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Militares do Sudão negociam com civis após golpe e libertam 4 ministros presos

ONU deve criar comitê para acompanhar violações de direitos humanos no país; pressão da comunidade internacional cresce

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Cartum e Genebra | Reuters

Pressionado pela comunidade internacional, o comandante do Exército sudanês, general Abdel Fattah al-Burhan, ordenou nesta quinta-feira (4) a libertação de quatro ministros detidos durante o golpe militar que, há duas semanas, retirou o gabinete de transição civil do país.

O anúncio foi feito pouco após o general conversar por telefone com o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, que pediu para que autoridades detidas fossem liberadas e que o governo civil fosse restabelecido com urgência.

Manifestantes pró-democracia carregam a bandeira do Sudão e caminham pelas ruas do país - 30.out.21/AFP

Burhan também teve um diálogo com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que exortou o sudanês a libertar os políticos detidos e a iniciar um diálogo para restaurar a transição democrática. Horas após o golpe, a Casa Branca suspendeu um pacote bilionário de ajuda ao país da África Oriental.

Foi ordenada a libertação dos ministros Hamza Baloul (Informação e Cultura), Hachem Hassabarrasul (Telecomunicações), Ali Jeddo (Comércio) e Yusef Adam (Juventude e Esportes). A data para que sejam soltos, porém, não foi informada. A maior parte do gabinete civil foi presa após o golpe, inclusive o premiê Abdallah Hamdok. Ele foi liberado um dia depois e posto em prisão domiciliar.

Burhan também anunciou a "formação iminente" de um governo para guiar o país até eleições democráticas em 2023, mas não detalhou sua composição. No golpe, os militares desmantelaram não apenas o gabinete civil do país (responsável por políticas públicas, leis e diplomacia), como também o Conselho Soberano, criado em 2019 e composto por 11 membros –seis civis e cinco militares– para comandar a transição para a democracia.

Os dois espaços foram criados após protestos massivos no país, apelidados de revolução sudanesa, destituírem o ditador Omar al-Bashir, no poder havia três décadas. Com amplo apoio internacional, especialmente de Washington, o objetivo dos órgãos era costurar uma transição democrática retirando paulatinamente o protagonismo militar na vida pública e o transferindo para os civis.

Os militares tentaram justificar o golpe com o receio de uma guerra civil. Semanas antes, sudaneses voltaram a sair às ruas para pedir que a passagem do poder dos militares para os civis fosse acelerada, em atos impulsionados por uma tentativa anterior e fracassada de tomada de poder em setembro.

Observadores internacionais no país relatam que conversas entre os militares e o premiê Hamdok têm esboçado um potencial acordo sobre o retorno da divisão do poder, incluindo a reintegração do primeiro-ministro. Os detalhes e os prazos, no entanto, estão pouco claros.

Tut Gatluak, enviado do Sudão do Sul, disse que as negociações avançam, mas as posições ainda estão longe de um consenso. "Burhan não vê problema em um retorno de Hamdok ao cargo de premiê, mas ele não quer uma volta à situação de antes de 25 de outubro [data do golpe]", disse. O general já havia dito que um novo gabinete deveria ser composto por figuras que não fossem "políticos tradicionais".

O enviado da ONU, Volker Perthes, pediu que um acordo seja posto de pé em "dias, não semanas", antes que as partes endureçam sua posição e se afastem ainda mais de um consenso. "Quanto mais se espera, mais difícil é implementar um acordo e obter a adesão necessária das ruas e das forças políticas", disse.

Após o golpe, os sudaneses foram às ruas diariamente em protesto pela volta do governo civil. Pelo menos 12 manifestantes morreram com a repressão das forças locais e centenas ficaram feridos, de acordo com monitoramento de um comitê local de médicos.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, formado por 47 países-membros, reúne-se nesta sexta (5) com ONGs em uma sessão especial sobre a situação sudanesa. É esperado que o órgão publique uma resolução, preparada por Reino Unido, Alemanha, Noruega e EUA, para criar um comitê de direitos humanos que monitore os eventos no Sudão desde o golpe e prepare um relatório em 2022.

A embaixadora alemã para as Nações Unidas, Katharina Stasch, classificou a iniciativa como um "passo importante para garantir a responsabilização pelas violações dos direitos humanos cometidas".

Michelle Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da ONU, descreveu a tomada militar como "profundamente perturbadora" e pediu o fim do uso da força pelo Exército e pela polícia militar do Sudão.


CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DO SUDÃO

  • 1956: Sudão se torna independente do domínio da Inglaterra e do Egito, que comandavam o país desde o fim do século 19
  • 1958: General Ibrahim Abbud dá o primeiro golpe da República do Sudão, dissolvendo partidos políticos e fechando jornais
  • 1962: Estouram conflitos entre o norte do país, mais simpático ao governo, e o sul, liderado pela guerrilha Anya Nya
  • 1964: Abbud renuncia em meio à pressão crescente
  • 1969: Coronel Gaafar el-Nimeiri lidera novo golpe militar e assume comando do país
  • 1971: Tentativa frustrada de golpe comunista fortalece El-Nimeiri
  • 1972: Tratado de Adis Abeba garante autonomia ao sul do país, governado pelo Anya Nya, e põe fim à primeira guerra civil sudanesa
  • 1983: Em meio ao crescente fundamentalismo, Nimeiri impõe a sharia (lei islâmica estrita); coronel revoga termos do tratado e volta a dividir o sul em províncias, dando início a nova guerra civil
  • 1985: Nimeiri é deposto por conselho militar, que realiza eleições no ano seguinte
  • 1989: Em novo golpe militar, general Omar al-Bashir assume o poder, lidera país com mão de ferro e reintroduz a sharia, que prevê castigos físicos
  • 1996: Bashir é eleito presidente; em 2000, é reeleito
  • 1998: EUA disparam mísseis contra farmacêutica na capital Cartum, afirmando que local fabricava armas químicas
  • 1999: Bashir dissolve Assembleia Nacional em meio a disputa de poder com presidente do Legislativo
  • 2003: Milícias rebeldes se insurgem em Darfur, região de população não árabe no oeste do país
  • 2004: Regime reage em Darfur e Exército ataca população, provocando crise humanitária e onda de refugiados; Colin Powell, então secretário de Estado dos EUA, descreve mortes como genocídio
  • 2005: Novo acordo de paz restabelece autonomia no sul do país, e ex-líder rebelde, Salva Kiir assume Vice-Presidência
  • 2007: Conselho de Segurança da ONU aprova missão de paz em Darfur; crise abre conflito diplomático com o Chade
  • 2009: Tribunal Penal Internacional (TPI) pede prisão de Bashir por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Darfur
  • 2010: Bashir é eleito novamente presidente, em votação contestada; TPI expede segundo mandado de prisão, agora por genocídio
  • 2011: Sudão do Sul ganha independência após votação popular; Salva Kiir torna-se presidente do novo país
  • 2015: Bashir vence, com 95% dos votos, eleição novamente contestada
  • 2019: Bashir decreta estado de emergência e suspende governadores após protestos em massa; em abril, militares depõem ditador após 30 anos no poder e preparam governo de transição
  • 2020: Rebeldes remanescentes de Darfur assinam acordo de paz com governo
  • 2021: Em meio a disputas por poder, militares prendem primeiro-ministro, declaram estado de emergência e afirmam que vão governar até eleições de 2023 ​
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