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Presidente do Peru troca primeiro-ministro em busca de governabilidade

Desgastado, nome ligado a ala radical do partido deixa cargo e dá lugar a advogada de centro-esquerda; outros seis nomes também são trocados

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São Paulo e Buenos Aires

Dois meses depois de ter assumido a Presidência do Peru e um mês após ter enfrentado uma maratona para que o Congresso aprovasse sua equipe ministerial, Pedro Castillo anunciou em uma surpreendente mensagem nesta quarta (6) a renúncia de seu primeiro-ministro, além de mudanças pontuais no gabinete.​

“Informo ao país que no dia de hoje aceitamos a renúncia do presidente do Conselho de Ministros [equivalente ao cargo de premiê], Guido Bellido Ugarte, a quem agradeço pelos serviços prestados”, afirmou o presidente, em pronunciamento de cerca de três minutos transmitido pela TV estatal.

Presidente do Peru, Pedro Castillo, após nomear Guido Bellido (esq.) como seu primeiro-ministro, durante um evento no Santuário Histórico Pampas de Ayacucho, em Ayacucho, Peru
Presidente do Peru, Pedro Castillo (de chapéu), após nomear Guido Bellido como seu primeiro-ministro, durante evento no Santuário Histórico Pampas de Ayacucho, em Ayacucho, Peru - Angela Ponce - 29.jul.21/Reuters

O mandatário peruano se limitou a dizer ter decidido "tomar algumas decisões em favor da governabilidade" e reiterou seu pedido a setores econômicos, políticos e sociais para a “mais ampla unidade para alcançar objetivos comuns”, como a reativação da economia peruana. “É um momento de colocar o Peru acima de toda ideologia e posições partidárias.”

Em entrevista coletiva, Bellido deixou claro ter saído do governo a pedido de Castillo. "Não sabemos quais foram os motivos. Hoje o presidente solicitou que eu apresentasse a carta de renúncia, e imediatamente cumpri esse pedido." No documento, divulgado pela imprensa peruana, ele já havia indicado que seu desembarque havia sido uma solicitação do mandatário.

O agora ex-premiê também afirmou que Castillo "toma a decisão de acordo com seu critério político". "Não tivemos nenhuma discrepância com o presidente. Ontem estávamos debatendo diferentes temas", disse.

Já à noite, foi anunciado o nome da sucessora de Bellido: Mirtha Vásquez. Ex-presidente do Congresso e nascida em Cajamarca, região natal de Castillo, a advogada especializada em direitos humanos chegou a ser cotada para ocupar a Presidência interinamente em meio a uma crise política recente.

Ao longo do dia, seu nome, ligado à centro-esquerda, foi citado pela imprensa peruana para substituir o premiê, que pertence à ala mais radical do Perú Libre, partido do presidente.

Ela fez o juramento como primeira-ministra em uma cerimônia na qual foram apresentadas outras seis mudanças no gabinete —as pastas da Educação, do Interior, da Cultura, do Trabalho, da Produção e de Minas e Energia terão novos titulares. Os demais nomes da equipe foram preservados pelo mandatário.

Um deles foi o ministro da Economia, Pedro Francke. Apesar de ter sido o coordenador da campanha de Castillo na área, ele nunca agradou a ala radical do Perú Libre. O líder do partido, Vladimir Cerrón, o vê como um visitante e o chama de "esquerda caviar".

Tido como um nome moderado do gabinete, Francke defende que o país siga um modelo econômico de centro-esquerda, ao estilo do que a Frente Ampla uruguaia implantou quando esteve no poder. Ele já repetiu que, sob Castillo, haverá "separação clara" entre o governo e a gestão do Perú Libre.

Outro nome mantido foi o do chanceler Oscar Maúrtua, com quem Bellido teve desgastes devido à relação com a Venezuela. Castillo vem evitando expressar apoio a Nicolás Maduro e a deixar o Grupo de Lima.

A nova composição do ministério —com cinco mulheres, contra duas da anterior— terá que receber a moção de confiança do Congresso. O gabinete que tinha Bellido à frente passou por esse processo no fim de agosto, na primeira prova de fogo para o presidente esquerdista. Na ocasião, foram necessárias duas longas sessões, uma de 12 horas e outra de 6, para o Congresso peruano aprovar os nomes, em meio a um ambiente tenso, com manifestantes pró e antigoverno em atos do lado de fora da sede do Legislativo.

Figura mais polêmica do gabinete, o agora ex-premiê era um dos principais pontos de tensão do governo, que sofre com índices baixos de aprovação apesar de estar ainda em seu início. Alvo de críticas desde a nomeação, ele responde a um processo por apologia do terrorismo e já deu declarações em defesa do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso. Também está envolvido em uma ação que ficou conhecida como "Dinâmicos do Centro", junto com o presidente do Perú Libre. O caso está ligado a uma acusação de lavagem de dinheiro da época em que Cerrón era governador de Junín.

A acusação, de 2019, mira o Departamento de Transportes da província peruana, de onde, segundo a Procuradoria, dinheiro teria sido desviado para a campanha de Castillo. Como a denúncia ficou congelada até próximo das eleições, Bellido disse que se tratava de perseguição de cunho político, e Cerrón, que o processo é um "linchamento midiático-jurídico". O novo titular do Ministério do Interior, Luis Barranzuela, é advogado do presidente do Perú Libre neste caso.

Na época da nomeação do gabinete, houve reações fortes, como a de Javier Padilla, do Renovação Popular. "Não podemos deixar passar as sérias acusações que turvam esse governo. Não se trata de desmerecer os nomes, mas de colocar pessoas adequadas nos cargos adequados, de acordo com seu perfil profissional e com qualidade moral e técnica."

As tensões seguiram após a aprovação da equipe ministerial. Há uma semana, o então premiê passou​ a protagonizar enfrentamentos verbais com o Parlamento, desde que a Casa questionou o titular do Trabalho, Iber Maraví, por sua suposta participação em atos terroristas realizados pelo Sendero Luminoso.

Os parlamentares chegaram a elaborar uma moção de censura, que seria apresentada ainda nesta semana. Bellido e Castillo vinham negando a implicação do ministro nas ações. Maraví também foi um dos substituídos na reforma desta quarta. Em seu lugar assume Betssy Chávez, parlamentar de centro-esquerda da coalizão governista.

A presidente do Congresso, a opositora María del Carmen Alva, expressou satisfação pela renúncia do primeiro-ministro. “Após vários dias de incerteza desnecessária e de ministros questionados, saudamos a decisão do presidente Castillo de mudar seu gabinete ministerial”, escreveu em rede social. “O Congresso tem a maior disposição para o diálogo e para a governabilidade."

O fato de a mudança ter removido de um posto-chave do governo um nome mais à esquerda, porém, desagradou a liderança do Perú Libre. Ao final da cerimônia de juramento, o porta-voz do partido e irmão de Vladimir Cerrón, Waldemar, afirmou que a legenda não apoiará o novo gabinete ministerial e que houve uma "traição de quem foi eleito para representar o povo".

"A bancada do Perú Libre no Congresso não respalda esse gabinete", disse. Ele acrescentou que haverá, nesta quinta-feira (9), uma reunião de emergência para definir a posição do bloco.

A relação entre o Legislativo e o Executivo já vinha instável, mas a situação se agravou com a morte na prisão de Abimael Guzmán, octogenário líder do Sendero Luminoso. Parlamentares direitistas atribuem certa simpatia do governo de Castillo ao grupo guerrilheiro, o que o mandatário nega.

Em meio a essa tensa situação, Bellido voltará ao Congresso para exercer suas funções como parlamentar eleito pelo Perú Libre. Na Casa, o partido é dono da maior bancada, com 37 parlamentares, mas não possui maioria. A segunda maior legenda é o direitista Ação Popular, com 24 cadeiras. O ex-premiê integra a ala mais radical da sigla marxista-leninista que chegou à Presidência de maneira surpreendente. Em um segundo turno apertado, Castillo venceu a direitista Keiko Fujimori com 50,12% dos votos válidos.

Sua eleição ocorreu após um período de forte instabilidade política —ele é o quinto nome a ocupar o cargo desde 2018. O caminho entre o dia do pleito e o anúncio oficial do resultado também foi tortuoso. Foram mais de 40 dias de uma contagem de votos marcada pela tensão e pelas ameaças de Keiko de não reconhecer a derrota, alegando fraude.

A chegada de Castillo ao poder tampouco aquietou o cenário. A três dias da posse, por exemplo, o general César Astudillo renunciou ao cargo de chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas do Peru. De acordo com fontes militares, o general solicitou sua aposentadoria alegando "motivos pessoais".

Já após cerca de três semanas do início do seu mandato, o esquerdista ganhou o título de líder com menor aprovação popular para o início da gestão no país nos últimos 20 anos. De acordo com levantamento realizado pelo instituto Ipsos para o jornal El Comercio, o presidente tinha 38% de apoio entre os peruanos. Seu índice de rejeição era de 45%, e 17% dos entrevistados não opinaram.

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