Belarus usa fertilizantes como trunfo para atrair Brasil e tentar romper isolamento

Ditadura do leste europeu responde pelo fornecimento de 20% do potássio para a agricultura brasileira

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São Paulo

Na mira dos Estados Unidos e de países europeus desde a contestada reeleição do ditador Aleksandr Lukachenko, em agosto do ano passado, Belarus tem buscado no Brasil um aliado usando como trunfo um insumo estratégico para a produção de alimentos, o cloreto de potássio.

Em 2020, a ex-república soviética respondeu por 20,9% das importações do fertilizante pelo Brasil, ficando atrás apenas de Rússia e Canadá como fornecedora. Foram 2,44 milhões de toneladas compradas do país do leste europeu, aumento de 39,4% em relação a 2019.

O ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, durante visita a campo de refugiados perto da fronteira com a Polônia
O ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, durante visita a campo de refugiados perto da fronteira com a Polônia - Leonid Shcheglov - 26.nov.21/AFP

O cloreto de potássio é um dos fertilizantes mais utilizados por agricultores, muito comum para culturas como soja e milho. O Brasil tem poucas jazidas mapeadas do produto e importa 95% do que consome. Já Belarus é a segunda maior produtora mundial do insumo.

As exportações de Belarus, inclusive o potássio, têm sido alvo de sanções em razão da vitória de Lukachenko, no poder há 26 anos, que teve amplos sinais de fraude. Além disso, seu regime tem reprimido duramente manifestações da oposição e é acusado de provocar uma crise com a União Europeia, forçando imigrantes vindos do Oriente Médio a congestionar as fronteiras do país com Polônia e Lituânia.

O risco de que as sanções aumentem o preço do produto ou levem à interrupção das cadeias de fornecimento vem sendo explorado pelas autoridades belarussas.

Em entrevista recente à Folha, o novo embaixador do país em Brasília, Serguei Lukashevich, ressaltou que os insumos têm sido importantes para o crescimento da produção agrícola brasileira há muitos anos.

"A principal ‘vítima’ das sanções da UE e dos EUA na esfera do comércio de fertilizantes de potássio não será a própria Belarus, mas a segurança alimentar mundial, assim como a agricultura brasileira", afirmou.

Segundo algumas previsões, poderá haver desabastecimento do produto já a partir de abril de 2022.

Essa visão pessimista tem respaldo no governo brasileiro, a começar do próprio presidente Jair Bolsonaro. Em viagem a Dubai em 13 de novembro, ele demonstrou preocupação com a possível falta do insumo.

"Temos problemas pela frente, a questão da Belarus. Lá na frente a gente pede a Deus que o problema não aumente, com relação à questão de fertilizantes. Isso tem a ver com a nossa agricultura", disse ele.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na mesma viagem, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi mais explícita. Disse que a interrupção do fornecimento do produto vindo da Belarus pode impactar no preço dos alimentos na safra a ser plantada no ano que vem. Ela afirmou que o governo já está se mobilizando para tentar compensar possíveis perdas com outros fornecedores.

Até agora, a resposta do Itamaraty à situação conflagrada no país europeu foi sucinta, em contraste com posicionamentos contundentes de outras nações. Veio numa nota de apenas duas frases emitida em 20 de agosto do ano passado, 11 dias após a eleição.

Na ocasião, o governo disse acompanhar "com preocupação" os relatos de violência contra protestos pacíficos. "O Brasil conclama as forças políticas do país ao diálogo amplo e à solução pacífica das diferenças, com pleno respeito aos direitos fundamentais e ao princípio da soberania popular".

Para Volha Franco, da Embaixada Popular da Belarus no Brasil, que reúne a pequena diáspora do país em território brasileiro, as relações bilaterais se pautam por um mantra: interesses econômicos em primeiro lugar. "O Brasil, no mínimo, deveria se posicionar de maneira mais firme contra a repressão. O regime ainda não caiu porque tem dinheiro. Os recursos obtidos com a venda do potássio são usados para equipar a polícia, que reprime trabalhadores e manifestantes", diz ela.

O cloreto de potássio belarusso é explorado pela empresa Belaruskali, que tem relações próximas com o regime de Lukachenko. A exportação é feita pela Companhia de Potássio Belarusso, que diz vender o produto para mais de cem países. A companhia dá grande importância ao Brasil, tanto que mantém em Curitiba (PR) um de seus únicos escritórios de representação pelo mundo. Também conta com uma versão de seu site em português. A empresa foi procurada pela Folha, mas não se manifestou.

A possível escassez do potássio belarusso é acompanhada com preocupação por produtores agrícolas.

"Até o momento, as sanções não impediram a exportação. Dificultaram a logística, pois foi necessário remanejar o escoamento de portos da Lituânia para a Rússia. A preocupação é que a questão geopolítica se agrave", diz Reginaldo Minaré, diretor técnico-adjunto da Confederação Nacional da Agricultura.

Minaré afirma que a incerteza quanto ao insumo da Belarus se soma a uma conjuntura desfavorável que pressiona os preços dos alimentos, envolvendo questões logísticas e de alta de combustíveis. De acordo com ele, a safra do ano que vem certamente será a mais cara do século.

"Belarus representa 18% da produção global de potássio. É uma quantidade expressiva e que não é facilmente reposta", diz. O preço da tonelada do produto já vem subindo no mercado internacional.

Para Felippe Serigati, pesquisador da FGV Agro, as próprias características do mercado internacional de potássio amplificam qualquer choque de oferta. "O mercado é inelástico, o espaço para compensar a variação de quantidades do produto é limitado. Pequenas alterações têm choque muito grande no preço."

Segundo ele, o plantio da safra de 2022 no Brasil já ocorreu e não será afetado, mas a situação é bem mais preocupante com relação à chamada "safrinha" do milho, que começa a ser semeada em março.

"Se o preço do fertilizante for muito alto, o agricultor não vai usá-lo, com reflexo na produção."

A tendência de alta é inevitável, caso Belarus siga sem poder exportar sua produção. "Num ambiente geopolítico como esse, o produtor não tem certeza se vai embarcar o produto. E, se embarcar, não sabe se o navio vai conseguir partir. O preço do frete é alto, não faz sentido se expor a esse risco", diz Serigati.

Em nota enviada à reportagem, o Itamaraty disse que tem recebido relatos de produtores agrícolas preocupados com os entraves no fornecimento de fertilizantes. O ministério afirmou que tem procurado identificar potenciais mercados exportadores alternativos para o Brasil.

"Já foram encontradas empresas em mais de 20 países com disponibilidade do produto, o que parece evidenciar que, a despeito da pressão observada sobre os preços do insumo, não haveria riscos iminentes de desabastecimento no mercado internacional."

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