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Escândalo de compra de jornalismo derruba premiê da Áustria

Investigação contra o conservador Sebastian Kurz acirrou tensões com a esquerda dentro da coalizão governante

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Viena | Reuters

O premiê conservador da Áustria, Sebastian Kurz, 35, anunciou sua renúncia ao cargo neste sábado (9), três dias após ser colocado sob investigação por suspeita de suborno e corrupção em um caso que envolve supostos pagamentos a um jornal austríaco em troca de cobertura favorável.

Em um comunicado público televisionado, Kurz disse que estava propondo que o ministro das Relações Exteriores, Alexander Schallenberg, 52, um diplomata de carreira, fosse seu sucessor, e que planeja permanecer à frente do Partido Popular (OVP) e assumir como líder da sigla no Parlamento.

O premiê Sebastian Kurz após anunciar sua renúncia - Lisi Niesner - 9.out.21/Reuters

O político justificou que “seria irresponsável” deixar o país em meio a um caos por denúncias que qualificou como falsas e que deseja, com a decisão, assegurar que a Áustria tenha estabilidade. "Admito que não é um passo fácil para mim, mas meu país é mais importante que minha pessoa, e o que ele precisa é de estabilidade", disse.

Por trás da renúncia, está também a pressão exercida pelo Partido Verde, de esquerda, que formou uma coalizão inédita com os conservadores em janeiro de 2020. A sigla, que construiu sua campanha em torno da defesa de uma "política limpa", já havia dito que a investigação tornava Kurz inadequado para atuar como premiê e pedido que os conservadores nomeassem um sucessor.

Após a renúncia, o líder dos verdes e atual vice-premiê, Werner Kogler, assegurou que a coalizão deve permanecer e disse acreditar que este seja o passo certo para o trabalho do futuro governo. Sobre o nome indicado por Kurz como sucessor, o ministro Alexander Schallenberg, disse que tem uma relação "muito construtiva" de trabalho com ele.

Os verdes iniciaram conversas na sexta-feira (8) com os três partidos de oposição da Áustria, que exigiram que Kurz renunciasse e planejavam apresentar uma moção de censura contra ele no Parlamento na próxima terça. Para que o conteúdo fosse aprovado, o partido de esquerda teria de apoiá-lo.

De acordo com os promotores do caso em que o premiê é investigado, entre 2016 e 2018 “foram usados recursos do ministério [das Finanças] para financiar pesquisas de opinião parcialmente manipuladas que serviram a interesses políticos exclusivamente partidários” de Kurz. As suspeitas são baseadas em longas conversas de mensagens de texto entre o político e alguns de seus conselheiros.

Os resultados das pesquisas eram então publicados em jornais de propriedade de um conglomerado de mídia que aceitava pagamentos em troca da cobertura positiva. O jornal apontado como envolvido, o Österreich, nega que tenha recebido dinheiro público para publicidade e falsificação de pesquisas.

No período a que se refere a investigação, Kurz era ministro das Relações Exteriores e buscava se tornar líder do partido. A pasta de Finanças era chefiada por um correligionário.

A renúncia neste sábado é mais um capítulo de uma trajetória política conturbada. Em dezembro de 2017, Kurz conquistou o cargo de premiê pela primeira vez, mas foi deposto pouco mais de um ano depois, por meio de uma moção de censura aprovada pelo Parlamento, após um escândalo de corrupção envolvendo o vice-premiê do país que implodiu a coalizão de governo.

À época, o então vice, Heinz-Christian Strache, líder do Partido da Liberdade (FPO), de ultradireita, foi filmado oferecendo contratos públicos em troca de ajuda financeira para seu partido —o caso ficou conhecido como Ibizagate, em referência ao fato de parte das conversas terem ocorrido em Ibiza.

O episódio impactou a popularidade do FPO, mas não chegou a derrubar os índices de aprovação de Kurz que, quatro meses depois de ser deposto, reconquistou o cargo após as eleições.

Em resposta à recente investigação, o partido de Kurz alegou que a atuação da Promotoria se tratava de uma “encenação política” com o objetivo de fazer um "espetáculo” para prejudicar a legenda. Na quarta (6), a polícia austríaca realizou buscas na sede da sigla, no Ministério das Finanças e em escritórios de assessores ligados ao político.

O Partido Popular tem acusado os promotores de serem tendenciosos em relação à sigla, fundada em 1945 por conservadores e pautada na defesa da tradição ocidental cristã.

O líder dos verdes, Werner Kogler, rechaçou as acusações dos conservadores, caracterizando-as de vazias, e disse que os promotores deveriam ser capazes de continuar trabalhando livremente.

O presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, dos Verdes, também criticou as tentativas do OVP de descredibilizar o trabalho das autoridades. Em comunicado publicado no site oficial da Presidência, disse que "a suspeita de parcialidade em relação à Promotoria expressa por um parlamentar ultrapassa limites de forma inadmissível".

Bellen acrescentou que é direito de toda pessoa expressar publicamente sua opinião sobre as investigações, o que, naturalmente, inclui críticas ao Judiciário. Acrescentou, porém, que é preciso assegurar que autoridades policiais sejam capazes de trabalhar sem influência. "Nossa democracia liberal, o Estado de Direito e o trabalho independente do Judiciário são centrais para a República."

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