Descrição de chapéu Financial Times Ásia Evergrande

Xi Jinping aposta na turbulência econômica para consolidar seu legado

Líder chinês vê crises da Evergrande e energética como oportunidades para promover reformas difíceis

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Tom Mitchell
Singapura | Financial Times

O líder chinês, Xi Jinping, parece estar navegando rumo a uma tempestade econômica que ele próprio criou, com uma das maiores incorporadoras imobiliárias chinesas prestes a quebrar e empresas manufatureiras em todo o país enfrentando escassez energética.

Porém, tirando algumas correções pequenas de direção, analistas e assessores governamentais preveem que Xi vai aproveitar algo que ele descreveu como uma “janela de oportunidade” para levar adiante reformas estruturais difíceis.

Se for bem-sucedida, será a mais recente em uma longa série de apostas políticas ousadas –desde a eliminação dos limites aos mandatos presidenciais até a promoção da meta da “prosperidade comum”—que fizeram de Xi o líder chinês mais temido desde Mao Tse-tung e que o posicionaram para iniciar um inusitado terceiro mandato no poder no 20º congresso do Partido Comunista, no final de 2022.

O líder chinês, Xi Jinping, durante cerimônia em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, durante cerimônia em Pequim - Jason Lee - 14.mai.19/Reuters

A prosperidade comum é um objetivo especialmente arriscado, na medida em que a determinação de Xi em conter os preços de imóveis e reduzir a desigualdade de renda pode causar mais mal do que bem à segunda maior economia do mundo.

“Xi está se aquecendo para o congresso”, diz Henry Gao, sinólogo e professor de direito na Singapore Management University. “Quer que as pessoas se lembrem dele por muitas coisas, mas especialmente por alcançar a prosperidade comum. Seus predecessores embarcaram a China no trem do desenvolvimento econômico rápido, mas não fizeram muito pela prosperidade comum.”

Na semana que vem, o Escritório Nacional de Estatísticas chinês divulgará a estimativa de crescimento econômico do terceiro trimestre e outros indicadores econômicos importantes. Os dados fornecerão o melhor indício do impacto provocado pela crise da Evergrande —a segunda maior incorporadora imobiliária da China, com passivo de mais de US$ 300 bilhões— e pela escassez de energia decorrente de fatores que incluem a alta dos preços do carvão e a adoção de novas e rígidas metas ambientais.

Diante disso, muitos analistas estão revisando para baixo suas projeções para a economia chinesa em 2021. Mas a maioria ainda estima que a produção econômica do ano inteiro vai superar com folga a meta oficial do governo de 6% acima de 2020.

Numa reunião do politburo do partido em abril, Xi disse que a recuperação relativamente forte da economia chinesa da pandemia de Covid-19 abriu uma “janela de oportunidade” para reduzir riscos financeiros, especialmente em setores fortemente endividados como o setor imobiliário.

Também é uma chance para o país buscar metas ambientais ambiciosas, como alcançar o pico das emissões de carbono até 2030 e a neutralidade de carbono até 2060.

A analista Rosealea Yao, da Gavekal Dragonomics, em Pequim, destaca que as vendas de imóveis no país até agosto apontavam para um total de 1,8 bilhão de metros quadrados no ano inteiro, sendo que a média anual entre 2017 e 2019 foi de 1,7 bilhão de metros quadrados.

Com o aumento das vendas e dos preços ameaçando a agenda de prosperidade comum de Xi, as autoridades se mostraram mais dispostas a correr riscos com a Evergrande quando a incorporadora começou, em setembro, a não honrar pagamentos devidos a investidores varejistas e donos de títulos.

Mas muitos analistas alertam que a crise de dívida da Evergrande pode ter um impacto muito maior sobre a economia chinesa do que Xi e seus assessores econômicos enxergam, enquanto tentam convencer investidores que Pequim não desistirá de seu esforço para disciplinar um setor que, estima-se, responde por até 30% da produção total do país.

Os rendimentos dos títulos emitidos por outras incorporadoras imobiliárias chinesas altamente alavancadas estão subindo, e a demanda por dívida adicional pode colapsar, potencialmente sugando essas outras empresas para dentro da voragem da Evergrande.

“Querem assustar o mercado para eliminar o risco moral”, afirma Michael Pettis, especialista no sistema financeiro chinês, da Universidade de Pequim. “A Evergrande corre o risco de sair de controle porque as pessoas estão mudando de comportamento para se proteger, algo perfeitamente racional. Mas, quando o fazem sistematicamente, esse é um comportamento autorreforçador e que acaba agravando as coisas.”

Um assessor político do governo chinês que pediu para não ser identificado disse que as vendas recentes de ativos da Evergrande para levantar recursos não passam de montículos no contexto de sua montanha total de dívida, estimada em US$ 305 bilhões (R$ 1,6 trilhão). Se o grupo for pressionado demais e em muito pouco tempo, pode acabar sendo forçado a vender parte de seu banco imenso de terras.

“Uma venda apressada das reservas de terra da Evergrande pode provocar uma queda dos preços dos terrenos em muitas partes do país, o que seria realmente assustador”, disse o assessor. Nesse caso, para ele, “a única solução viável talvez fosse nacionalizar gradativamente o setor imobiliário por inteiro”.

Os casos de escassez de energia que vêm se multiplicando na China nas últimas semanas constituem um exemplo de como políticas públicas bem intencionadas podem ter consequências não pretendidas.

Algumas dessas consequências se devem a cortes da produção em províncias que tiveram dificuldade em alcançar suas metas rígidas de eficiência energética. Em outras regiões, usinas foram afetadas pela escassez de carvão, a alta do custo do produto e os limites impostos aos preços de eletricidade, que obrigam as usinas a gerar eletricidade com prejuízo.

Na segunda-feira, as operações chinesas a prazo com carvão alcançaram alta recorde, depois de uma grande região produtora ser afetada por inundações. O dono de uma fábrica de plásticos na província de Jiangsu, que pediu para não ser identificado, disse que só foi avisado no último minuto dos cortes de energia que começaram a ser feitos em meados de setembro. Segundo ele, não houve nenhum plano claro de longo prazo do governo.

No final da semana passada, o governo Xi tentou remediar a situação, acelerando a produção de carvão e deixando as usinas cobrarem mais pela eletricidade que geram. Mas essas concessões dificilmente vão impedir que Pequim siga buscando as metas ambientais ambiciosas de mais longo prazo.

O proprietário da fábrica diz que entende e apoia as políticas ambientais do governo —que enxerga um quadro mais amplo e tem metas de redução de carbono a atingir. Mas ainda assim ele reclama dos prejuízos causados pelos cortes repentinos da energia.

Tradução de Clara Allain

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