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Morre aos 84 Colin Powell, 1º secretário de Estado negro dos EUA

Militar que ajudou a definir política externa americana faleceu devido a complicações decorrentes da Covid

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BAURU (SP)

Colin Powell, primeiro negro a ser secretário de Estado nos EUA e ex-chefe do Estado-Maior Conjunto, morreu na manhã desta segunda-feira (18) devido a complicações decorrentes da Covid-19, segundo mensagem da família do militar publicada no Facebook. Aos 84 anos, deixa a esposa, Alma, três filhos e quatro netos.

No comunicado, os parentes do militar informam também que Powell estava completamente vacinado contra a doença e agradecem à equipe médica do hospital militar Walter Reed. "Perdemos um inesquecível e amoroso marido, pai, avô e um grande americano."​

Nenhuma vacina tem 100% de eficácia contra a Covid-19, assim como acontece com qualquer outra doença ou tratamento de saúde. Em geral, a proteção do imunizante é maior para impedir quadros graves, hospitalizações e mortes, mas pode ser consideravelmente menor para a transmissão ou infecção assintomática. Assim, mesmo indivíduos vacinados podem contrair o vírus, adoecer e morrer, embora em frequência muito menor do que os não vacinados.

Segundo uma porta-voz da família, Powell estava sob tratamento para mieloma múltiplo, um tipo de câncer que tem início na medula óssea, o que pode ter enfraquecido seu sistema imunológico. Na noite desta segunda, reportagem do jornal The Washington Post informou que, numa entrevista em julho ao jornalista Bob Woodward, o militar ainda disse ter Parkinson.

O ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell durante evento na Casa Branca, em Washington
O ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell durante evento na Casa Branca, em Washington - Jim Watson - 18.jul.11/AFP

"Não sinta pena de mim, pelo amor de Deus! Não perdi um dia de vida lutando contra essas duas doenças [mieloma e Parkinson], estou em boa forma", disse. Em 2003, ele também foi submetido a uma cirurgia para remoção de um tumor na próstata.

Filho de imigrantes jamaicanos, Colin Luther Powell nasceu em 5 de abril de 1937, no Harlem, bairro historicamente habitado pela comunidade negra de Nova York. Ele ingressou no Exército em 1958, aos 21 anos —dez anos depois do decreto presidencial que encerrou o período de segregação racial nas Forças Armadas.

Serviu na Alemanha, na Coreia do Sul e em duas missões no Vietnã na década de 1960, durante as quais foi ferido em duas ocasiões: um acidente de helicóptero em que resgatou dois soldados e ao cair em uma armadilha conhecida como "estaca punji".

Powell foi uma das figuras negras mais importantes dos EUA em décadas. Ele foi nomeado para cargos importantes por três presidentes republicanos, nos quais ajudou a moldar os rumos da política externa americana. Ele foi o idealizador da "Doutrina Powell", segundo a qual a guerra deve ser o último recurso, mas, quando utilizada, a força deve ser esmagadora; e intervenções militares americanas só devem ocorrer quando há expressivo apoio da opinião pública e uma estratégia clara de retirada.

Durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989), Powell foi conselheiro de Segurança Nacional por dois anos no final da Guerra Fria, ajudando a negociar tratados de armas e uma era de cooperação com o então líder soviético, Mikhail Gorbatchov.

Como general de quatro estrelas, foi chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas —o mais jovem e também o primeiro negro no cargo— no governo de George H. W. Bush (1989-1993). O período incluiu a Guerra do Golfo, em 1991, na qual as forças lideradas pelos EUA expulsaram tropas iraquianas do Kuwait. Dois anos depois, em 1993, ele se aposentou do Exército.

Mais tarde, em 2001, serviu como secretário de Estado de George W. Bush, o que, à época, o tornou o afro-americano com o maior cargo no alto escalão do governo americano. Na linha de sucessão presidencial, ele ocupava a quarta posição.

"Acho que isso mostra ao mundo o que é possível neste país", disse Powell, diante dos senadores durante a audiência de confirmação de sua indicação ao cargo. "Se vocês acreditam nos valores que defendem, podem ver coisas tão milagrosas quanto eu sentado diante de vocês para receber essa aprovação." Na ocasião, sua nomeação foi aprovada com unanimidade pelo Senado.

Powell também era frequentemente mencionado por uma apresentação controversa em 5 de fevereiro de 2003, durante reunião do Conselho de Segurança da ONU.

Na ocasião, o então chefe da diplomacia americana argumentou a favor das afirmações de Bush segundo as quais o ditador iraquiano Saddam Hussein (1937-2006) constituía um perigo iminente para o mundo devido aos seus supostos estoques de armas químicas e biológicas.

"Deixar Saddam Hussein na posse de armas de destruição em massa por mais alguns meses ou anos não é uma opção, não em um mundo pós-11 de Setembro'', disse Powell. A invasão ocorreu seis semanas depois, mas nenhuma dessas armas foi encontrada, minando a credibilidade americana por anos.

Powell reconheceu mais tarde que a apresentação estava repleta de imprecisões e informações distorcidas fornecidas por membros do governo Bush. Para ele, o episódio representou "uma mancha" que sempre faria parte do seu histórico. Em janeiro de 2005, depois da reeleição de Bush, ele deixou o cargo, assumido por Condoleezza Rice.

Em um livro de memórias publicado em 2012, disse ter ficado bravo consigo mesmo por seus instintos não terem percebido o problema do relatório sobre as supostas armas de Hussein. "Não foi de forma alguma o primeiro, mas foi um dos meus fracassos mais importantes, aquele com o impacto mais amplo. O evento ganhará um parágrafo de destaque em meu obituário", escreveu Powell.

Republicano moderado e pragmático, Powell recebeu um convite para tentar se tornar o primeiro presidente negro dos EUA em 1996, mas as preocupações com sua segurança, expressas principalmente por sua esposa, Alma, e a falta de "paixão" pela política eleitoral o fizeram rejeitar a proposta, depois de ter, inclusive, escrito o discurso em que anunciaria a candidatura.

"Tal vida requer um chamado que ainda não ouço", disse Powell a jornalistas, em 1995. "E, para mim, fingir outra coisa não seria honesto comigo mesmo e não seria honesto com o povo americano." No pleito do ano seguinte, ele apoiou o republicano Bob Dole, que acabou derrotado por Bill Clinton, democrata que buscava a reeleição.

À época, sua popularidade estava em alta devido ao sucesso da investida militar no Golfo. Pesquisas de opinião apontavam que mais de 70% dos americanos o viam de forma positiva, e Powell recebeu algumas das maiores honras possíveis no país, como a Medalha de Ouro do Congresso e a Medalha Presidencial da Liberdade, a qual ele recebeu duas vezes, de Bush pai (1991) e de Clinton (1993).

Em 2000, foi novamente cotado como um candidato do Partido Republicano à Presidência, mas, em vez disso, declarou seu apoio a Bush, argumentando que o então governador do Texas ajudaria a reduzir as tensões raciais nos EUA.

Em uma entrevista ao jornal americano The New York Times em 2007, o militar se descreveu como um "solucionador de problemas", alguém que "tem opiniões, mas não é um ideólogo; tem paixão, mas não é fanático".

Em 2008, ele rompeu com seu partido para apoiar o democrata Barack Obama, que se tornou o primeiro afro-americano eleito para a Casa Branca. Na ocasião, seu endosso à candidatura de Obama representou um impulso significativo, já que Powell era um dos homens negros mais bem-sucedidos do país.

Como principal oficial militar dos EUA, se opôs a permitir que pessoas abertamente homossexuais servissem nas Forças Armadas, mas mudou sua visão em 2010, depois que Obama se tornou o primeiro presidente a endossar a união homoafetiva.

Desde 2005, quando deixou o Departamento de Estado, Powell se dedicava ao trabalho de consultor estratégico na empresa de capital de risco Kleiner Perkins. Embora na iniciativa privada, não deixou de manifestar suas opiniões políticas e seu apoio ou rejeição a candidatos envolvidos na disputa pela Casa Branca.

Além de ter apoiado Obama em 2008 e em 2012, elogiando a capacidade do democrata em inspirar e a "natureza inclusiva de sua campanha", Powell manteve o rompimento com os republicanos ao declarar voto em Hillary Clinton na eleição de 2016. Donald Trump, que acabou vencendo a disputa naquele ano, era, para Powell, "uma desgraça nacional e um pária internacional".

No ano passado, em meio às alegações infundadas de fraude eleitoral, o ex-secretário de Estado acusou Trump de ter se afastado da Constituição americana e discursou a favor de Joe Biden durante a Convenção Nacional Democrata.

Em janeiro, depois que uma multidão insuflada por Trump invadiu o Capitólio, em episódio que é considerado uma das maiores ameaças da história à democracia dos EUA, Powell afirmou, em entrevista à CNN, que já não se considerava um republicano e estava apenas assistindo aos eventos do país a que serviu por quase meio século.


Repercussão

"Ele acreditou na promessa da América porque a viveu. E ele dedicou grande parte de sua vida para tornar essa promessa uma realidade para tantas outras pessoas. Colin personificava os mais elevados ideais de guerreiro e diplomata. Ele estava comprometido com a força e a segurança de nossa nação acima de tudo. Sou eternamente grato por seu apoio à minha candidatura à Presidência e por nossa batalha compartilhada pela alma da nação. Sentirei falta de poder invocar sua sabedoria no futuro. Colin Powell era um bom homem. Ele será lembrado como um dos nossos grandes americanos."

JOE BIDEN, presidente dos EUA

"O general Powell foi um soldado exemplar e um patriota exemplar. Ele estava no centro de alguns dos eventos mais importantes de nossas vidas. E embora ele fosse o primeiro a reconhecer que não acertou todas, suas ações refletiram o que ele acreditava ser o melhor para a América e para as pessoas que ele serviu. Ao longo do caminho, o general Powell ajudou uma geração de jovens a ter mais objetivos. Ele nunca negou o papel que a raça desempenhou em sua própria vida e em nossa sociedade de forma mais ampla. Mas ele também se recusou a aceitar que a raça limitaria seus sonhos, e, por meio de sua liderança firme e baseada em princípios, ajudou a pavimentar o caminho para muitos que o seguiriam."

BARACK OBAMA, ex-presidente dos EUA (2009-2017)

"Ele foi um grande servidor público, começando como soldado durante [a guerra do] Vietnã. Muitos presidentes confiaram nos conselhos e na experiência do general Powell. Ele era tão favorito dos presidentes que ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade —duas vezes. Era muito respeitado em casa e no exterior. E o mais importante, Colin era um homem de família e um amigo."

GEORGE W. BUSH, ex-presidente dos EUA (2001-2009)

"Ele viveu a promessa da América e passou a vida inteira trabalhando para ajudar nosso país, especialmente nossos jovens, a viver de acordo com seus próprios ideais e nobres aspirações em casa e em todo o mundo".

BILL CLINTON, ex-presidente dos EUA (1993-2001)

"Um verdadeiro patriota e servidor público, tivemos a honra de trabalhar ao lado dele para fortalecer as comunidades nos Estados Unidos, ajudar a resolver conflitos no Haiti e observar as eleições na Jamaica. Sua coragem e integridade serão uma inspiração para gerações que estão por vir."

JIMMY CARTER, ex-presidente dos EUA (1977-1981)

"Colin Powell dedicou sua vida extraordinária ao serviço público porque nunca deixou de acreditar na América. E nós acreditamos na América em grande parte porque ajudou a produzir alguém como Colin Powell.”

ANTONY BLINKEN, secretário de Estado dos EUA

"O mundo perdeu um dos maiores líderes que já testemunhamos. Ele tem sido meu mentor por vários anos. Ele sempre arranjou tempo para mim, e eu sempre poderia ir até ele para questões difíceis. Ele sempre teve ótimos conselhos."

LLOYD AUSTIN, secretário de Defesa dos EUA, primeiro negro no cargo

"Seu serviço à nossa nação era lendário em muitas frentes. O general Powell se preocupava profundamente com os homens e as mulheres do Departamento de Estado. Ele é conhecido como um grande líder militar, com razão, mas também tinha uma paixão por diplomacia e os benefícios de evitar a guerra estabilizando regiões problemáticas. Os homens e as mulheres do serviço estrangeiro nunca tiveram um campeão melhor."

LINDSEY GRAHAM, senador republicano pela Carolina do Sul

"Embora tenhamos crescido em contextos diferentes, nos unimos em razão das histórias de imigrantes de nossas famílias, nosso profundo amor pela América e nossa crença na importância do serviço público. Ele era um homem sábio e de princípios, um amigo leal e uma das pessoas mais gentis que já conheci. Sou uma pessoa melhor por tê-lo conhecido, e a América é um lugar melhor por causa dele."

MADELEINE ALBRIGHT, ex-secretária de Estado dos EUA no governo Clinton, primeira mulher no cargo

"Colin foi uma figura de destaque na liderança militar e política americana ao longo de muitos anos, alguém de imensa capacidade e integridade, uma personalidade extremamente agradável e calorosa e um grande companheiro, com um senso de humor adorável e autodepreciativo."

TONY BLAIR, ex-primeiro-ministro do Reino Unido

"Embora discordássemos em muitas questões, sempre o respeitei e tive orgulho de suas conquistas. Quando nos encontramos e conversamos, sempre saí sentindo que ele era um homem sincero e comprometido com aquilo em que acreditava. Descanse em paz."

AL SHARPTON, reverendo e ativista de direitos civis nos EUA

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