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Bispos franceses admitem responsabilidade da Igreja por abuso sexual de menores

Ato na cidade de Lourdes, no sul do país, homenageou as mais de 200 mil vítimas das violências cometidas na instituição

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Paris | AFP

Bispos franceses reconheceram nesta sexta-feira (5) a responsabilidade institucional da Igreja Católica e a dimensão sistêmica dos abusos sexuais cometidos contra menores de idade. Há um mês, relatório de uma comissão independente confirmou que membros da igreja abusaram de mais de 216 mil crianças e adolescentes nos últimos 70 anos.

Em declaração pública durante a reunião anual dos religiosos em Lourdes, cidade conhecida por ser palco da peregrinação católica, o presidente da Conferência Episcopal francesa, Éric de Moulins-Beaufort, disse que a responsabilidade "implica um dever de justiça e reparação". O reconhecimento pela instituição era uma das mais de 40 recomendações feitas em um relatório sobre o tema.

Fiéis participaram de uma missa celebrada na basílica de Notre Dame du Rosaire, após uma cerimônia para vítimas de abuso sexual, em Lourdes - Valentine Chapuis - 6.nov.21/AFP

O documento de mais de 2.000 páginas, produzido por uma comissão independente, mostrou que a Igreja Católica francesa abrigou entre 2.900 e 3.200 pedófilos, em um universo de 115 mil religiosos, de 1950 a 2020. No período, mais de 200 mil menores, a maioria meninos com idade entre 10 e 13 anos, foram abusados sexualmente.

Neste sábado (6), bispos, sacerdotes, membros de ordens religiosas e fiéis se reuniram em um santuário de Lourdes para uma oração de penitência em homenagem às vítimas. "Queremos deixar gravado um testemunho visual que lembrará tanta violência, dramas e agressões", declarou Hugues de Woillemont, porta-voz da Conferência Episcopal.

Uma pintura de um menino chorando foi colocada no local como um monumento em memória às vítimas. A obra foi produzida por uma das vítimas, que estava presente. Durante a cerimônia, outra pessoa que foi abusada por um membro da Igreja francesa na infância leu um texto sobre a violência sofrida. Mais de 120 bispos e dezenas de fiéis participaram de uma oração, alguns deles ajoelhados.

Em Lourdes, segundo a tradição, a Virgem Maria apareceu em 1858 para uma adolescente de 14 anos. O local costuma ser visitado por milhares de peregrinos todos os anos, algo que foi interrompido durante a pandemia de coronavírus.

A investigação francesa seguiu os passos da Igreja Católica em países como Austrália, Irlanda, Estados Unidos e Alemanha, onde também houve medidas para apurar o alcance dos abusos sexuais cometidos nas últimas décadas.

Olivier Savignac, presidente do grupo de vítimas Parler et Revivre (falar e reviver) disse à agência de notícias AFP que o anúncio dos bispos é uma "primeira etapa muito importante" e que espera especialmente pelas decisões que serão adotadas após o reconhecimento da responsabilidade.

Ainda que o reconhecimento tenha sido benquisto, as revelações do relatório sobre abusos sexuais expuseram divergências entre a Igreja e o governo francês. Um dos pontos sensíveis reside no sigilo das confissões realizadas na instituição.

O bispo Moulins-Beaufort, pouco após a divulgação do documento, pediu perdão às vítimas, mas emendou, em entrevista a uma TV local, que "o sigilo da confissão se impõe e é mais forte que as leis". Na prática, um padre que ouve a confissão de um crime grave de um fiel no confessionário não pode informar a polícia, já que o sigilo é absoluto em virtude do direito canônico, detalhou.

A resposta do governo veio pouco depois. Gabriel Attal, porta-voz do governo de Emmanuel Macron, disse que "nada é mais forte que as leis". Ainda que Paris considere a confissão um sigilo profissional, calcula que há exceções: o segredo não se aplicaria, por exemplo, a confidências sobre agressões contra menores de 15 anos.

Entre as recomendações feitas pela comissão independente que apurou os abusos, está que a Igreja deixe claro que a confissão não acoberta esse tipo de crime e que isso deve ser denunciado às autoridades policiais.

Moulins-Beaufort insistiu que o sigilo traz confiança tanto para as vítimas quanto para os agressores. "[As vítimas] teriam confiança [para confessar] se pensassem que [o que for dito] não permanecerá em sigilo? Não vamos roubar-lhes essa possibilidade", disse o presidente da Conferência Episcopal francesa.

A comissão de investigação sobre abusos sexuais foi estabelecida por bispos católicos no final de 2018 e começou os trabalhos no início de 2019, com a meta de lançar luz sobre os casos de abuso sexual e pedofilia e tentar restaurar a confiança pública na igreja em um momento de diminuição das congregações católicas no país. ​

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