Descrição de chapéu oriente médio

Vândalos antifeministas de Israel desfiguram imagens de mulheres nas ruas

Judeus ultraortodoxos são suspeitos de atos contra representação feminina que se assemelham aos cometidos pelo Talibã

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BAURU (SP)

Retratos de mulheres em lugares públicos de Israel têm sido alvos de atos de vandalismo praticados por religiosos extremistas. A prática gera comparações entre uma parcela dos judeus ultraortodoxos responsabilizada pelos crimes e o Talibã, grupo fundamentalista islâmico que retomou o poder no Afeganistão e impôs regras particularmente prejudiciais às mulheres do país.

"Isto não é Cabul [capital do Afeganistão], é Jerusalém", disse Fleur Hassan-Nahoum, vice-prefeita da cidade israelense, em entrevista à agência de notícias Associated Press. "Está é uma campanha organizada por radicais para tirar as mulheres do espaço público, que pertence a todos nós."

O alvo mais recente foi um retrato de Peggy Parnass, 94, parte de uma série de fotos de mais de 400 sobreviventes do Holocausto expostas do lado de fora da Prefeitura de Jerusalém.

Peggy Parnass, 94, durante funeral de outra sobrevivente do Holocausto em Hamburgo, na Alemanha - Jonas Walzberg - 18.jul.21/AFP

A comparação com o Talibã, apesar de possuir escalas diferentes, não é absurda. Na primeira vez em que estiveram no poder, entre 1996 e 2001, os extremistas afegãos proibiram mulheres e meninas mais velhas de estudar e de trabalhar. Desta vez, o grupo tem tentado emplacar a narrativa de que será mais moderado, mas, na prática, a repressão e discriminação por gênero continua sendo uma realidade no país.

Quando retomaram o controle de Cabul, muitos moradores da capital afegã correram para cobrir as imagens de rostos femininos das fachadas de salões de beleza, por exemplo, por medo de retaliação.

Em Israel, desde abril, quando a exposição foi aberta, o retrato de Parnass foi vandalizado cinco vezes: seus olhos e sua boca foram pichados com tinta em spray. Em todas as ocasiões, a imagem foi restaurada, e a senhora de cabelos vermelhos voltou a aparecer sorridente diante da Cidade Antiga de Jerusalém, região onde há vários espaços sagrados para judeus, cristãos e muçulmanos.

Para o curador da mostra, a solução de curto prazo revela um padrão doloroso: a ameaça não vem de fora das fronteiras de Israel, mas de dentro. "Não é antissemitismo, é antifeminismo", disse Jim Hollander.

Segundo ele, a imagem de Parnass foi escolhida para a marquise da prefeitura por projetar "vitalidade, perseverança e sobrevivência" num ponto de Jerusalém onde circulam milhares de pessoas todos os dias.

Retratos vandalizados de Peggy Parnass, sobrevivente do Holocausto, na Prefeitura de Jerusalém
Retratos vandalizados de Peggy Parnass, sobrevivente do Holocausto, na Prefeitura de Jerusalém - @nirhasson no Twitter

Não está claro por que o retrato de Parnass virou alvo, mas há suspeitas de que a escolha se deve à sua localização. Ele está exposto ao lado de uma rua no limite de um bairro de judeus ultraortodoxos que também é uma passagem popular para o Muro das Lamentações na Cidade Velha.

Esse grupo religioso, que, na prática, impõe uma série de restrições à liberdade das mulheres, é considerado suspeito pelos atos de vandalismo. Em 2019, milhares de jovens ultraortodoxos chegaram a atacar um grupo de mulheres que defende a igualdade do direito a rezar no Muro, um dos locais mais sagrados para a tradição religiosa do judaísmo.

Os judeus ultraortodoxos representam cerca de 12,6% da população israelense e, segundo o Instituto de Democracia de Israel, sua comunidade, que já é maioria entre os judeus do país, está crescendo mais rapidamente do que a de outros grupos religiosos.

Gilad Malach, analista do instituto, explicou à Associated Press, no entanto, que há uma diferença fundamental entre o judaísmo ultraortodoxo mais pragmático e o grupo suspeito de vandalizar os retratos de mulheres. "Em geral, eles sabem que o mundo exterior está funcionando de uma maneira diferente e sabem que, em algumas situações, precisam cooperar com isso."

Nas redes sociais, mulheres articulam formas de resistência. Foi criado, por exemplo, o Banco de Fotos da Vida Judaica, coleção de imagens "positivas" de mulheres ortodoxas. Segundo a idealizadora do projeto, o objetivo é dar visibilidade a imagens de mulheres que sejam consideradas aceitáveis para o público ortodoxo e mais bem compreendidas por quem está fora desse círculo.

"Se você não vê as mulheres, não ouve suas necessidades, e suas necessidades não são atendidas", disse Shoshanna Keats Jaskoll, 46.

Iniciativas como essa, no entanto, não detiveram a onda de vandalismo. O Centro de Ação Religiosa de Israel (IRAC, na sigla em inglês), entidade que defende direitos civis "com base na lei israelense e na tradição judaica", fez um levantamento de ações contra imagens de mulheres nos últimos cinco anos e entrou na Justiça para obrigar a cidade de Jerusalém a agir mais ativamente para reprimir a prática.

A prefeitura afirma que está engajada na "aplicação massiva, eficaz e focada" dos estatutos da cidade contra o vandalismo, mas reconhece a dificuldade de identificar e processar os responsáveis. Para Ori Narov, advogado do IRAC, a omissão ou incapacidade do Estado em reprimir atos contra mulheres passam a impressão de que "eles continuam inventando desculpas".

Keren-Or Peled, sobrinha de Parnass, vive em Israel e viajou a Jerusalém quando o retrato da tia foi vandalizado pela terceira vez. "Eles pintam a foto repetidamente porque você é uma mulher. Uma mulher de 94 anos bonita, forte e confiante", escreveu Peled em um artigo publicado no portal israelense Haaretz.

Em um comunicado publicado em seu site, a Rede de Mulheres de Israel (IWN, na sigla em inglês) descreve o vandalismo como chocante, mas nada surpreendente.

"A realidade é que a destruição de imagens de mulheres na esfera pública em Israel ocorre diariamente em todo o país", escreveu o coletivo, destacando outros casos semelhantes ao de Parnass. “Como mulheres, estamos todas magoadas, todas as mulheres e meninas que veem as imagens desfiguradas e internalizam a mensagem sobre seu lugar no espaço público."

Até figuras que, em tese, são motivo de orgulho para a população israelense sofreram resistência de religiosos extremistas, como enfermeiras de um hospital que tratavam pacientes com coronavírus e a ginasta Linoy Ashram, medalhista de ouro nas Olimpíadas de Tóquio. As ações contra representações femininas inclui entre os alvos jogadoras de futebol, musicistas, celebridades e até líderes mundiais.

Em 2015, por exemplo, um jornal ultraortodoxo apagou digitalmente a foto da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, durante uma marcha em Paris. Anne Hidalgo, prefeita da capital francesa, e Federica Mogherini, então chefe da diplomacia da União Europeia, também foram excluídas da imagem.

No mesmo ano, a celebridade Kim Kardashian foi borrada em uma imagem em que aparecia com o então marido, o cantor Kanye West, e o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat. Na ocasião, o editor do site ultraortodoxo justificou a remoção de Kardashian alegando que ela é um "símbolo pornográfico" que contradiz os valores de sua comunidade religiosa.

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