Assolada pela emergência climática com intensidade maior que a dos demais continentes, a África registrou em 2020 o terceiro ano mais quente da região. A temperatura média do ar subiu entre 0,45°C e 0,86°C em relação a 2010, e o aquecimento intensificou a insegurança alimentar e a crise socioeconômica.
Relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicado nesta segunda (18) desenhou as principais consequências: se seguir assim, em dez anos o continente terá 118 milhões de pessoas —cerca de 10% dos habitantes— em situação de extrema pobreza expostas aos eventos extremos, e o PIB será reduzido em 3% até 2050.
Ainda que seja responsável por menos de 4% das emissões de carbono, a África vê as temperaturas médias se aquecerem mais rapidamente que a média global, concluiu o material. A exposição cada vez maior dos habitantes a eventos extremos, como secas, inundações e ondas de calor, vai “colocar um fardo adicional sobre a pobreza e os esforços de mitigação, o que dificulta o crescimento”, diz o texto.
O índice de insegurança alimentar, ou seja, a ausência de condições que assegurem o acesso da população a alimentos para inibir a ocorrência da fome, aumenta de 5% a 20% a cada inundação ou seca nos 47 países da África Subsaariana, de acordo com os cálculos da OMM.
Em um cenário sem moradia e comida, o problema ganha um novo desdobramento: a migração. Dos novos deslocamentos populacionais em todo o mundo, 12% ocorrem no leste africano e na região conhecida como Chifre da África e, nesses locais, a migração de ao menos 1,2 milhão de pessoas se deu por razões climáticas.
Inundações e tempestades foram os eventos que mais contribuíram para os deslocamentos, seguidas por secas. O Sudão e o Quênia são os dois maiores exemplos: no primeiro, 800 mil pessoas foram afetadas, e, no segundo, 900 mil. Os números contabilizam impactos diretos, mas há também efeitos indiretos, como doenças.
O aquecimento global deve ainda impactar as geleiras africanas que, embora não tenham importância significativa como reservatórios de água, são importantes regiões turísticas e de pesquisa.
Segundo o relatório, as últimas três montanhas do continente cobertas por geleiras (os montes Quênia, Ruwenzori e Kilimanjaro) já possuem menos de 20% de seu volume de gelo inicial e serão descongeladas dentro de 20 anos —no caso do monte Quênia, o descongelamento aconteceria uma década antes, em 2030, devido às mudanças climáticas.
Implementar adaptações à crise do clima é a tarefa mais urgente na região, destacou o documento. Para isso, novos impactos econômicos: na África Subsaariana, os custos da adaptação necessária são estimados entre US$ 30 bilhões e US$ 50 bilhões (R$ 167 bi a R$ 279 bi), o que equivale a 3% do valor regional do PIB a cada ano ao longo da próxima década, mostram as projeções.
“O desenvolvimento resiliente ao clima na África requer investimentos em infraestrutura hidrometeorológica e em sistemas de alerta para se preparar para eventos perigosos de alto impacto”, descreve o relatório.
Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) em países como Etiópia, Maláui, Mali, Níger e Tanzânia mostrou que ampliar o acesso aos sistemas de alerta precoce —como mensagens de texto para informar agricultores sobre quando plantar, irrigar e fertilizar, de acordo com previsões do clima— pode reduzir a chance de insegurança alimentar em 30 pontos percentuais.
O desafio vai além do montante econômico, já que a África é um dos continentes com menor volume de produção científica sobre os impactos da emergência climática, o que dificulta a destinação de fluxos financeiros para a adaptação, como mostrou pesquisa recente publicada na revista Nature.
Nos últimos 50 anos, ainda segundo dados da OMM, a África registrou 1.672 desastres climáticos, ficando atrás apenas da Ásia (3.454) e das Américas do Norte e Central (1.977). Como consequência direta, mais de 731 mil pessoas morreram. Neste período, a frequência dos eventos extremos aumentou cinco vezes na Terra.
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