G20 traz poucos avanços, mas sela reengajamento global dos EUA

Sem compromissos específicos para temas como clima e pandemia, cúpula abriu novas frentes ao governo Biden

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São Paulo

A cúpula do G20 foi encerrada em Roma sem que as grandes economias do mundo fizessem compromissos mais específicos para lidar com a ameaça do aquecimento global, às vésperas do início da COP26, a grande rodada de negociação de metas climáticas que começou neste domingo (31).

Mas o encontro na capital italiana serviu para o presidente dos EUA, Joe Biden, abrir novas frentes de engajamento multilateral, com novas tentativas de reviver o acordo nuclear com o Irã e a reconciliação com a Turquia, além da trégua na guerra comercial com a União Europeia, após anos de tensões cultivadas pelo ex-presidente Donald Trump.

Biden também ensaiou uma reaproximação com o presidente francês, Emmanuel Macron, após o atrito diplomático gerado pelo acordo para a venda de submarinos nucleares à Austrália, o que cancelou tratado anterior articulado por Paris.

Declaração conjunta sobre clima

Responsáveis por cerca de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa no mundo, os países do G20 elaboraram uma declaração final neste domingo (31) que pede uma ação "significativa e efetiva" para limitar o aquecimento global a 1,5°C, mas oferece poucos compromissos concretos.

O resultado de dias de duras negociações entre diplomatas deixa muito trabalho a ser feito na cúpula mais ampla do clima organizada pela ONU na Escócia, a COP26, para onde a maioria dos líderes do grupo das 20 principais economias do mundo voará diretamente de Roma.

O projeto inclui uma promessa de suspender o financiamento internacional para a geração de energia a carvão até o final deste ano, mas não estabeleceu uma data para a eliminação desse tipo de energia pelos países, limitando-se a prometer fazê-lo "o mais rapidamente possível".

O G20 também não estabeleceu uma data para a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis, dizendo que se esforçarão para fazê-lo "no médio prazo". No acordo, os líderes reconheceram "a importância fundamental" de zerar as emissões líquidas de carbono "até a metade deste século". A Itália, que hospedou a cúpula, fez pressão para incluir a data de 2050.

A China, o maior emissor de carbono do mundo, estabeleceu uma data-alvo posterior, para 2060, e outros grandes poluidores, como Índia e Rússia, não se comprometeram com 2050.

Acordo entre EUA e UE após guerra tarifária

O presidente dos EUA, Joe Biden, e a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, celebraram "uma nova era" nas relações transatlânticas após chegarem a um acordo para suspender as tarifas adicionais sobre as importações europeias de aço e alumínio, impostas pelo ex-presidente Donald Trump.

"Restabelecemos a confiança e a comunicação", disse a presidente do Executivo Europeu.

O acordo permitirá a entrada com isenção de impostos nos Estados Unidos de uma quantidade limitada de aço e alumínio da Europa. Em troca, a UE cancelará as medidas de retaliação sobre produtos como as motocicletas Harley-Davidson e o bourbon de Kentucky.

"O botão de reinicialização foi pressionado com sucesso com a administração Biden, em grande parte devido à nossa vontade comum de forjar uma nova agenda comercial", declarou o comissário de Comércio da União Europeia, Valdis Dombrovskis.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante entrevista coletiva na cúpula do G20 em Roma
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante entrevista coletiva na cúpula do G20 em Roma - Kevin Lamarque/Reuters

Pandemia e vacinas

A pandemia, especialmente a desigualdade na distribuição de vacinas contra a Covid-19 no mundo, foi um dos temas tratados na cúpula. Líderes do grupo afirmaram que vão aumentar o fornecimento de imunizantes aos países pobres, prometendo "evitar restrições às exportações e aumentar a transparência e visibilidade na entrega". Prazos concretos, no entanto, não foram especificados.

O G20 afirmou que vai contribuir para o alcance das metas globais de vacinação de pelo menos 40% da população de todos os países até o final de 2021 e 70% até meados de 2022, conforme preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, comprometeu-se a fornecer, até o fim de 2022, ao menos 200 milhões de doses ao Covax Facility, consórcio internacional criado para facilitar o acesso aos imunizantes. O Canadá afirmou ainda que doará US$ 15 milhões para ajudar a aumentar a produção de vacinas na África do Sul.

Por videoconferência, os líderes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, queixaram-se da falta de reconhecimento das vacinas entre os países do G20.

Putin afirmou que a falta de acesso às vacinas por países pobres se deve também "à concorrência desleal", ao "protecionismo" e ao fato de que "alguns Estados, principalmente os do G20, não estão dispostos a reconhecer mutuamente vacinas e certificados de vacinação".

De Pequim, Xi também pediu "reconhecimento mútuo das vacinas", de acordo com suas declarações transmitidas pela emissora estatal CCTV.

Nem os Estados Unidos nem a Agência Europeia de Medicamentos aprovaram as vacinas chinesas ou russas. Por sua vez, a Rússia e a China não reconhecem vacinas estrangeiras.

Conciliação entre Biden e Erdogan

Em meio a tensões diplomáticas entre os dois países, os presidentes da Turquia e dos EUA fizeram uma reunião de conciliação durante a cúpula em Roma.

Recep Tayyip Erdogan e Joe Biden prometeram melhorar suas relações, prejudicadas por uma série de questões nos últimos anos, desde diferenças políticas na Síria até direitos humanos, passando pela compra pela Turquia de sistemas de mísseis russos S-400.

Um dos episódios mais recentes foi a manifestação americana pela liberação do filantropo e ativista Osman Kavala, símbolo da repressão do governo turco contra a sociedade civil.

A Presidência turca disse que os dois líderes concordaram em formar um mecanismo conjunto para fortalecer os laços, e um alto funcionário de Ancara disse que as negociações foram mantidas em "uma atmosfera muito positiva".

Ajuda aos países em desenvolvimento

Os líderes se comprometeram a pagar aos países pobres ​​US$ 100 bilhões do montante global de US$ 650 bilhões em Direitos Especiais de Saque (SDR) emitidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para enfrentar os efeitos da pandemia.

"Acolhemos as recentes promessas de doações no valor de cerca de US$ 45 bilhões como um passo em direção aos ambiciosos US$ 100 bilhões em contribuições voluntárias para os países mais necessitados", afirmaram.

Eles estão seguindo os passos do G7, que já fixou uma meta de US$ 100 bilhões para a redistribuição, principalmente para a África.

Acordo nuclear com o Irã

EUA, Alemanha, França e Reino Unido exortaram o Irã a voltar a cumprir as exigências estabelecidas no acordo nuclear de 2015 para "evitar uma escalada perigosa". O acordo descarrilhou após a saída de Washington, em 2018, por determinação do então presidente Donald Trump.

Depois que o republicano anunciou que os EUA restabeleceriam sanções contra o regime iraniano, Teerã deixou de respeitar os limites de enriquecimento de urânio estabelecidos pelo pacto.

No sábado (30), as quatro potências voltaram a afirmar que querem uma solução negociada para que o Irã volte a cumprir as exigências do pacto —pedido ao qual o país segue resistindo.

Biden e Macron acenam
Os presidentes de EUA, Joe Biden, e França, Emmanuel Macron, após encontro em Roma, na Itália - Ludovic Marin - 29.out.21/AFP

Reaproximação entre Biden e Macron

Um encontro entre Biden e Emmanuel Macron, na sexta-feira (29), pôs fim —de acordo com os dois líderes— à crise diplomática desencadeada pelo acordo americano com Reino Unido e Austrália para a construção de submarinos nucleares.

Batizado de Aukus, o pacto de segurança havia irritado os franceses porque significou o cancelamento de um contrato bilionário assinado em 2016 com os australianos.

Após o encontro com Biden, Macron afirmou que era hora de olhar para o futuro. "O que realmente importa é o que faremos juntos nas próximas semanas e nos próximos meses", disse o francês durante um discurso em sua embaixada no Vaticano, após o encontro com Biden.

O americano, por sua vez, admitiu que as ações dos EUA no episódio poderiam ter sido melhores e disse que Washington não têm um aliado mais antigo e leal do que a França.

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