Descrição de chapéu Ásia talibã

Paquistão impede afegãos com visto humanitário de viajar para o Brasil

Dezenas de pessoas estão sendo barradas após país mudar política sobre entradas irregulares

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São Paulo

Dezenas de afegãos que fugiram do Talibã e buscam refúgio no Brasil estão sendo barrados pelo governo do Paquistão, sem conseguir viajar, mesmo tendo visto humanitário emitido pelo Itamaraty, passagem aérea e o teste PCR negativo de Covid-19 exigido para o embarque.

Como o Brasil não tem representação diplomática no Afeganistão, aqueles que querem solicitar o documento precisam passar por entrevista nas embaixadas de países vizinhos, incluindo a que fica na capital paquistanesa, Islamabad —que tem sido o principal ponto de solicitação do visto brasileiro.

Afegãos esperam para passar pela fronteira com o Paquistão em setembro
Afegãos esperam para passar pela fronteira com o Paquistão em setembro - Bulent Kilic-25.set/AFP

Para chegar até lá, os afegãos são obrigados a enfrentar uma viagem perigosa, que envolve o risco de serem capturados por talibãs e a exigência de pagamento de propina —com altos valores em dólares— na fronteira, segundo vários relatos. Muitos deles não conseguiram o visto necessário para entrar no Paquistão e atravessaram a fronteira irregularmente, como é comum em crises humanitárias desse tipo.

Só que o governo paquistanês exige um visto de saída das pessoas que vão viajar para outros países, e o documento é concedido apenas para quem entrou legalmente.

Até agora, diante da situação de crise, Islamabad estava aceitando as listas enviadas pela embaixada brasileira com nomes de pessoas que tinham sido aprovadas no processo de obtenção do visto humanitário —que envolve preencher um formulário, enviar documentação e passar por entrevista presencial, entre outros trâmites.

Nesta semana, porém, a política paquistanesa mudou, e dezenas de afegãos estão sendo barrados no aeroporto, sem conseguir viajar para o Brasil. Muitos pertencem a grupos acompanhados por ONGs brasileiras, que têm montado operações de resgate de mulheres, ativistas de direitos humanos e minorias que são alvo preferencial do Talibã. Outros viajam sozinhos ou com familiares, alguns deles para encontrar parentes que já vivem como refugiados no país.

O Paquistão já havia avisado que apertaria o cerco contra afegãos que entrassem de forma irregular no país. Um comunicado da embaixada brasileira em Islamabad circulou entre ONGs e outros grupos de resgate informando que, a partir de 5 de novembro, o governo local reverteria a política adotada anteriormente e não legalizaria mais afegãos que cruzaram irregularmente a fronteira nem permitiria que eles embarcassem em voos, mesmo com nota verbal (uma carta oficial) de embaixada estrangeira.

"Segundo o representante da Crisis Management Unit [unidade de gerenciamento de crise] da chancelaria paquistanesa, a mudança se justifica pelo número excessivo de pessoas que violam as leis paquistanesas imigrando ilegalmente e pela necessidade de coibir essa prática", diz a nota.

O texto afirma ainda que, de acordo com a nova determinação, as embaixadas deveriam enviar até o dia 5 uma lista consolidada de pessoas que fizeram travessia irregular e que receberam ou receberão visto humanitário, podendo ser entrevistadas pelo Ministério do Interior e liberadas para deixar o país. As demais ficariam sujeitas a deportação, caso descobertas.

A missão diplomática brasileira fez uma lista que continha de 500 a 600 nomes. Nesta terça-feira (9), porém, uma autoridade do Ministério das Relações Exteriores paquistanês comunicou que não deportaria as pessoas da lista, mas também não daria a elas visto de saída, segundo fontes do Itamaraty que aceitaram dar entrevista sem se identificar.

Esses afegãos estão, portanto, em um limbo: sem saber se e quando conseguirão embarcar para o Brasil, tampouco podem voltar para seu país de origem ou sair do Paquistão. Alguns temem ser alvo de retaliação de talibãs que vivem em Islamabad.

A Folha questionou a embaixada do Paquistão no Brasil sobre a situação dessas pessoas, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Desde que o Talibã assumiu o poder, obter o visto de entrada no Paquistão ficou mais difícil. Os relatos mais recentes são de que a emissão do documento tem se normalizado e que a situação é mais complicada principalmente para aqueles que não têm passaporte. Mas muitos dos que fugiram no começo da crise não têm o carimbo de entrada no país.

O refúgio é uma proteção legal para pessoas que migram devido a perseguição relacionada a raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Em dezembro de 2020, o Brasil reconheceu a situação de "grave e generalizada violação de direitos humanos" no Afeganistão, algo que agiliza o processo de obtenção de refúgio por cidadãos desse país.

Só é possível fazer essa solicitação, porém, estando já no Brasil, e, para a viagem, os afegãos precisam de visto.

O governo brasileiro aprovou o visto humanitário para afegãos no dia 3 de setembro, nos mesmos moldes do documento que já existe para sírios e haitianos. Hoje, são poucos os refugiados afegãos em território brasileiro: no total, há 162 já reconhecidos e 49 processos em andamento, segundo dados recentes do Ministério da Justiça.

Em outubro, chegou um grupo de 26 pessoas, entre juízas, magistrados e seus familiares —categoria destacada inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro em discurso na Assembleia-Geral da ONU, ao dizer que o país acolheria "cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos".

Há outras iniciativas para trazer refugiados afegãos para o Brasil, desenvolvidas por voluntários, empresas e organizações não governamentais. Em algumas, porém, há confusão em relação ao passo a passo para a obtenção do visto. As dificuldades em que esbarram, como uma longa lista de exigências das embaixadas, praticamente inviabiliza o processo.

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