse ajudam a entender como o sistema político vem mudando:

  • As redes sociais repercutem temas e tornam mais difícil a tarefa desses veículos, utilizados para tentar criar coesão ideológica entre os chineses.

  • Em resposta à mudança, o regime monitora o Weibo e outras plataformas com uma complexa estrutura de censura para guiar as discussões, suprimindo algumas vozes e amplificando outras.


o que também importa

Guangdong anunciou a conclusão de uma mega instalação de quarentena, de R$ 1,4 bilhão, para receber viajantes internacionais. O complexo —com 46 hectares e 5.000 quartos— levou três meses para ser finalizado e vai substituir os hotéis adaptados para quarentena.

Os quartos são equipados com câmeras de vídeo, termômetro com inteligência artificial e robôs para entrega de comida nos quartos. Para reduzir o possível contágio da população externa, funcionários também ficarão confinados e trabalharão em turnos de 28 dias. Ao final, eles deverão ficar isolados em quartos do complexo por pelo menos uma semana e depois em casa, sob observação, por outras duas.

Guangdong foi a porta de entrada da variante delta no país, colocando milhões de pessoas em quarentena em maio. A circulação do Sars-CoV-2 causou prejuízos para o comércio exterior, já que a província abriga diversas indústrias de alta tecnologia e os principais portos de carga e descarga do país.

Pequim está revendo restrições a importações da Austrália. O recuo é um movimento para tentar contornar os efeitos da crise energética.

Com o aquecimento da economia, várias cidades vêm sofrendo com apagões. Fábricas são forçadas a diminuir o ritmo de produção por falta de energia.

Nesse cenário, o país voltou a comprar carvão da Austrália. No ano passado, o governo chinês baixou uma proibição não oficial à importação do produto australiano. À época, o banimento causou prejuízos estimados em R$ 213 bilhões anuais e houve descarte de dezenas de milhares de toneladas de carvão térmico que aguardavam para desembarcar em portos chineses.

Outra gigante do mercado imobiliário chinês sacudiu as bolsas de valores após o caso da Evergrande. Nesta semana, a incorporadora de luxo Fantasia Holdings perdeu o prazo para pagar US$ 206 milhões (R$ 1,12 bilhão) em títulos vencidos.

A empresa notificou a bolsa de Shenzhen, pedindo mais tempo para avaliar "a condição financeira e a posição de caixa” do grupo. A Country Garden, que administra parte dos condomínios construídos pela Fantasia, anunciou que a parceira não honrou nem pretendia quitar um empréstimo no valor de US$ 109 milhões (cerca de R$ 597 milhões).

A negociação de ações da Fantasia foram suspensas. Os papéis da Country Garden caíram 2,8% na bolsa de Hong Kong.

Como as perdas foram reportadas durante a chamada “Semana de Ouro”, quando parte do comércio chinês fecha para comemorar o aniversário da fundação do país, analistas avaliam que serão necessários alguns dias para que o mercado absorva a notícia e dê sinais da extensão do problema para a economia geral.


fique de olho

Estados Unidos e China anunciaram a primeira cúpula entre Xi Jinping e Joe Biden. Prevista para o final do ano e no formato virtual, a reunião vai tentar aparar arestas no relacionamento entre os dois países. Entre os temas a serem discutidos estão o cumprimento de cláusulas previstas no acordo comercial assinado durante a gestão Trump, democracia em Hong Kong, expansionismo militar no mar do Sul da China e direito de minorias em Xinjiang. O encontro foi marcado depois da viagem do conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, à China.

Por que importa: quando se falaram por telefone no início de setembro, Biden e Xi deixaram aberta a possibilidade de se encontrarem para discutir os principais problemas da agenda em alto nível hierárquico. Embora o telefonema tenha sido concluído com promessas mútuas de melhora nos canais de diálogo, ninguém cedeu: Xi esperava movimentos dos americanos que indicassem vontade real em melhorar as relações, e Biden insistia em advogar pela competição. Pouca coisa mudou estruturalmente, mas a extradição da diretora financeira da Huawei, Meng Wanzhou, pelos EUA e pelo Canadá, e a libertação de dois canadenses presos por Pequim sob acusações de espionagem podem ter ajudado na trégua.

Ilustração do cartunista político Ingram Pinn. - Reprodução

para ir a fundo

  • No mercado imobiliário, a Evergrande, no bancário, a Everbright, no de transporte de contêineres, a Ever Given... Já parou para perceber que várias empresas de origem chinesa sempre levam o mesmo prefixo? Este texto do Quartz explica o motivo e conta como as empresas chinesas ganham nomes em inglês. (gratuito, em inglês)
  • A Shūmiàn traz uma entrevista com Mariana Mendes, pesquisadora no ITS Rio e no IEA-USP. Ela comenta a nova regulamentação da China para algoritmos e os vieses que reforçam problemas antigos no país, como a disparidade de gênero. (gratuito, em português)
  • O Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV abriu inscrições para o 4º Seminário Brasil-China. Prevista para ocorrer entre os dias 18 e 22 de outubro, a edição deste ano vai discutir a Iniciativa Cinturão e Rota. Eduardo Paes, Flávio Dino e o embaixador chinês Yang Wanming são alguns dos convidados do evento, que terá tradução simultânea. (gratuito, em português)
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