Itamaraty mantém defesa de exigências que dificultam concessão de vistos a afegãos

Ministério analisa 400 pedidos e diz que cerca de 30 solicitações já foram atendidas, embora refugiados ainda não tenham chegado ao país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em entrevista coletiva realizada na manhã desta sexta-feira (1º), o Ministério das Relações Exteriores, representado pelo secretário de Comunicação e Cultura da pasta, Leonardo Gorgulho, defendeu as exigências feitas por embaixadas brasileiras que têm dificultado a​ obtenção do visto humanitário por afegãos, refugiados do país agora dominado pelo grupo extremista Talibã.

Os solicitantes estão tendo de provar que serão mantidos durante ao menos seis meses por alguma organização que banque uma longa lista de despesas. Entre as exigências estão plano de saúde e odontológico, renda mensal, hospedagem, alimentação, transporte, teste PCR para Covid-19 e custos para revalidação de diplomas.​ Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), os novos requisitos são ilegais.

A entidade enviou uma petição na sexta-feira (24) passada ao Ministério das Relações Exteriores solicitando modificação dos critérios e mais transparência nas informações sobre o processo.

Refugiados afegãos chegam ao Aeroporto Internacional de Dulles, nos Estados Unidos
Refugiados afegãos chegam ao Aeroporto Internacional de Dulles, nos Estados Unidos - Chip Somodevilla - 27.ago.21/Getty Images/AFP

Nesta sexta, Gorgulho disse que o Itamaraty está prestando esclarecimentos à DPU no sentido de que as normas são adequadas.

A portaria que regulamenta o visto humanitário determina que os solicitantes apresentem quatro documentos: passaporte, comprovante de meio de transporte para o Brasil, atestado de antecedentes criminais e formulário oficial preenchido.

O secretário de Comunicação e Cultura argumentou que o protocolo disparado aos postos não é vinculante ou obrigatório. "Ele não conflita com princípios humanitários que norteiam a portaria [que regulamentou os vistos humanitários para afegãos] e não substitui critérios da portaria", afirmou.

"Quando o Itamaraty nota que no pedido de visto para grandes grupos [de afegãos] não corresponde o cuidado necessário para a acolhida, é obrigação do Itamaraty interessar-se por essas condições de acolhimento para que o cidadão afegão não saia de uma situação de vulnerabilidade para outra."

O diplomata alegou ainda que as regras adicionais enviadas às embaixadas estão sendo aplicadas majoritariamente a grandes grupos de afegãos que têm suas solicitações intermediadas ou patrocinadas por instituições privadas ou ONGs.

"Ele [o protocolo] é aplicável apenas a casos em que o pedido de visto se dá por iniciativa, intermédio, patrocínio ou apoio de instituições privadas ou ONGs. Quando adicionalmente esse pedido envolve um grande número de pessoas e, ainda, quando não tiver sido possível verificar de pronto que os requisitos que nos preocupam estão sendo cumpridos", disse.

Nos sites das embaixadas que publicaram a lista de exigências, porém, não há essa distinção.

Segundo o diplomata, o protocolo não tem impactado na análise das solicitações de visto. Ele afirmou que não necessariamente todos os requisitos precisam ser cumpridos para que um visto humanitário seja aprovado.

"Tanto o protocolo não atrapalha, não atrasa e não impede a consideração e concessão de vistos que o Itamaraty tem, por meio da sua rede de postos no exterior, recebido e analisado normalmente muitas solicitações. Todas elas são consideradas, a priori, legitimas e dignas de consideração", declarou. ​

O governo brasileiro, de acordo com Gorgulho, analisa hoje cerca de 400 pedidos de vistos humanitários para cidadãos afegãos, sendo que até o momento aproximadamente 30 já foram concedidos.

De acordo com o secretário, entretanto, nenhum dos afegãos beneficiados pela concessão de visto humanitário desembarcou no país até o momento —mas uma parte deles já não está mais na Ásia Central.

Entre os pedidos de refúgio recebidos pelo governo, Gorgulho citou o caso de juízas afegãs e um grupo de fotógrafas e artistas que manifestaram interesse em vir ao Brasil.

Também participaram da apresentação de informações no Itamaraty o chefe de gabinete do ministério, Achilles Zaluar, e o diretor do departamento de Direitos Humanos e Cidadania, João Lucas de Almeida.

O Brasil não tem embaixada no Afeganistão. As solicitações de visto humanitário têm sido processadas nas missões em Islamabad (Paquistão), Moscou (Rússia), Ancara (Turquia), Teerã (Irã), Doha (Qatar) e Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos).

Zaluar, por sua vez, relatou um encontro que teve com a reitoria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em que a universidade manifestou interesse em apoiar a vinda de acadêmicos afegãos ao Brasil, através de bolsas de estudos e oferecimento de alojamento.

O chefe de gabinete do Itamaraty defendeu ainda a declaração, na Assembleia-Geral da ONU, do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o auxílio dado pelo Brasil aos refugiados do Afeganistão. O mandatário alegou que o país concederia vistos para "cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos".

"Nós recebemos no contexto inclusive da crise da Síria um número bastante considerável de sírios de religião muçulmana sem problema algum. O que está acontecendo no Afeganistão é que as pessoas que estão sob risco de perseguição religiosa são os cristãos", afirmou, ressaltando que não há qualquer filtro religioso na análise dos processos.

Cristãos e outras minorias religiosas representam menos de 0,3% da população do Afeganistão.

O fluxo de afegãos em busca de deixar o país se intensificou nos últimos meses, à medida que tropas ocidentais saíam e o Talibã avançava. O grupo governou com mão de ferro e seguindo de forma draconiana a lei islâmica entre 1996 e 2001. Apesar de reassumir o poder prometendo moderação, nas últimas semanas o que se viu incluiu a perseguição a protestos, proibição de mulheres praticarem esportes e a volta de punições medievais a criminosos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.