Inadimplência do Brasil ameaça voto na ONU e em mais 6 órgãos internacionais

Itamaraty busca evitar sanções às vésperas de entrar no Conselho de Segurança e cobra Ministério da Economia

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Brasília

O Brasil corre o risco de perder o direito a voto após a virada do ano em ao menos sete organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), por falta de pagamentos. É necessário depositar um mínimo de R$ 710,6 milhões até 31 de dezembro para que as penalidades sejam evitadas.

O Itamaraty tem acionado a equipe econômica em busca de verbas para evitar o problema. Uma eventual penalização do Brasil é vista como delicada por diplomatas neste momento, já que o país se prepara para uma posição de maior relevância nas discussões internacionais.

O Brasil vai ocupar em 2022 e 2023 um assento não permanente no Conselho de Segurança da ONU, mais de dez anos após o último mandato no colegiado —em um dos momentos mais aguardados do corpo diplomático nacional.

O país se juntará a outros 14 membros, sendo cinco permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), no órgão responsável pela manutenção da paz e da segurança em âmbito global e que tem decisões de caráter obrigatório para todos os países-membros.

Dentre os valores mínimos a serem pagos até o fim deste ano, a maior pendência é com a ONU. É necessário enviar à entidade pelo menos R$ 423,5 milhões antes do fim do calendário para evitar a perda de voto na Assembleia-Geral.

O montante a ser pago neste ano representa apenas uma fração das dívidas do Brasil com o sistema ONU, que chega a R$ 1,8 bilhão. No total, o Itamaraty estima que o país deve atualmente R$ 8,8 bilhões aos diversos organismos de que faz parte e manifesta incômodo com a possibilidade de penalizações.

"Seria uma situação politicamente delicada para um membro fundador da organização que atualmente responde pelo comando do componente militar de uma de suas Missões de Paz [...] e, justamente em 2022, assumirá assento não permanente no Conselho de Segurança", afirma carta do Ministério das Relações Exteriores à equipe econômica à qual a Folha teve acesso.

Hoje, o Brasil está à frente das tropas da Mousco (Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do Congo).

"O cenário é similar em outras organizações internacionais, cujas atividades afetam diferentes ministérios, de modo que o prolongamento da inadimplência traria prejuízos a todo o Estado brasileiro", afirma o texto.

Também estão na lista de órgãos que podem penalizar o Brasil após a virada do ano a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura), a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a OMC (Organização Mundial do Comércio), a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Opaq (Organização para a Proibição das Armas Químicas) e a Aiea (Agência Internacional de Energia Atômica).

Em alguns casos, o Brasil já sofre consequências da falta de pagamento. O país deixou de fazer um aporte no NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e viu reduzido o peso de seu voto na instituição.

Também houve problemas na Unesco. O Brasil começou 2021 sem voto no conselho executivo da entidade, recuperou em fevereiro ao quitar uma dívida de 2019 e voltou a observar o risco agora.

Além disso, o Brasil também está impedido de manter árbitros na CPA (Corte Permanente de Arbitragem) desde maio de 2020 e de acessar o fundo de assistência da instituição.

De acordo com o Itamaraty, a inadimplência compromete a atuação do Brasil na diplomacia.

"Mesmo quando não há previsão de sanções, a inadimplência de países-membros gera dificuldades financeiras e pode comprometer o funcionamento normal organizações internacionais", afirmou o Itamaraty, em nota à reportagem.

"Assim, a capacidade de atuação do Brasil fica enfraquecida também em organismos onde não há previsão de perda de voto, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA)", diz a resposta da pasta.

O Itamaraty informou ainda que trabalha com o Ministério da Economia e demais órgãos do governo federal para evitar o comprometimento da atuação internacional e que sinaliza regularmente ao restante do governo os potenciais prejuízos políticos decorrentes do cenário de inadimplência.

Procurado, o Ministério da Economia afirmou que o tema está sendo tratado de forma prioritária, mas que não é possível precisar o montante ou o prazo para alocação de recursos suplementares para os pagamentos.

"Para este ano, essa quantia depende de definições condicionadas ao aproveitamento de recursos orçamentários e financeiros não utilizados ao fim do exercício. Não obstante, tão logo haja sinalização orçamentária positiva, o Ministério da Economia executará esses pagamentos, com especial atenção para aqueles casos de maior urgência e com risco de aplicações de sanções para o país", afirmou a pasta.

O professor Leonardo Paz, do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que as eventuais sanções prejudicariam o Brasil direta e indiretamente.

"Tem um efeito prático, de não ter voto, e essa dimensão mais intangível de ir perdendo status de um grande player internacional. Começa a ser irrelevante para os países levar o Brasil para as discussões", diz Paz.

Segundo o especialista, é normal países deverem a instituições internacionais e até os Estados Unidos têm débitos com a ONU, mas os valores pendentes do Brasil estão escalando durante o governo de Jair Bolsonaro.

Levantamento da Folha em fevereiro mostrou que houve crescimento de 483% nas dívidas do Brasil a organismos internacionais em 2019 e de 169% em 2020. Antes de Bolsonaro, entre 2015 e 2018, o avanço anual médio era de 24%.​

Diante da escassez de recursos, o Itamaraty vem revendo a participação em organismos. Recentemente, decidiu se retirar do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (o SELA).

Paz diz que a estratégia é correta considerando também que houve uma forte expansão de gastos diplomáticos durante a era petista.

"Faz todo o sentido dar uma consolidada, diminuir representações. E o mesmo funciona para instituições em que você coloca dinheiro e não tira nada delas. Mas precisa ser algo inteligente", afirma.

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