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China ameaça Taiwan, e aliados ajudam ilha a formar frota sigilosa de submarinos

Taipé discretamente recruta expertise e tecnologia de todo o mundo para construir força de dissuasão contra invasão chinesa

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Taipé | Reuters

Taiwan tentou por mais de 20 anos comprar submarinos convencionais modernos para se defender de uma ameaça existencial: uma invasão da China. Ninguém se adiantou para lhe oferecer o que procurava.

Os Estados Unidos, principal aliado de Taiwan, possuem uma frota nuclear e não construíam submarinos movidos a diesel havia décadas. Outros países hesitaram, com medo de incorrer no desagrado de Pequim.

Submarino movido a diesel Hai Lung SS-793 emerge durante exercício em Taiwan
Submarino movido a diesel Hai Lung SS-793 emerge durante exercício em Taiwan - Tyrone Siu - 13.abr.18/Reuters

Agora, no momento em que a China sob Xi Jinping intensifica sua intimidação militar de Taiwan, diversas empresas estrangeiras de tecnologia estão colaborando, com a aprovação de seus governos, com um programa sigiloso de construção de submarinos em Taiwan.

Uma investigação da agência de notícias Reuters descobriu que Taipé vem discretamente adquirindo tecnologia, componentes e expertise de pelo menos sete países para ajudá-lo a formar uma frota de submarinos com o potencial de provocar danos sérios a seus adversários no caso de um ataque da China.

O principal fornecedor internacional de armas de Taipé, os Estados Unidos, vem provendo a ilha de tecnologia chave, incluindo sonares e componentes de sistemas de combate. Mas a assistência está chegando de muitos outros países além da América.

Empresas do setor de defesa do Reino Unido —que, como os EUA, opera uma frota de submarinos nucleares de ataque e munidos de mísseis balísticos— estão dando apoio crucial.

Um veterano da frota de submarinos da Marinha Real britânica, o comodoro aposentado Ian McGhie, foi uma figura crucial na campanha para recrutar expertise em submarinos, segundo uma pessoa que está a par do papel que ele exerceu. McGhie ajudou uma empresa sediada em Gibraltar a contratar engenheiros, incluindo antigos membros da Marinha Real britânica.

Nos últimos três anos, o Reino Unido aprovou diversas licenças de exportação para empresas britânicas fornecerem componentes, tecnologia ou software de submarinos a Taiwan, segundo informações do Departamento de Comércio Internacional obtidos via lei de Liberdade de Informação.

O valor das tecnologias de submarino aprovadas para exportação pelo Reino Unido a Taiwan subiu exponencialmente nos últimos anos, conforme mostram dados governamentais analisados pela Reuters.

Taipé também conseguiu contratar engenheiros, técnicos e ex-oficiais navais de ao menos cinco outros países: Austrália, Coreia do Sul, Índia, Espanha e Canadá. Trabalhando num estaleiro na cidade portuária de Kohsiung, os especialistas vêm assessorando a marinha taiwanesa e o estaleiro estatal CSBC Corporation Taiwan, a empresa que está construindo os novos submarinos.

Rupert Hammong-Chambers, presidente do Conselho Empresarial EUA-Taiwan, disse à Reuters que Taiwan procurou em todo o mundo para encontrar essa expertise em engenharia de submarinos.

"É um quebra-cabeça", comentou. Taiwan teve que fazer uma busca no mercado internacional por tecnologia e componentes que não conseguia produzir internamente. Assim, disse Hammong-Chambers, Taipé "cortou o bolo em fatias menores" para determinar quais trabalhos necessitariam de ajuda externa, como a assistência para completar o design dos submarinos.

Lançado oficialmente em 2017, o projeto taiwanês é conhecido formalmente como programa Nacional de Defesa com Submarinos. Seu codinome é Hai Chang —"prosperidade marítima" em chinês. A empresa de navios CSBC iniciou a construção dos veículos no ano passado e, segundo o governo, pretende entregar até 2025 o primeiro de oito embarcações previstas. O valor do projeto é estimado em até US$ 16 bilhões, segundo o instituto de pesquisas International Institute for Strategic Studies, sediado em Londres.

Informado sobre as conclusões deste artigo, um porta-voz do Ministério do Exterior chinês disse que "as autoridades taiwanesas estão conspirando com forças externas". Os países em questão, disse o porta-voz em comunicado, deveriam abster-se de participar do esforço dos submarinos, "cancelar laços militares com Taiwan e parar de apoiar as forças secessionistas que defendem a ‘independência de Taiwan’". Esses países "estão brincando com fogo, e quem brinca com fogo vai se queimar", disse o porta-voz.

O Ministério da Defesa taiwanês disse que os novos submarinos são essenciais para a "guerra assimétrica das forças de defesa nacional" —uma alusão a travar guerra contra um adversário militar superior. O ministério disse ainda que diversos desafios foram superados e que o programa está sendo implementado conforme o planejado. A CSBC negou-se a comentar.

Medo de represálias

Alguns detalhes do projeto dos submarinos, incluindo o envolvimento de um número pequeno de engenheiros estrangeiros e algumas licitações para a aquisição de equipamentos e expertise, foram noticiadas anteriormente pela Reuters e outros. Esta reportagem traz a descrição mais detalhada até agora do programa e da extensão da assistência externa que Taiwan está recebendo.

Ela é baseada em investigações realizadas em 11 países e em entrevistas com mais de 80 pessoas, incluindo autoridades públicas atuais e anteriores, diplomatas, ex-submarinistas e fontes da indústria da defesa. Os jornalistas também analisaram documentos corporativos e milhares de posts em redes sociais.

Duas pessoas em Taiwan com conhecimento direto do programa disseram que os líderes do projeto traçaram uma estratégia discreta para limitar a capacidade de Pequim de pressionar governos e empresas estrangeiros para não cooperarem com Taipé. A equipe taiwanesa abordou empresas estrangeiras diretamente, em lugar de primeiro buscar a aprovação de governos nacionais, disseram as duas pessoas. Com os pedidos em mãos, as empresas estrangeiras solicitaram licenças de exportação a seus governos.

Agora, segundo as duas pessoas em questão e declarações públicas de representantes taiwaneses, já foram obtidas licenças de exportação de todos os componentes fundamentais. Muitos desses componentes estão ligados ao sistema de combate, disseram as duas pessoas.

Mesmo assim, o medo de represálias de Pequim impediu algumas transferências de irem adiante. Uma companhia alemã que fornece equipamentos vitais cancelou um acordo repentinamente no ano passado, segundo as duas pessoas. Elas se recusaram a identificar a empresa ou a tecnologia envolvida.

Gerentes da empresa fornecedora revelaram a Taiwan mais tarde que a venda foi bloqueada pela empresa mãe da firma, que tem extensos interesses comerciais na China.

Para minimizar reveses desse tipo, a equipe de Taiwan teria acessado duas ou três fontes de muitas tecnologias importantes, para o caso de um dos fornecedores desistir do negócio.

Diplomatas estrangeiros dizem que o êxito de Taiwan em obter expertise e tecnologia reflete a preocupação cada vez maior do Ocidente com o poderio militar crescente da China e a pressão que Pequim vem exercendo sobre Taiwan. Em setembro, o Reino Unido e os EUA fecharam um pacto com a Austrália para ajudar Camberra a construir submarinos nucleares, no momento em que a América e seus aliados respondem à escalada da força militar chinesa. Duas semanas mais tarde o Reino Unido enviou um navio de guerra pelo estreito de Taiwan, pela primeira vez desde 2008.

A ajuda para a construção de submarinos representa um avanço importante para a isolada Taipé, que não tem reconhecimento diplomático oficial dos países que aprovaram licenças de exportação para o projeto.

"Taiwan não é tão isolada assim", disse uma das pessoas em Taiwan com conhecimento do programa. "Em vista das licenças de exportação que obtivemos, sabemos que muitos países estão nos ajudando."

Questionado sobre a assistência para o projeto, um porta-voz do governo britânico disse que a "política de longa data em relação a Taiwan não mudou: não temos relações diplomáticas com Taiwan, mas temos um relacionamento extraoficial forte, baseado em laços comerciais, educacionais e culturais dinâmicos".

"Os Estados Unidos vão continuar a disponibilizar para Taiwan os produtos e os serviços de defesa necessários para que Taiwan possa manter uma capacidade suficiente de autodefesa", disse um porta-voz do Departamento de Estado americano, respondendo a perguntas sobre o programa. "Fazê-lo aumenta a estabilidade no estreito de Taiwan e na região."

Pequim insiste que Taiwan faz parte da China e pediu reiteradas vezes a unificação pacífica, mas se nega a excluir o recurso da força para colocar a ilha sob seu controle. A presidente Tsai Ing-wen diz que Taiwan é um país independente chamado República da China, seu nome oficial, e jurou defender sua liberdade e democracia. Enquanto estaleiros chineses constroem os navios de guerra que seriam necessários para uma invasão, uma frota de submarinos modernos elevaria significativamente o poder de fogo de Taiwan.

Ameaça mortal

A China possui 58 submarinos, seis dos quais são embarcações nucleares dotadas de mísseis balísticos, segundo o Pentágono. A marinha taiwanesa tem apenas quatro submarinos.

Dois deles datam da Segunda Guerra Mundial: submarinos classe Guppy de fabricação americana, a serviço do Taiwan desde 1974 e que só servem para treinamento. Os outros dois são mais modernos: embarcações da classe Sea Dragon construídas na Holanda e encomendadas em 1987.

Os oito submarinos novos, somados aos Sea Dragons, representariam uma ameaça a uma frota invasora, dizem veteranos ocidentais, japoneses e taiwaneses. Com torpedos potentes e mísseis antinavios, esses submarinos poderiam atacar as embarcações de transporte de tropas e os navios de guerra que o Exército de Libertação Popular chinês teria que usar para qualquer desembarque de forças em Taiwan.

As duas pessoas em Taiwan com conhecimento do programa disseram que as embarcações seriam usadas também nas águas mais profundas a leste da ilha, o que ajudaria a manter abertos os portos do litoral leste de Taiwan, o mais distante da China, para permitir o reabastecimento durante um conflito.

Os submarinos também explorariam um ponto fraco da marinha do ELP, que, dizem analistas, ainda está atrasada em relação aos EUA e seus aliados em matéria de capacidade de combate antissubmarino avançado. A presença de submarinos ao largo da costa chinesa forçaria a China a manter operações antissubmarino contínuas. "O poder de fogo de um torpedo é muito maior que mísseis ou canhões", disse o vice-almirante Tatsuhiko Takashima, que se aposentou no ano passado do cargo de comandante da frota de submarinos da Força de Autodefesa do Japão.

Nem todos dizem acreditar que o programa de submarinos é o que Taiwan necessita. Para alguns estrategistas, Taipé deveria investir primeiro em armas menores, menos caras mas letais, como mísseis antiaéreos e antinavios móveis. Se fossem camufladas e posicionadas em cidades e montanhas, essas armas poderiam fustigar uma força invasora do ELP antes que chegasse à ilha.

O ex-comandante militar de Taiwan Lee Hsi-ming delineou essa doutrina antes de passar para a reserva, em 2019. Lee disse que, para o caso provável de perder equipamentos convencionais importantes como caças-bombardeiros, a ilha precisa preservar a capacidade de contra-atacar um invasor.

Em 2001, os Estados Unidos fecharam um acordo para fornecer submarinos convencionais a Taiwan, como parte de um pacote de armas maior. Mas já se haviam passado décadas desde que estaleiros americanos haviam construído essas embarcações, e Washington não conseguiu cumprir o prometido. A frota de submarinos dos EUA é exclusivamente movida a energia nuclear.

Os esforços de Taiwan para obter submarinos de outras fontes não deram em nada porque outros países receavam ofender a China. Pequim rebaixou sua relação diplomática com a Holanda depois de esse país vender os Sea Dragons a Taiwan, na década de 1980. Para restaurar os laços, disse à Reuters o Ministério do Exterior holandês, a Holanda firmou um acordo com a China em 1984 afirmando que "não aprovaria nenhuma exportação nova de produtos militares a Taiwan". Esse acordo ainda vigora.

A eleição em 2016 da presidente Tsai, cujo Partido Democrático Progressista defende o fortalecimento da força militar dissuasiva contra o ELP, foi um momento de virada do programa. Um grupo de pesquisas do partido governista vinha estudando a questão, e mesmo antes de assumir a Presidência Tsai já estava determinada a construir novos submarinos, segundo quatro pessoas com conhecimento do projeto.

Numa reunião importante em 2015, um comandante de submarinos da reserva, Yang Yi, informou Tsai da importância dos submarinos, disseram três dessas pessoas. A Reuters não pôde entrar em contato com Yang. Outros altos oficiais da marinha, incluindo o antigo chefe militar da ilha, almirante Huang Shu-kuang, eram fortemente favoráveis ao projeto. Assim, em 2017, com tensões crescendo no estreito de Taiwan, o Ministério da Defesa firmou um memorando de entendimento com a CSBC para lançar oficialmente o programa de construção de um submarino taiwanês.

Sigilo profundo

O ex-chefe militar Huang, hoje assessor sênior do Conselho de Segurança Nacional, transmitiu a parlamentares informações atualizadas sobre o projeto, tratadas com sigilo extremo. Os legisladores tiveram que assinar um acordo de confidencialidade, disse uma pessoa que assistiu aos briefings.

Oficiais da marinha levaram uma maquete do submarino numa caixa de papelão a algumas das reuniões promovidas nos últimos anos, para mostrar aos parlamentares. A pessoa contou que a maquete parecia diferente a cada reunião, acompanhando a evolução do design do submarino.

Numa reunião no final do ano passado, a marinha submeteu à revisão dos parlamentares a documentação das licenças de exportação emitidas por governos estrangeiros.

Os nomes das empresas estavam codificados, e os legisladores precisavam consultar um manual para ver quais firmas estavam colaborando no programa, disse a pessoa. Cada vez que um parlamentar recorria ao manual, seu nome era registrado, assim como os números das páginas que ele consultara.

Ainda restam obstáculos. Construir um submarino do zero custa caro e encerra desafios tecnológicos. E Taiwan tem tido que lidar com a recusa de empresas convencionais e reconhecidas em fornecer um design ou outra ajuda. A Holanda, por exemplo, concordou em se responsabilizar pela manutenção dos dois Sea Dragons existentes, mas não participa da construção do novo submarino taiwanês.

Questionado sobre a razão, o Ministério do Exterior holandês disse que, pelos termos do acordo de 1984 com Pequim, o governo holandês não aprovará qualquer nova licença de exportação de equipamentos militares a Taiwan. Tóquio, um dos aliados mais estreitos de Washington, também reluta em se envolver.

O Japão opera uma das frotas de submarinos convencionais mais avançadas do mundo. A ideia de ajudar Taiwan foi discutida informalmente no Japão, mas abandonada por receio da possível reação chinesa, segundo duas fontes seniores do Ministério da Defesa em Tóquio. Uma razão da hesitação do Japão é o medo das consequências econômicas de ofender Pequim, comentou o vice-almirante aposentado Yoji Koda, ex-comandante de frota da Força de Autodefesa Marítima nipônica. Segundo ele, Taiwan é um lobby poderoso. O Ministério da Defesa do Japão se negou a comentar.

Para conservar a adesão de seus fornecedores, Taiwan vem procedendo discretamente. Mas alguns indícios de apoio internacional vieram à tona, mesmo assim.

Em novembro do ano passado, o presidente da CSBC, Cheng Wen-lon, confirmou que estrangeiros trabalharam ao lado da equipe da construtora naval para elaborar as plantas.

"Nossos profissionais desenharam o projeto por conta própria, com a assistência de pessoal técnico estrangeiro, mas fizemos o corpo principal nós mesmos", disse, ao responder a perguntas de legisladores taiwaneses. Mas Cheng afirmou que não estava autorizado a revelar a origem da assistência do exterior.

Uma firma pouco conhecida criada em 2013 no território ultramarino britânico de Gibraltar forneceu expertise fundamental. Chefiada por dois israelenses, a empresa, Gavron Limited, ganhou uma licitação para prestar assessoria técnica à CSBC. O contrato foi no valor de cerca de US$ 20 milhões, segundo o Ministério da Defesa, em 2018. Documentos identificam os diretores como Gil Yossef Cooper e Arie Beizer.

Além da notícia de que ela fechou um contrato e recrutou engenheiros para o projeto, pouca coisa foi revelada sobre a participação da Gavron. Um gerente da empresa disse que não podia responder a perguntas a autorização do cliente. O gerente se negou a disponibilizar Cooper e Beizer para entrevistas.

Em seu site, a Gavron diz oferecer "décadas de experiência de consultores como tripulantes de submarinos nucleares, [...] além de outros dotados de qualificações técnicas de nicho". A empresa afirma também que muitos de seus consultores fizeram carreira como submarinistas da Marinha Real britânica.

Entre eles está McGhie, o ex-submarinista sênior da Marinha Real que recrutou engenheiros para trabalhar no projeto. Um anúncio de 2017 da Gavron em Taiwan, pedindo um engenheiro de submarinos, foi postado numa plataforma europeia de empregos e identificou McGhie como a pessoa a ser contatada.

Segundo o anúncio, o trabalho incluiria "revisão do design do casco de pressão e do anteparo principal". Ambos são elementos cruciais: o casco de pressão, feito de aço especializado, é a estrutura que conserva o submarino estanque quando ele submerge. Precisa ser capaz de resistir a forças enormes. Os anteparos são estruturas interiores que dividem o submarino em seções, para reforçar o casco de pressão e permitir que compartimentos inundados sejam selados hermeticamente em casos de emergência.

Contatado pela Reuters, McGhie disse que precisaria de autorização da Gavron para falar sobre o projeto, devido à natureza delicada do cliente e às suas próprias obrigações contratuais. Ele não mencionou o Taiwan especificamente. Em email posterior, disse que havia "algumas inconsistências e imprecisões menores" nesta descrição do papel dele e da Gavron, mas não deu maiores detalhes. Em seu perfil no LinkedIn, ele diz que ajudou uma empresa de Gibraltar a conseguir o contrato de "um serviço técnico complexo de vários milhões de libras para um cliente no setor da indústria pesada no Extremo Oriente".

McGhie foi o comandante das forças britânicas em Gibraltar até 2016, segundo um site do governo britânico. O perfil no LinkedIn destaca que ele passou 32 anos nas Forças Armadas e fez parte de uma equipe que "traçou, negociou e entregou" o primeiro Programa Nacional de Cibersegurança britânico, um projeto de 650 milhões de libras, enquanto trabalhava no Departamento de Cibersegurança britânico.

Um conto folclórico japonês

A Reuters encontrou pelo menos 12 engenheiros estrangeiros que disseram em entrevistas ou em redes sociais que haviam trabalhado no programa de submarinos ou para a Gavron em Taiwan.

Esses profissionais, que incluem especialistas jovens e veteranos em submarinos, tinham experiência de trabalho em programas de submarino avançados. De acordo com seus perfis em redes sociais, estes programas incluíam o S-80, da construtora naval estatal espanhola Navantia, e os submarinos nucleares de ataque britânicos da classe Astute, construídos pela BAE Systems.

Em artigo de 2017 publicado no site de sua universidade, o arquiteto naval espanhol Juan Herrero Valero disse que nesse ano começou a trabalhar para uma companhia britânica em Kaohsiung no programa taiwanês. Valero disse que foi recrutado para o projeto depois de ser contatado por meio do LinkedIn.

"Fiquei realmente surpreso porque sou muito jovem", disse o engenheiro no artigo. Ele destacou que estava em Taiwan trabalhando com engenheiros muito mais experientes. "Mas a equipe de consultoria tem mostrado confiança em mim", disse. Ele se negou a falar com a Reuters.

No mês passado, os EUA revelaram, sem fazer alarde, que aprovariam a venda de tecnologia chave para o projeto. A notícia saiu numa carta do Departamento de Estado ao Congresso datada de 5 de janeiro e postada em outubro no Federal Register, o veículo que publica avisos e notícias do governo americano.

Segundo a carta, Washington estava preparada para licenciar transferências de dados e serviços técnicos a Taiwan, à Itália e ao Reino Unido avaliados em US$ 50 milhões ou mais para apoiar o projeto de submarinos taiwanês. A tecnologia "vai apoiar a integração, a instalação, a operação, o treinamento, os testes, a manutenção e o reparo de sistemas" de apoio ao programa.

Mas Washington manteve sigilo em torno da maioria dos detalhes, incluindo quais empresas americanas estão envolvidas. Segundo duas fontes em Taiwan, a Lockheed Martin Corp. está fornecendo o sistema de combate dos submarinos, que integra e exibe dados de sonares e de outros sensores para permitir que os comandantes ataquem os alvos. De acordo com as fontes, os sonares estão sendo fornecidos pela Raytheon Technologies Corp.

Em 2018, a Lockheed publicou no site de empregos online JobSearcher.com um anúncio de recrutamento de um vice-gerente de programas para trabalhar nos submarinos taiwaneses existentes Sea Dragon e na fase de design de um novo programa nacional de submarinos.

O anúncio pedia que os candidatos fossem fluentes em mandarim. No início deste ano, a Lockheed postou em outro site de empregos online um anúncio buscando um engenheiro de sistemas de combate para trabalhar no Sea Dragon e no novo submarino. A Lockheed e a Raytheon se negaram a comentar.

A assistência dada a Taiwan está em conformidade com a política americana de longa data. Desde que Washington transferiu seu reconhecimento diplomático de Taipé para Pequim, em 1979, as administrações americanas são obrigadas por lei a garantir a Taiwan os meios para se defender.

Empresas britânicas também estão desempenhando papel chave. Em resposta a um pedido via Lei de Liberdade de Informação, o Departamento de Comércio Internacional dos EUA revelou que nos últimos três anos 28 "candidatos", ou entidades corporativas, receberam licenças de exportação de componentes, tecnologia ou softwares de submarinos a Taiwan. O órgão não menciona o programa de submarinos.

A lista de empresas incluiu a firma de defesa high-tech QinetiQ Ltd. Três pessoas com conhecimento do assunto confirmaram o envolvimento da QinetiQ no programa taiwanês. Uma delas disse que a empresa presta assessoria sobre gestão de segurança subaquática. A QinetiQ se negou a comentar.

Uma subsidiária canadense do britânico BMT Group Ltd também participa do programa. A BMT é uma empresa que trabalha com a frota britânica de submarinos nucleares. A subsidiária em questão, BMT Canada Ltd., foi contratada para prestar consultoria e assessoria de engenharia, segundo quatro pessoas com conhecimento do pacto. O trabalho incluiu a revisão de planos desenhados pela CSBC. O BMT Group se negou a comentar. A Global Affairs Canada não comentou o envolvimento da BMT Canada. "O Canadá não tem laços de defesa ou de militar a militar com Taiwan", disse o Ministério do Exterior em nota.

O valor dos equipamentos e tecnologias de submarino aprovados para exportação do Reino Unido ao Taiwan subiu de modo dramático, mostra uma análise feita pela Reuters de dados do governo.

Entre 2011 e 2017, o Reino Unido aprovou licenças de exportação a Taiwan de equipamentos de submarino no valor de pelo menos US$ 432 mil. Esse valor saltou para pelo menos US$ 211 milhões entre 2018 e março deste ano. Os equipamentos incluem modelos de testes e softwares. Os dados do Reino Unido não especificaram se as exportações se destinavam ao programa de submarinos novos.

Enquanto Taiwan se esforça para completar o primeiro submarino até 2025, as duas pessoas com conhecimento do programa disseram que o que mais os preocupa é a possibilidade de atrasos na importação de equipamentos por conta da Covid-19 e da China exercer pressão sobre fornecedores.

O esforço multinacional continua firme por enquanto. Uma pessoa em Taipé com conhecimento do projeto o comparou ao conto folclórico japonês "Momotaro", em que um garoto solitário recebe ajuda de um grupo de aliados improváveis —um cão, um macaco e um faisão— para derrotar um demônio assustador. "Estamos todos unidos para derrotar o demônio", disse a pessoa.

Mari Saito , Yimou Lee , Ju-min Park , Tim Kelly , Andrew MacAskill , Sarah Wu e David Lague

Tradução de Clara Allain

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