Descrição de chapéu transporte público

Após 'refazer' estação, Nova York planeja novo corredor turístico em retomada pós-pandemia

Cidade vai conectar nova versão da Penn Station, demolida nos anos 1960, ao elevado High Line

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Nova York

"Antes a pessoa entrava na cidade como um deus. Agora, entra como um rato", disse o arquiteto Vincent Scully, sobre a demolição da estação Pennsylvania. Em 1963, um dos prédios mais imponentes da cidade deu lugar a uma estação subterrânea, com saídas estreitas e discretas.

Quase 60 anos depois, os acessos via aberturas nas calçadas vão ficando para trás. Em janeiro, foi aberta a Moynihan Train Hall, um novo acesso para as plataformas da Penn Station, que traz fachada de prédio histórico, mas tem um interior com cara de aeroporto moderno. Além de uma estação, a Moynihan pretende ser uma atração turística, com algumas obras de arte em seu interior, além de lojas e restaurantes.

Edifício Moynihan Train Hall, construído como acesso para estação Pennsylvania, em Nova York
Edifício Moynihan Train Hall, construído como acesso para estação Pennsylvania, em Nova York - Spencer Platt - 2.jul.21/Getty Images/AFP

Em setembro, o governo de Nova York, que tocou a reforma, anunciou a criação de uma estrutura para pedestres, de 370 metros, para ligar o Moynihan ao High Line, um elevado antes usado por trens que foi transformado em parque.

Assim, vai sendo criado um novo corredor turístico, de cerca de 2 km, ao redor da rua 34. A rota começa no Empire State Building (erguido em 1931), passa pela Moynihan (2021), pelo Madison Square (1968), pelo High Line (2009) e termina em Hudson Yards (2019), um conjunto de várias torres de escritórios de vidro espelhado, o monumento Vessel, que lembra uma colmeia de metal, e o espaço de eventos Javits Center, recém-reformado.

A ideia é que as novidades ajudem a recuperar o turismo da cidade, um importante motor da economia local, que movimentava US$ 4 bilhões por ano antes da pandemia.

O setor está ansioso pela reabertura das fronteiras dos EUA a turistas internacionais vacinados, marcada para esta segunda (8). "Viajantes do exterior costumam representar 20% do total dos turistas de Nova York, mas respondem por 50% dos gastos. Assim, cada turista estrangeiro equivale a quatro turistas locais em termos de faturamento. Eles costumam ficar por mais dias e fazer mais compras", comenta Chris Heywood, vice-presidente de comunicação global da NYC & Company, entidade que promove o turismo na cidade.

Em 2019, a cidade recebeu 66,6 milhões de visitantes, sendo 826 mil brasileiros, estima a entidade. Neste ano, a expectativa é atingir ao menos 36,1 milhões de turistas. Em 25 de setembro, a região de Times Square registrou 274 mil pessoas em um dia, um recorde desde o começo da pandemia, segundo dados da Times Square Alliance. Neste segundo semestre, foram abertos novos hotéis na área e a Broadway retomou os espetáculos com lotação completa na plateia, o que ajudou a ampliar a circulação de visitantes.

No começo deste ano, o prefeito Bill de Blasio havia anunciado que a vacinação gratuita seria um atrativo para turistas, e que postos de vacinação seriam espalhados ao lado de atrações. Os órgãos de turismo locais, no entanto, não possuem dados sobre a efetividade desta ação.

A reportagem da Folha, que esteve por cinco dias na cidade, notou que as tendas de testes rápidos gratuitos, colocadas em pontos como a Broadway e a estação Grand Central, pareciam atrair mais público, com filas em vários momentos do dia. Já um posto de vacinação em Times Square e os pontos de aplicação dentro de farmácias tinham pouca gente.

Desde agosto, Blasio determinou que espaços de comida e bebida com mesas internas e atrações de lazer em espaços fechados passassem a exigir comprovante de vacinação de seus frequentadores. Este repórter teve de cumprir o requisito em todas as vezes que foi a espaços do tipo. Pode-se mostrar apenas a foto do cartão de vacinação, junto com um documento de identidade. Os atendentes não gastavam muito tempo analisando os documentos, no entanto.

Para embarcar nos transportes públicos, não é preciso de comprovante de vacina. Basta usar máscara. Assim, pode-se visitar a nova estação Moynihan sem cumprir a exigência.

O novo prédio fica ao lado de onde um dia esteve a antiga estação Pennsylvania. Ela ocupava dois quarteirões e era considerada um dos símbolos da arquitetura da cidade, com colunas gregas do lado de fora e um saguão amplo, com teto com 14 metros de altura. Quando abriu, em 1910, recebia mil trens por dia.

No entanto, para lidar com uma queda de arrecadação, a empresa que a administrava decidiu demolir o prédio e manter apenas as plataformas subterrâneas. A demolição permitiu vender o terreno, onde foi erguida a arena esportiva e de shows Madison Square Garden e mais alguns prédios.

Na época, houve uma grande campanha contra a demolição, mas os donos da estação diziam que os custos de manter uma estrutura daquele tamanho eram proibitivos, e não recuaram. A Penn Station seguiu operando, apenas no subsolo. Mesmo assim, recebia em torno de 500 mil pessoas por dia. Partem dali trens para Nova Jersey, onde moram muitos trabalhadores de NY, e para outras cidades do país, como Chicago e Washington.

Nos anos 1990, ganhou força o plano de refazer uma entrada digna para a Penn Station. Uma das ideias foi aproveitar um prédio vizinho, que abrigava um escritório dos correios, chamado Farley, feito na mesma época da estação original, nos anos 1910, com estilo parecido, com colunas clássicas na fachada.

O plano começou a avançar a partir de 1993, mas a obra só começaria em 2010. Foram mais dez anos de reforma até a abertura da Moynihan Train Hall, em janeiro de 2021.

O prédio leva o nome do senador Daniel Moynihan (1927-2001), grande defensor do projeto. Do lado de fora, a fachada clássica foi mantida, dentro, há um ambiente de aspecto mais moderno, com um teto de vidro que garante boa luminosidade, estruturas de metal aparente e barreiras de vidro, que lembram os aeroportos modernos. Por outro lado, há críticas pelo alto custo da reforma —US$ 1,6 bilhão— e pela falta de assentos nas áreas comuns. Só há cadeiras nos espaços para comer ou em uma área reservada a passageiros com bilhete do dia.

Para Bianca Tavolari, professora do Insper, o projeto de Nova York é bem-vindo por resgatar um patrimônio histórico e valorizar o transporte público e os deslocamentos a pé. "No entanto, ações assim trazem o risco de aumentar o preço dos imóveis por perto, o que pode expulsar a população mais pobre que mora ali, gerando gentrificação", alerta.

Em São Paulo, estações como Luz e Júlio Prestes tiveram reformas de revitalização nas últimas décadas e ganharam atrações culturais, como o Museu da Língua Portuguesa e a Sala São Paulo. Seus arredores, porém, seguiram degradados.

"Há falhas em conectar os projetos ao entorno. A prefeitura reformou o vale do Anhangabaú e o largo do Arouche recentemente, que ficam a uma distância caminhável, mas não investiu em criar atrações na rota entre eles", comenta Tavolari. Ela defende também que, em vez de reformar estações, o dinheiro público seria melhor gasto ampliando a rede de transportes. "As pessoas ainda gastam duas, três horas para se deslocar", lembra.

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