Descrição de chapéu The New York Times

Juiz nos EUA determina que New York Times interrompa cobertura de projeto que constrange jornalistas

Project Veritas processa jornal americano por difamação; decisão é incomum na imprensa americana

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Michael M. Grynbaum
Nova York | The New York Times

Um juiz de Nova York ordenou na quinta-feira (18) que o jornal americano The New York Times se abstenha temporariamente de publicar ou tentar acessar determinados documentos relacionados ao grupo conservador Project Veritas —que busca expor jornalistas e opositores políticos por meio de artifícios como câmeras escondidas—, num exemplo incomum nos Estados Unidos de um tribunal bloquear a cobertura jornalística feita por uma grande organização noticiosa.

A ordem judicial causou alarme imediato entre defensores da Primeira Emenda constitucional, que trata da liberdade de expressão e imprensa, que qualificaram a medida como violação das proteções constitucionais fundamentais aos jornalistas, ponto de vista compartilhado pelo New York Times.

O Project Veritas divulgou comunicado apoiando a decisão judicial e argumentando que ela não representa um cerceamento dos direitos do jornal.

James O’Keefe, à frente do Project Veritas, que constrange jornalistas e opositores políticos, na conferência conservadora Cpac - Octavio Jones/Reuters

A decisão integra uma ação judicial em andamento por difamação movida pelo Project Veritas contra o New York Times em 2020. A ação acusa o jornal de difamar o projeto nas suas reportagens sobre um vídeo produzido pelo grupo que traz alegações falsas de fraude eleitoral no estado de Minnesota.

Encabeçado pelo provocador James O’Keefe, o Project Veritas frequentemente conduz chamadas "sting operations", em que se monta uma cilada para flagrar o alvo da ação cometendo alguma irregularidade –incluindo o uso de identidades falsas e câmeras ocultas—, visando colocar em apuros campanhas democratas, entidades trabalhistas ou sindicais, órgãos de notícias e outras entidades.

O Project Veritas está sendo investigado pelo Departamento de Justiça por possível envolvimento no furto de um diário supostamente pertencente à filha do presidente Joe Biden, Ashley.

O advogado Theodore J. Boutrous Jr., que representa veículos de mídia como a CNN, qualificou como "absurda" a ordem do juiz. "Embora a medida seja temporária, a Suprema Corte já decidiu que mesmo as mais modestas e pontuais negações desses direitos garantidos pela Primeira Emenda são intoleráveis", disse. "Extrapolar ainda mais e sugerir uma restrição à apuração de notícias –nunca ouvi falar de algo assim."

Em reportagem de 11 de novembro sobre a investigação movida pelo Departamento de Justiça, o New York Times publicou trechos de memorandos redigidos por um advogado do Project Veritas que estabelecia maneiras de a entidade se engajar em práticas de reportagem enganosas, como a criação de identidades falsas, ao mesmo tempo que evitava infringir leis federais.

Os memorandos são anteriores à ação por difamação movida contra o jornal. Mas, na quarta (17), o Project Veritas entrou com uma moção argumentando que, por ter publicado os memorandos, a publicação teria infringido seu direito à confidencialidade, e acusou o NYT de tentar constranger um adversário em processo litigioso.

Ao lado dos trechos escritos, imagens dos memorandos foram publicadas brevemente em 11 de novembro no site do New York Times. Um porta-voz do jornal disse que isso foi feito inadvertidamente e que as imagens foram removidas quando os editores tomaram conhecimento do engano.

Na quinta, o juiz Charles D. Wood, da Suprema Corte estadual no condado de Westchester, ordenou que o NYT "imediatamente tire de circulação, proteja e se abstenha" de disseminar quaisquer dos materiais preparados pelo advogado do Project Veritas. Além disso, o juiz instruiu o jornal a "cessar esforços adicionais para solicitar ou ter acesso" a esses materiais, concretamente impedindo o jornal de noticiar o assunto.

A ordem deve vigorar até uma audiência na próxima semana. "Essa decisão é inconstitucional e cria um precedente perigoso", disse em comunicado o editor-executivo do New York Times, Dean Baquet.

"Quando um tribunal silencia o jornalismo, trai os interesses de seus cidadãos e prejudica seu direito à informação", escreveu Baquet. "A Suprema Corte deixou isso claro no caso dos Papéis do Pentágono, uma decisão histórica contra medidas anteriores que bloquearam a publicação dos frutos de trabalho jornalístico digno de ser notícia. Esse princípio se aplica claramente neste caso. Pedimos que esta decisão seja revista imediatamente."

Nesta sexta (19), porém, o tribunal de apelações de Nova York rejeitou o pedido do jornal para que a decisão fosse suspensa e o NYT seguirá proibido de publicar reportagens relacionadas ao grupo conservador, pelo menos, até o próximo dia 23.

No início deste mês, agentes federais fizeram buscas com autorização judicial em locais em Nova York e no condado de Westchester ligados a membros do Project Veritas, incluindo a residência de O’Keefe, como parte de uma investigação para apurar como o diário que pertenceria à filha de Biden veio à tona publicamente pouco antes da eleição de 2020.

Advogados do Project Veritas disseram que o grupo recebeu o diário de duas pessoas não identificadas e acreditou que ele teria sido obtido por meios legais. Um mandado utilizado na busca na residência de O’Keefe indicou que as autoridades federais acreditavam que o diário foi roubado.

O Project Veritas tem procurado caracterizar-se como organização jornalística protegida pelos direitos garantidos à imprensa pela Primeira Emenda constitucional. A União Americana de Liberdades Civis (Aclu) criticou o Departamento de Justiça pelas "buscas e apreensões invasivas" em imóveis ligados ao grupo, embora tenha acrescentado que "observadores razoáveis talvez não considerem que as atividades [do Project Veritas] constituem jornalismo".

Em comunicado divulgado na quinta-feira, O’Keefe sugeriu que a cobertura feita pelo New York Times das buscas realizadas pelo Departamento de Justiça é enviesada. Ele escreveu: "O jornal precisa decidir se está a favor da liberdade de imprensa para todos ou apenas para ele próprio, porque as duas coisas são incompatíveis".

O’Keefe disse que, entre outros objetivos, está determinado a expor o que descreve como um viés progressista na grande imprensa e de grandes empresas de tecnologia como Google e Facebook.

O Project Veritas afirmou ter discutido o diário com fontes antes de decidir publicá-lo. O site de direita National File chegou a publicar fotos que afirmou serem imagens do diário, dizendo que obteve as imagens de uma pessoa que trabalha para um veículo que decidiu não noticiar o assunto.

O veículo tem vínculos com o Project Veritas. O’Keefe foi no passado presidente de uma empresa registrada no mesmo endereço que a proprietária do National File. O dono do site também compartilha um endereço no estado de Wyoming com uma firma comandada por um ex-espião britânico, Richard Seddon, que ensinou táticas de espionagem a agentes do Project Veritas.

Tradução de Clara Allain

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