Descrição de chapéu Governo Biden

Cúpula da Democracia deve discutir novo modelo de sanções contra regimes autoritários

Governo Biden avalia que formato atual de punições tem sido pouco eficaz para reagir a ditadores

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Washington

Há décadas, os Estados Unidos apostam em bloqueios econômicos para tentar pressionar governos autoritários a deixar o poder em países estrangeiros —ou ao menos a parar de cometer abusos.

Os casos de Cuba e Venezuela, no entanto, mostram que a tática tem falhas: os dois países empobreceram muito, mas os regimes questionados pelos americanos seguem no poder.

O presidente dos EUA, Joe Biden, principal organizador de reunião de cúpula de países democráticos - Tom Brenner/Reuters

Para evitar que situações assim se repitam, o governo de Joe Biden busca repaginar o uso das sanções econômicas e elaborar novas táticas para pressionar governos que perseguem opositores, desrespeitam direitos humanos e roubam dinheiro público. O plano, que está sendo divulgado aos poucos, é adotar bloqueios mais estreitos e direcionados, convencer mais países a endossar essas barreiras e avançar no combate à corrupção, de modo a fechar portas para que ditadores enviem recursos ilícitos ao exterior.

Novos anúncios devem ser feitos em meio à Cúpula da Democracia, um encontro virtual com líderes de cerca de 110 países —​incluindo o Brasil—, convocado por Biden para buscar formas de combater o autoritarismo e a corrupção. O evento será realizado nesta quinta (9) e na sexta (10).

Em outubro, o Departamento do Tesouro –que aplica punições financeiras– concluiu uma revisão da política de sanções. "A análise apontou que, frequentemente, as sanções são usadas por nós como uma ferramenta de primeiro recurso, sem que haja uma análise estratégica sobre o objetivo delas", diz Juan Gonzalez, responsável por América Latina no Conselho de Segurança Nacional, ligado à Casa Branca.

A partir disso, os EUA querem relacionar as medidas a objetivos mais claros. Atualmente, é comum que as punições sejam adotadas por tempo indeterminado. De modo geral, indivíduos ou empresas alvos das sanções não podem negociar com o governo ou companhias americanas e podem ter bens congelados.

Empresas que descumprirem os bloqueios e fizerem transações com as pessoas ou as entidades sob embargo ficam sujeitas a punições, o que leva ao isolamento comercial dos países atingidos.

Todas as nações podem emitir restrições, assim como entidades como a ONU e a União Europeia, mas o peso delas vai depender da importância de suas economias no cenário global. Os vetos funcionam de formas variadas: podem atingir indivíduos, empresas, governos, setores industriais inteiros de uma região e até navios e aviões. O bloqueio também pode ter intensidades variadas, como barrar a venda de um tipo de produto ou impedir qualquer transação financeira com firmas de determinado país.

No longo prazo, as sanções geram problemas econômicos mais graves. Indústrias podem não conseguir importar peças para consertar maquinários, por exemplo, o que paralisa serviços e linhas de produção, gerando efeitos em cascata na economia. "Estamos olhando para as sanções de um modo que nos permita avançar junto com nossos parceiros internacionais e que não puna o povo de um país só porque um pequeno grupo de indivíduos está envolvido em ações de corrupção. Trata-se de ter um foco prioritário e sanções estritas contra indivíduos envolvidos em atividades [antidemocráticas]", afirma Gonzalez.

Hoje, há cerca de 10 mil restrições dos EUA em vigor. Em 2014, eram 6.000, segundo entidades como o Center for a New American Security. O uso de sanções teve uma disparada no governo de Donald Trump (2017-2021), que praticamente dobrou sua aplicação, na comparação com a gestão de Barack Obama (2009-2017). Em 2020, foram emitidas 777 novas sanções, e 212 nomes foram retirados da lista de vetos.

O governo Biden também pretende buscar novas medidas para monitorar e barrar negócios que envolvam dinheiro de origem ilícita. Os pilares desta nova política são o aumento da transparência, o reforço da aplicação de leis e aprimoramento de parcerias, segundo Wally Adeyemo, vice-secretário do Tesouro.

Como exemplo, ele citou o caso de Joseph Kabila, ex-presidente da República Democrática do Congo, que investiu US$ 3,5 milhões em dinheiro de propina em imóveis nos EUA. "Ele foi capaz de transformar fundos ilícitos em ativos valiosos ao fazer as compras em dinheiro vivo, tirando vantagem de brechas nas regras antilavagem de dinheiro dos EUA", afirmou Adeyemo durante evento na segunda-feira.

O Departamento do Tesouro estuda maneiras de fechar essas brechas legais e aumentar a identificação de quem faz negócios no país, incluindo uma nova base de dados com os nomes por trás de empresas de fachada. Para isso, o plano é aumentar a troca de dados com outros órgãos, como o IRS (equivalente à Receita Federal), e convencer empresas, bancos privados e governos estrangeiros a apertar a fiscalização.

"A natureza globalizada do sistema significa que nossos esforços para manter fundos ilícitos fora do mercado americano não terão sucesso se outras jurisdições deixarem a porta aberta", diz Adeyemo.

Os EUA deverão anunciar na cúpula novos programas de parcerias para estimular a criação de programas anticorrupção, como o envio de funcionários americanos para ajudar na implantação deles. Planeja-se também anunciar ações de apoio a jornalistas e entidades que investigam desvios de dinheiro público.

A gestão Biden considera que o combate à corrupção ajudará a fortalecer governos nacionais. Segundo o FMI, os países perdem US$ 1 trilhão por ano de dinheiro público e estima que apenas a venda de imóveis em solo americano ajudou a lavar em torno de US$ 3 bilhões em recursos ilícitos. Alguns negócios envolveram a compra de casas e apartamentos luxuosos em cidades como Los Angeles e Nova York.

No entanto, o próprio governo americano reconhece que a tarefa é difícil. Um funcionário sênior do Departamento do Tesouro, em conversa sob condição de anonimato, apontou que muitas das mudanças que o governo espera atingir vão levar tempo para se desdobrarem.

"Na América Latina, os EUA falharam em preservar a democracia na Venezuela e na Nicarágua, ou mesmo em frear a erosão das regras democráticas em El Salvador, Guatemala e Honduras", diz Benjamin Gedan, vice-diretor do programa de América Latina do think tank Wilson Center. "Esta luta depende de um arsenal global de estímulos e punições, de apoiar ativistas pró-democracia a sanções afiadas contra maus atores."

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