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Leia texto de jornal russo onde trabalha repórter que venceu Prêmio Nobel da Paz

Reportagem da Novaia Gazeta explora mecanismos do assassinato de Anna Politkovskaia

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Serguei Sokolóv
Novaia Gazeta

Texto publicado na edição n° 112, de 6 de outubro de 2021, da Novaia Gazeta, jornal no qual o Nobel da Paz de 2021 Dmitri Muratov é editor-chefe

A investigação sobre o assassinato de Anna Politkovskaia (1958-2006) poderia não ter dado em nada. Ou melhor, só teriam sido condenados executores medíocres. Ibraguím e Djabraíl Makhmudov são os irmãos do matador de aluguel Rustam, que seguiram Anna em seus últimos dias de vida e levaram o assassino ao local do crime.

Mulher segura retrato da jornalista russa assassinada Anna Politkovskaia durante ato para marcar 10 anos de sua morte
Mulher segura retrato da jornalista russa assassinada Anna Politkovskaia durante ato para marcar 10 anos de sua morte - Natalia Kolesnikova - 7.out.16/AFP

Enquanto Serguei Khadjikurbanov, ex-capitão do Departamento de Combate ao Crime Organizado da Polícia de Moscou, participou do planejamento do assassinato na fase inicial e depois se afastou, devido a desacordos com os cúmplices. E isso seria tudo.

Isso porque a investigação foi composta por uma série de falhas. Arquitetadas pelo homem e políticas.

Primeira falha: Mandante

Desde o primeiro dia ou, que seja, o segundo, quando o caso foi parar nas mãos do aparato central do Comitê de Investigação da Procuradoria-Geral, foi determinada uma tarefa: [Boris] Berezovski era o mandante.

A sucessão de eventos que levava a isso era assim: inicialmente, o presidente deu a entender claramente as artimanhas dos inimigos da Rússia escondidos no exterior. Em seguida, o procurador-geral da República da Rússia, [Iuri] Tchaika, deu prosseguimento a essa ideia, enquanto o chefe do Comitê de Investigação, que então fazia parte da procuradoria, ordenou a seus subordinados, na primeira reunião, que desmascarassem Berezovski. Um dos participantes desses acontecimentos nos relatou sobre isso.

É justamente por isso que foram destacados oficiais do então todo-poderoso “Diretório K” [departamento do Ministério dos Negócios Internos de combate a crimes de tecnologia da informação, assim como tráfico ilegal de equipamentos radioeletrônicos e outros equipamentos técnicos] do FSB [da sigla em russo, Serviço Federal de Segurança; órgão que substituiu a KGB] para fornecer acompanhamento operacional à investigação. Apesar de que seria de se pensar: o que a contraespionagem econômica tem a ver com isso? Mas o “Diretório K” é o principal executor da vontade da liderança política do país.

Outras hipóteses não foram verificadas detalhadamente durante todo o período da investigação. Apesar de a investigação ter esses detalhes todos e não apenas um deles. Mas os relatórios escritos, exigidos pela chefia todas as semanas, sugeriam resposta a apenas uma questão: quando surgisse evidência da “culpa” do fugitivo oligarca.

Após os primeiros —e corriqueiros— interrogatórios, com colegas, parentes e vizinhos, provocadores se infiltraram no Comitê de Investigação. Eles foram levados por agentes do FSB. Uma tal tia, que teria pegado um avião com Politkovskaia para Londres “lembrou-se” que Anna teria reclamado com ela, uma companheira de viagem ocasional, sobre Berezovski (!) e que no aeroporto Anna foi recebida por um homem ruivo (uma alusão ao [ex-agente do FSB Aleksandr] Litvinenko, que posteriormente foi envenenado).

O testemunho dela foi verificado por seis meses, mas não bateu: a “testemunha” tinha sido mal preparada. Foi enviado um pedido ao Reino Unido de imagens do circuito interno de câmeras do aeroporto de Heathrow. Os britânicos não responderam (o que, de modo geral, não foi algo honrado), e esse silêncio permitiu aos “nossos” que se esquivassem o tempo todo de perguntas sobre a busca do mandante: “Como os britânicos não respondem, estamos esperando”.

Foi justamente esse que se tornou o principal o argumento do Comitê de Investigação; mesmo depois que os executores e os organizadores do crime foram condenados, a investigação continuou a “buscar” pistas do já então morto Berezovski.

Interrogaram, por algum motivo, [um dos assassinos de Litvinenko, o deputado Andrei] Lugovoi, o major ucraniano [Nikolai] Melnitchenko (aquele mesmo das “escutas de Kutchma” [Melnitchenko divulgou publicamente no ano 2000 áudios que teria gravado no escritório grampeado do então presidente ucraniano Leonid Kutchma, no chamado “escândalo do cassete”])... O caso teve muito lixo desse tipo —quase um livro inteiro.

No final das contas, o Comitê de Investigação precisou admitir publicamente que o envolvimento de Berezovski no assassinato não era comprovado pelas evidências do caso. Assim, a investigação passou a Akhmed Zakaiev, um tchetcheno proveniente do antigo governo de Itchkeria [o governo separatista não reconhecido em território anteriormente pertencente à Tchetchênia e à Inguchétia] que emigrara.

Os advogados das vítimas interrogaram Zakaiev em Londres e o conteúdo do interrogatório foi acrescentado aos arquivos do caso. Surgiu então uma nova evasiva: esperamos que os malvados britânicos nos permitam interrogá-lo no âmbito da investigação, e sem isso é impossível encontrar o mandante.

Paralelamente à investigação do assassinato de Politkovskaia, o general Petros Garibian investigava também o assassinato [cometido em 2004] de Paul Khlebnikov, editor-chefe da versão russa da revista Forbes —no qual também se buscavam rastros de Berezóvski.

Além disso, o Comitê de Investigação analisava a tentativa de assassinato, em 2006, do empresário ucraniano Guennadi Korban. E isso é algo importante. Porque os envolvidos em todos os três casos eram os mesmos. E é justamente por isso que os investigadores obtiveram dados sobre os executores do assassinato da jornalista da Novaia Gazeta.

Segunda falha: Prisões

Dois eventos coincidiram em 2007. O primeiro é que a investigação conseguiu um testemunho do ex-chefe da divisão de vigilância externa da polícia de Moscou, tenente-coronel [Dmitri] Pavliutchenkov. Ele tinha envolvimento direto no planejamento da tentativa de assassinato de Korban. Como não queria ser preso, Pavliutchenkov passou a negociar com a investigação, oferecendo informações sobre o assassinato de Politkovskaia em troca da retirada das acusações contra ele no caso de Korban.

O segundo acontecimento é que se tornou claro que, naquele outono, o Comitê de Investigação deixaria de fazer parte da estrutura da procuradoria e seria transformado em órgão independente.

Qual é a ligação? Explico.

O tenente-coronel Pavliutchenkov forneceu nomes de pessoas que poderiam ter participado do assassinato de Politkovskaia. Mas não todas. Ele se “esqueceu” de si próprio —mais tarde, ficaria claro que ele era o principal organizador do crime.

A investigação se agarrou a esse testemunho, já que não tinha mais nada. E Pavliutchenkov atingiu, de uma só vez, vários objetivos: ele “se safou” do caso Korban, entregou pessoas a quem devia muito dinheiro e conseguiu proteção estatal —algo que era vitalmente necessário, já que os credores acossavam o tempo todo o policial, viciado em jogo, e, em dezembro de 2006, quase chegaram a mandá-lo para o além.

Graças a Pavliutchenkov, os irmãos Ibraguím e Jabraíl Makhmudov entraram no campo de visão da investigação. Também se descobriu o carro que eles usaram, um Jiguli VAZ-2104 verde. Foram mencionados também os nomes do capitão Khadjikurbanov, que saiu da prisão em 2006, e do tenente-coronel do departamento do FSB em Moscou Pavel Riaguzov, que teria munido os futuros assassinos com as informações necessárias.

Pavliutchenkov também deu a entender que o matador de aluguel era um tal de Nail e que outro que poderia ter participado do crime era Lom-Ali Gaitukaiev, membro da outrora famosa organização criminosa tchetchena “Lazanskaia” que tinha sido condenado por planejar a tentativa de assassinato do empresário Korban.

Tudo isso veio à tona no início do verão de 2007.

O que a investigação devia fazer? Ordenar que os investigadores identificassem os locais de residência dos suspeitos, descobrir as conexões deles, colocá-los sob vigilância, grampear seus telefones... Em suma, realizar um conjunto de atividades muito claras e rotineiras.

Mas a Procuradoria-Geral estava muito ofendida de ser retirada da investigação. Ela queria fechar as portas com um enfático: “Fomos nós quem solucionamos o assassinato de Politkovskaia”. Foi dada a ordem: realizar prisões.

E as prisões foram feitas antes da hora. Pegaram uma dezena de pessoas do círculo dos últimos contatos dos irmãos Makhmudov, mais aquelas apontadas por Pavliutchenkov, a única testemunha naquele momento (e quem planejou, claro, o assassinato).

No final das contas, mais da metade deles teve que ser libertada com pedidos de desculpas. Foi assim que Riaguzov, o tenente-coronel do FSB, “escapou” do caso. “Escapou” também [Chamil] Buraiev, ex-chefe do distrito tchetcheno de Atchkhoi-Martanovski, que tinha sido preso ao tentar fugir de Moscou com uma grande quantia de dinheiro e que a investigação suspeitava ser um intermediário.

Devido a essa pressa, não havia provas suficientes. Os que estavam presos permaneceram em silêncio.

Mas o mais importante é que eles deixaram escapar o assassino, “Nail”, que também era da família Makhmudov: era o irmão mais velho, Rustam. Ele estava em Moscou na época, na casa de parentes. Depois das prisões, claro, ele desapareceu.

Terceira falha: Matador de aluguel

Assim, o assassino, Rustam Makhmudov, deixou Moscou com êxito. E, em seguida, o país.

O mais estranho é que esse Makhmudov já estava na lista de procurados federais por outro crime. Ele vivia em Moscou com documentos falsos, mas de altíssima qualidade.

Durante a investigação, descobriu-se que Rustam Makhmudov era um agente de Riaguzov, o tenente-coronel do FSB, que o último tinha envolvido em suas operações —os dois tinham até mesmo pegado um voo juntos para uma cidade russa.

Além disso, Makhmudov estava envolvido em uma tentativa de acobertar irregularidades de um centro comercial na Taganka, em Moscou, e devido a isso Riaguzov tinha sido submetido a uma verificação de serviço. Mas ressalto novamente: Makhmudov, naquele momento, era procurado pela polícia.

Mas ele foi até mesmo protegido, de alguma forma, da polícia de trânsito quando ela o deteve com uma carta de motorista falsa.

E os acontecimentos estranhos não param por aí.

Ao deixar Moscou, Rustam Makhmudov surgiu na Tchetchênia, onde recebeu um passaporte já com um terceiro nome, que depois usou em Stavropol para viajar ao exterior. E tudo isso ocorreu enquanto ele já era procurado pela polícia duas vezes.

Ele mandou a família para a Bélgica e foi para a Turquia. Encontrou-se com a esposa na Europa. Que matador de aluguel rico.

Isso tudo, apesar de ser de conhecimento geral que a maior parte do dinheiro a ser pago pelo assassinato de Politkovskaia não chegou aos perpetradores do crime —ela ficou com a testemunha que planejou o assassinato, Pavliutchenkov. E o mais importante: que baitas conexões tem um humilde tchetcheno!

Corro adiante com a história. Rustam Makhmudov foi preso já a tempo do segundo julgamento do caso sobre o assassinato de Anna Politkovskaia. Simplesmente o entregaram —certas figuras da Tchetchênia sopraram ao investigador: Rustam tinha voltado para casa. E deram-lhe o endereço dele.

É óbvio o motivo por que eles o entregaram: o segundo julgamento não deveria fracassar, como o primeiro. O assunto devia ser fechado e, assim, a opinião pública se acalmaria. Uma coisa é responder à pergunta “por que o assassinato de Politkovskaia não foi solucionado?” com murmúrios incompreensíveis. Outra é anunciar com alegria que “o caso foi solucionado, os assassinos estão presos e o mandante, ‘bem, estamos buscando’”.

Quarta falha: Grampo e vigilância

Relembro: a testemunha que planejou o assassinato, Pavliutchenkov mencionou o nome da autoridade do mundo do crime Lom-Ali Gaitukaiev. Aliás, Pavliutchenkov devia dinheiro também para ele. Gaitukaiev, como é comum a tchetchenos e autoridades, não disse nada nos interrogatórios, exceto quando fez requintadas troças sobre os investigadores.

Ninguém falava dele, além de Pavliutchenkov (e mesmo esse, por alto, para não se entregar). Bem, os sobrinhos não denunciariam o tio...

Portanto, Gaitukaiev também era uma testemunha no assassinato, que ele mesmo também tinha organizado. A investigação não tinha provas de seu envolvimento. Apesar de, na realidade, existirem provas de sobra disso.

Enquanto Gaitukaiev aguardava no centro de detenção devido ao julgamento da tentativa de assassinato do ucraniano Korban, o telefone dele (que não deveria estar em sua cela na prisão) estava sob grampo constante do FSB.

A atenção dos tchekistas [como são chamados de forma pejorativa os membros do FSB, já que o órgão é sucessor indireto da TcheKá] fazia sentido. Gaitukaiev também fora agente da agência havia muito tempo e teve contato com Riaguzov e sua chefia, até mesmo pegando um voo com eles anteriormente para o Cáucaso.

A investigação solicitou o grampo ao FSB. A resposta veio da [praça] Lubianka [onde fica o prédio do FSB e dos órgãos de segurança estatal da capital]: as gravações tinham sido destruídas, já que não representavam interesse operacional.

Mas elas não tinham sido destruídas. Antes do segundo julgamento —evidentemente, por meio da vontade política de alguém— a investigação as recebeu.

E foram essas escutas que se tornaram a principal evidência do caso. Elas mostraram que, mesmo quando estava na prisão, Gaitukaiev chefiava seus sobrinhos. O promotor público construiu toda uma linha com o uso dessas escutas e persuadiu o júri. Talvez tivesse sido melhor se estivessem na incumbência dada pela investigação e pelo promotor os grampos do dia 7 de outubro de 2006. Mas revelou-se que o que foi gravado no dia do assassinato de Politkovskaia tinha sido “destruído” de maneira incontornável.

Também não estava claro quem tinha seguido Anna Politkovskaia. Sim, de acordo com os faturamentos, na última semana antes do assassinato, Ibraguím e Jabraíl Makhmudov a tinham espionado, e eles também tinham levado o assassino ao prédio dela, na rua Lesnaia, e ao “ensaio” do crime, em 5 de outubro —quando o crime estava planejado para ocorrer, mas o assassino foi impedido de realizá-lo devido a uma mudança, com transporte de móveis, no prédio. Mas quem constatou o endereço de residência real e as rotas de locomoção?

O caso não responde a essas perguntas. Só mais tarde se descobriu que Anna era seguida desde meados de 2006 por funcionários de vigilância do Departamento de Assuntos Internos de Moscou, por ordem do chefe deles, Pavliutchenkov. A coordenação e a vigilância —cada um tinha um papel— foram realizadas por [Dmitri] Lebedev (vice de Pavliutchenkov), [Oleg] Chochin e outros.

Eles repassaram a Pavliutchenkov as rotas de viagem, horários e endereços de Anna, que não morava no local onde estava registrada [na Rússia, é obrigatório por lei registrar seu local de residência nos órgãos competentes]. Pavliutchenkov, por sua vez, repassou tudo aos irmãos Makhmudov, que usaram para sua vigilância o material reunido pelos profissionais.

Foi somente por meio dos esforços dos funcionários da Novaia Gazeta e dos advogados da família de Politkovskaia que o policial Pavliutchenkov se transformou de testemunha principal em acusado principal. Foi somente aí que o oficial de alta patente do departamento mais secreto da polícia entregou todos os seus subordinados. Os quais, aliás, nunca foram punidos por isso.

Outra circunstância também veio à tona. Em maio de 2006, os funcionários do FSB na cidade de Naltchik [em Cabardino-Balcária, também no Cáucaso] enviaram uma incumbência à direção do FSB em Moscou para que se realizasse todo um conjunto de medidas operacionais e de busca em relação a Anna Politkovskaia. Isso incluía não só determinar seu círculo social e realizar grampos telefônicos, mas também vigilância externa.

A investigação não buscou esclarecer: de qual a qual data foi realizada essa vigilância? Com que bases? Os tchequistas não notaram os agentes da polícia realizando vigilância externa paga por fora quanto à jornalista da Novaia Gazeta no verão de 2006? E, se notaram, a relataram?

Quinta falha: O primeiro julgamento

Dessa forma, a investigação se aproximava do primeiro julgamento, em 2009, praticamente sem nenhuma prova. O que havia era o testemunho, longe de ser completo, de Pavliutchenkov, que tentava, acima de tudo, evitar ser punido, as faturas dos irmãos Makhmudov e o carro que levou os três irmãos.

Além disso, não havia mais nada. Todos os réus se calavam. Os grampos não foram entregues ao FSB. Khadjikurbanov não servia bem para o papel de organizador principal. Não havia nenhum matador de aluguel no banco dos réus. Não estava claro quem tinha seguido a jornalista. Não estava claro onde estava a arma e como ela tinha ido parar nas mãos do assassino. O mandante e o intermediário não foram estabelecidos.

Mas o julgamento não podia ser adiado: estava prestes a expirar o prazo de detenção preventiva dos réus.

Foi determinado que o tribunal seria militar, o Tribunal Distrital de Moscou. Isto porque, além de Khadjikurbanov e de Djabraíl e Ibraguím Makhmudov, também estava no banco dos réus Riaguzov, o tenente-coronel do FSB. Verdade é que sob uma acusação adicional —de extorsão, que ele teria realizado junto com Khadjikurbanov. Isso acabou adicionando um elemento extra ao caso que, no final das contas, confundiu o júri.

A falta de força da acusação ficou clara a todos. Portanto, foi decidido que o processo não seria aberto ao público. Os jurados foram pressionados a escrever uma declaração de que temiam participar do julgamento aberto a público. Estourou um escândalo. Um dos jurados contou tudo à rádio Ekho Moskvi (eco de Moscou).

Acabaram reabrindo o julgamento no final das contas. E tudo começou a ruir. Como poderia ser diferente, se as principais testemunhas da acusação, Pavliutchenkov e Gaitukaiev, eram, na verdade, os principais organizadores do assassinato? Pavliutchenkov se confundiu no tribunal, e Gaitukaiev, com seus trejeitos, caçoou de quem presidia a seção e dos promotores.

Tudo girava em torno da figura do assassino, que ainda não tinha sido pego.

E o júri absolveu todos. Depois, na redação da Novaia Gazeta, diziam que sentiam muito: os réus eram culpados, mas não podiam colocar sentimentos no veredito.

Sexta falha: Testemunha principal

Pouco tempo depois, um tal de [Oleg] Golubovitch inesperadamente veio atrás de mim. Era um homem, digamos assim, de um fado inquieto e sombrio. Ele tinha contato muito próximo com o tenente-coronel Pavliutchenkov em casos ligados a fraudes com imóveis e certa vez trabalhou para ele como motorista.

Foi justamente ele quem levou Pavliutchenkov a uma zona industrial para buscar a arma. E, depois, para outro lugar, onde a arma foi entregue ao matador de aluguel Rustam Makhmudov. Golubovitch estava presente quando foi pago o adiantamento. Ele não estava diretamente envolvido no assassinato, mas viu, ouviu e sabia muito.

E não se pode dizer que a investigação não soubesse sobre ele. Ele foi interrogado. Mas o aconselharam fortemente a dar o testemunho “correto” —ou seja, não dizer nada sobre a “testemunha principal”, Pavliutchenkov, dando a entender que, do contrário, ele, Golubovitch, também seria implicado no caso.

Os agentes do FSB exigiram o mesmo dele. Foram eles que tentaram implicar a testemunha em circunstâncias criminosas com ladrões, o que pôs um fim aos ímpetos de Golubovitch.

Ele pediu ajuda ao jornal para fugir para o exterior com a família em troca de um testemunho completo.

Ele precisou se esconder.

Golubovitch também testemunhou em Simferopol [na Crimeia, então ucraniana] à advogada Anna Stavitskaia, que representava os interesses dos filhos de Politkovskaia. Por meio de suas declarações, ficou claro que o tenente-coronel Pavliutchenkov foi o principal organizador do crime. Também ficou mais claro o papel de Gaitukaev e Khadjikurbanov. Soube-se também que, na etapa inicial, Politkovskaia era seguida por oficiais da polícia.

Escondemos Golubovitch na Ucrânia. O investigador e os agentes do FSB que deixaram escapar a testemunha ficaram furiosos. Afinal, quando Golubovitch cometeu o erro de ligar para Moscou de seu novo número de telefone para um velho camarada, sua localização foi registrada. Nós conseguimos tirá-lo de lá e levá-lo para Kiev literalmente sob os narizes dos tchequistas. E começamos a persuadi-lo a dar seu testemunho sem esperar receber asilo político na Europa.

Em Kiev, fomos imediatamente detectados: os funcionários do Serviço de Segurança da Ucrânia [análogo do FSB no país vizinho], a pedido de seus colegas moscovitas, seguiam tanto o editor-chefe da Novaia Gazeta, como Golubovitch, de modo impertinente, sem se esconderem. O que nos salvou foi a ameaça de um escândalo: eles tiveram que chamar o investigador e prometer uma entrevista coletiva imediata.

O grupo de investigação chegou a Kiev e, na embaixada russa, Golubovitch deu seu testemunho oficial. Depois, sob nossas garantias, repetiu-o em Moscou com uma visita ao local onde as armas haviam sido repassadas.

É tudo. Pavliutchenkov deixou de ser a principal testemunha e se tornou o acusado. E, para reduzir a própria sentença, pediu um acordo à investigação.

Sétima falha: Acordo

Pavliutchenkov confessou e pôs-se a falar. Vieram à tona detalhes e pormenores que estavam faltando no primeiro julgamento. O FSB “encontrou” os grampos (exceto as gravações feitas em 7 de outubro de 2006, o dia do assassinato). Foram interrogados os policiais vigilantes. O matador de aluguel foi preso. Surgiram novas testemunhas. E o segundo julgamento terminou em 2014 com um veredito de condenação. Foi decretada prisão perpétua a Gaitukaiev e Rustam Makhmudov.

Pavliutchenkov foi julgado por meio de um regime especial. O acordo não foi rompido, mesmo ele não tendo cumprido a principal condição: dizer quem era o mandante.

Pavliutchenkov não foi muito pressionado quanto a isso. Os motivos são claros. Um dos chefes de um departamento secreto da polícia recebia frequentemente ordens de vigilância não oficiais e havia pessoas em altos cargos que não tinham interesse em ter seus nomes vindo à tona nas atas dos interrogatórios.

Mas estou mentindo. Pavliutchenkov deu o nome do “mandante”. Em sua “opinião”, era Berezovski.

O círculo se fechou.

Nem após o veredito houve investigação.

Eis que se passaram 15 anos do dia do assassinato. Isso significa que o mandante, mesmo que seja revelado, não será punido se o tribunal não decidir de outra forma, já que ele pode revogar o “prazo de prescrição” —e ele terá prescrito. A investigação procrastinou o quanto pôde até esta data, já que o mandante é a política. E, a que tudo indica, a grande política.

E assim sendo, estou pessoalmente convencido de que se sabe quem é o mandante. Simplesmente lhe concederam indulgência.

É exatamente o mesmo que ocorrerá depois com o caso do assassinato de Boris Nemtsov: os perpetradores serão entregues, a opinião pública se tranquilizará e ninguém buscará o mandante. E por que buscá-lo, se todos “que precisam” já sabem quem é ele?

A Novaia Gazeta não é a perícia ou o tribunal; só uma coisa está a nosso alcance: garantir que todos saibam o nome do mandante. Não concedemos indultos.

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