Descrição de chapéu Coronavírus África

Banir viajantes da África é racista e ineficaz contra a ômicron, apontam especialistas dos EUA

Cientistas afirmam que melhor estratégia para conter nova variante é expandir vacinação e testes

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Washington

O fechamento de fronteiras para conter a propagação da nova variante ômicron do coronavírus é ineficaz e pode ser considerado racista, avaliam especialistas dos EUA ouvidos pela Folha.

A nova cepa foi considerada como de risco muito elevado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), pois pode ser mais contagiosa, mas os dados para comprovar isso ainda estão sendo obtidos e analisados.

"O veto a viagens da África é uma reação racista, que não se baseia em ciência ou biologia. É moralmente repugnante", afirma Mark Schleiss, do Instituto de Virologia Molecular da Universidade de Minnesota.

Pessoas aguardam para fazer um teste PCR para o Sars-Cov-2 em Joanesburgo, na África do Sul - Emmanuel Croset - 30.nov.21/AFP

Países como Brasil e EUA adotaram vetos a viajantes vindos de nações africanas que relataram casos da nova variante. A proibição começou a valer nesta semana, e governos já debatem novas restrições.

Schleiss aponta que não há evidências de que a variante ômicron surgiu na África e que já há registros de que ela circulava na Europa antes mesmo do anúncio feito pela África do Sul, na semana passada.

"Repete-se o caso da gripe de 1918, conhecida como ‘espanhola’ porque a Espanha foi o primeiro país a ser transparente sobre ela", diz. Pesquisadores consideram hoje que aquela infecção surgiu nos EUA.

"Fechar fronteiras raramente funciona do modo como as pessoas imaginam e geralmente traz consequências negativas para os países que relataram os casos, então a medida deveria ser usada de modo muito cuidadoso", avalia Andy Pekosz, virologista na Universidade Johns Hopkins.

"Temos de ter mais foco em testar, rastrear contatos, sequenciar [o material genético] dos vírus, identificar infectados e colocá-los em quarentena. São caminhos muito mais efetivos", sugere Pekosz.

Para Aubree Gordon, professora de epidemiologia na Universidade de Michigan, o monitoramento das variantes e o compartilhamento de informações entre os países deveriam ser a prioridade neste momento.

"Gestos como banir viagens realmente desencorajam isso e não são efetivos ao prevenir a transmissão já em andamento", aponta ela. "Está claro que a variante já se espalhou por muitas partes do mundo."

Os especialistas consideram que os governos de países desenvolvidos deveriam ajudar a ampliar a vacinação em países africanos, de modo a conter a circulação do vírus e, assim, reduzir a chance do surgimento de novas variantes. A taxa de imunização na África, até esta quinta-feira (2), está em torno de 7,3% da população, enquanto a média global é de 43,8%. No Brasil, 63% estão plenamente vacinados.

"É biologia. Para novas variantes surgirem, o vírus precisa circular. A melhor maneira de impedir a criação de variantes é, em primeiro lugar, conter as infecções. Se todo mundo estiver completamente imunizado, haverá uma queda na circulação do vírus e na geração de variantes", explica Schleiss. "Havia muitos especialistas falando em desigualdade de vacinas desde o começo do ano, e o que os países fizeram? O que acontece com uma criança em Botsuana tem impacto no que pode acontecer com os meus filhos."

Para Pekosz, da Johns Hopkins, os países que doam vacinas devem fazê-lo com uma estratégia bem definida. "Não podemos dar apenas 100 mil doses para um país com 5 milhões de pessoas. Temos que dar vacinas em quantidade suficiente para fazer diferença", afirma ele.

O virologista também aponta a necessidade de ajudar os países mais pobres a criarem estruturas para distribuir os imunizantes. Vacinas de RNA, como a fabricada pela Pfizer, precisam ser mantidas sob refrigeração, o que gera dificuldades extras. Os especialistas explicam que ainda é preciso esperar dados mais claros para ter certeza de que a ômicron é mais perigosa e que essas informações deverão ser obtidas em um prazo entre uma e três semanas. "O dado mais importante será o quão rápido o vírus é capaz de se espalhar. Se ele transmitir pouco, gerará menos preocupação", avalia Pekosz.

Gordon, da Universidade de Michigan, explica que há dois tipos de dados em análise: os que vêm de humanos e os de laboratório. "Na parte humana, precisamos ver se o vírus é transmitido de forma rápida, se atinge pessoas já imunizadas ou que já tiveram a doença, e em que intensidade. E, no laboratório, serão feitos testes para ver se as vacinas e os remédios atuais conseguem neutralizá-lo, e em que nível."

Mesmo que as vacinas tenham efetividade menor contra o vírus, elas poderão ser modificadas para serem usadas contra a nova variante: pode-se manter a mesma estrutura e trocar o modelo de vírus em uso.

"Será muito fácil mudar as vacinas para focar a variante ômicron e produzi-las em massa. A questão é que os países e as agências reguladoras precisam entender que já fazemos isso com outros vírus, como o da gripe, e que não será preciso passar por todo um processo de testes clínicos desde o começo", diz Pekosz.

Scheiss, que também é pediatra, aponta que ainda não há dados que mostrem se a ômicron pode atingir as crianças de modo mais intenso. A vacinação para menores de 12 anos ainda não foi liberada na maioria dos países, incluindo o Brasil. A Anvisa analisa um pedido de autorização da Pfizer para aplicar o imunizante em crianças maiores de cinco anos de idade, como foi liberado nos EUA. A empresa pretende também pedir autorização para vacinar crianças com idade a partir de seis meses.

Enquanto as respostas não chegam, os cientistas consideram que a medida mais importante é avançar a vacinação para quem ainda não foi imunizado. "Usar máscara também continua altamente recomendado. E é preciso prestar atenção às condições locais. Se o número de casos subir muito, você deveria reduzir as interações, especialmente as de risco, como se reunir em espaços abertos em vez de espaços fechados. Pequenas mudanças podem fazer uma grande diferença no curso da pandemia", diz Gordon.

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