Alemanha tem planos verdes para novo governo, mas não sabe quem pagará a conta

Crise climática tornou-se tema central da era pós-Merkel, com apostas na modernização da economia e energias renováveis

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Katrin Bennhold Melissa Eddy
Berlim | The New York Times

Em meio à campanha eleitoral da Alemanha, quase 200 pessoas morreram em enchentes extremas no país. Quatro meses mais tarde, o combate às mudanças climáticas tornou-se o tema central do novo governo pós-Merkel.

A maioria dos telhados será equipada com painéis solares. Serão construídas mais de mil turbinas de vento, quase dobrando a participação das fontes renováveis na geração de energia no país até 2030. No mesmo ano, a última mina de carvão será fechada, adiantando a previsão inicial em oito anos. Além disso, 15 milhões de carros elétricos vão circular pelas famosas autobahns alemãs.

O potencial novo primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, durante entrevista coletiva em cidade afetada por enchentes, enquanto era ministro das Finanças de Merkel - Bernd Lauter - 3.ago.21/AFP

Essas são as ambições do próximo chanceler designado, Olaf Scholz, que descreve as medidas como "a maior modernização industrial da Alemanha em mais de cem anos". Tudo isso faz parte do plano de governo que ele e seus parceiros de coalizão anunciaram na quarta-feira (24).

Quem vai pagar por tudo isso é outra questão. O tema foi debatido acaloradamente pelos partidos que se uniram aos social-democratas de Scholz, os progressistas Verdes e o FDP, pró-empresas.

Em sua campanha, os Verdes prometeram gastar 50 bilhões de euros anualmente, durante dez anos, para financiar investimentos da transição para a energia renovável –e pagar por isso abrindo mão da regra rígida de orçamento equilibrado.

O FDP concordou em integrar o governo apenas sob a condição de que não haverá aumento de impostos e que será respeitada a lei de orçamento equilibrado, o chamado freio à dívida consagrado na Constituição alemã.

Não foi por coincidência que a maior batalha nas seis semanas de discussões, necessárias para a formação da coalizão, foi quem controlaria o Ministério das Finanças e, com ele, os gastos nacionais. Robert Habeck, colíder dos Verdes, e Christian Lindner, líder do FDP, ambicionavam o cargo e o disputaram intensamente.

Lindner acabou vencendo, e Habeck vai comandar um novo superministério da Economia e do Clima.

"Com relação às finanças, não é segredo para ninguém que os membros da coalizão têm posições muito díspares", Habeck disse ao jornal Süddeutsche Zeitung em entrevista publicada na quinta-feira (25). "Falamos longamente sobre impostos, cortar subsídios e regulamentação do mercado. Se você me perguntar onde eu gostaria de ver mais sendo feito, é nesta área."

Para os especialistas em mudança climática, uma das maiores questões é se o compromisso de colocar a Alemanha, maior economia da Europa, no caminho para a neutralidade de carbono até 2045 ainda é algo defendido principalmente pelos Verdes ou se hoje já é um projeto compartilhado por todos os membros da nova administração.

"As conquistas da coalizão vão corresponder às suas ambições, ou os partidos vão reverter a seus pontos ideológicos?", questionou Lutz Weischer, que chefia o escritório em Berlim da entidade de vigilância ambiental Germanwatch.

Há alguns sinais animadores, segundo ele. Ao converter a transição verde em um projeto nacional de competitividade industrial e justiça social, cada um dos três partidos conseguiu que sua base aderisse à proposta.

O novo governo inseriu no texto de 177 páginas sua carta com o compromisso de instituir medidas que limitarão o aquecimento global a 1,5° C até o final do século, conforme o estipulado no acordo climático de Paris. O documento contém 198 menções ao "clima" em todas as áreas de política pública, desde a cultura até a política externa.

"A crise climática coloca nossa subsistência em risco e ameaça a liberdade, prosperidade e segurança", afirma o preâmbulo do tratado da coalizão. "Alcançar as metas climáticas de Paris é nossa prioridade máxima. Queremos reinventar nossa economia de mercado social como uma economia de mercado social-ecológica."

Lindner descreveu o tratado orgulhosamente como "o mais ambicioso programa de proteção climática de qualquer nação industrializada".

"Se esse é realmente o espírito do novo governo, é algo que vai mudar o jogo de fato", disse Weischer. "Resta a ver se é o caso."

Consagrado na Constituição em 2009, o freio da dívida alemão limita o endividamento anual a 0,35% do PIB nominal, o que equivale a aproximadamente 12 bilhões de euros por ano –valor distante dos 50 bilhões de euros que os Verdes consideram ser necessário.

Mas há sinais de que o novo governo encontrou algumas soluções indiretas para contrair os empréstimos necessários.

Uma delas consiste em explorar a suspensão temporária do freio da dívida durante a pandemia. No ano passado, como ministro das Finanças, Scholz suspendeu o limite aos gastos, que é permitido em uma emergência nacional. O tratado da coalizão prevê que o limite só será reinstaurado no final de 2022.

Isso dará ao novo governo tempo de contrair empréstimos e colocar o dinheiro num fundo que continuará a operar mesmo depois do limite à contração de empréstimos voltar a vigorar.

Outra forma de arrecadar dinheiro é fortalecer o banco estatal de desenvolvimento, conhecido como KfW, que pode contrair empréstimos que o governo poderá reservar para projetos de infraestrutura e outros investimentos, sem que isso apareça no orçamento federal.

Segundo economistas, também existem maneiras de manipular a fórmula pela qual o freio da dívida é calculado, elevando o limite de gastos dessa maneira.

Poucos preveem que essa "contabilidade criativa" será o bastante para arrecadar os 50 bilhões de euros por ano pelos quais os Verdes fizeram lobby, mas o engajamento em conseguir um aumento importante nos investimentos públicos foi amplamente aplaudido.

"Acho que este acordo assinala uma mudança", disse Clemens Fuest, presidente do instituto econômico Ifo. "Muitos investimentos em transformação estão sendo promovidos mais intensivamente agora."

Organizações ambientais e ativistas climáticos estão céticos. "Este acordo de coalizão não é o bastante por si só para garantir o limite de 1,5°C", disse em comunicado o movimento jovem Fridays for Future. Segundo o Greenpeace, o programa "apenas sugere um avanço ecológico radical".

Habeck reconheceu as dificuldades pela frente. "Nenhum outro país da Europa está fazendo o que nós estamos", ele disse. "Nossos vizinhos ou continuam com o carvão, como a Polônia, ou apostam na energia nuclear, como a França, ou então fazem um pouco de cada coisa e um pouco de energia renovável. Nós estamos deixando as duas tecnologias velhas para trás."

"Haverá decisões que serão difíceis", concluiu. "Tenho consciência disso."

Tradução de Clara Allain​

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