EUA pedem ao final de Cúpula da Democracia que Brasil amplie inclusão de negros e indígenas

Declaração foi feita no término de evento organizado pelo governo de Joe Biden

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Washington

Ao final da primeira edição da Cúpula da Democracia, os Estados Unidos pediram ao governo brasileiro que amplie a inclusão democrática de negros e indígenas e expanda a aplicação da lei.

"Continuamos a encorajar o governo brasileiro a promover a inclusão social de toda a sua rica e diversa cultura, incluindo afrobrasileiros, povos indígenas e outros grupos por meio do desenvolvimento sustentável, proteção ambiental e expansão da aplicação da lei", disse Uzra Zeya, subsecretária de Segurança Civil, Democracia e Direitos Humanos do governo Joe Biden, em entrevista pouco após o encerramento do evento.

O presidente dos EUA, Joe Biden, fala durante o encerramento da Cúpula da Democracia - Leah Millis/Reuters

A cúpula foi realizada ao longo de três dias e teve a participação de representantes de cerca de cem países. Os líderes foram convidados a fazer compromissos para o próximo ano, de como melhorar a participação política e garantir eleições justas. As declarações foram exibidas em vídeos gravados, ao longo de quinta (9) e sexta (10).

Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro (PL) ignorou escândalos e disse que o país não registra casos de corrupção no governo federal há três anos. Bolsonaro afirmou ainda que o Brasil adotou "o mais ambicioso e abrangente plano anticorrupção da história do país" —o governo lançou na quinta um minipacote sobre o tema em evento em Brasília, que pretende regulamentar o lobby, aumentar a transparência da agenda pública de autoridades e garantir proteção ao servidor que denunciar irregularidades.

"O discurso de Bolsonaro é incompatível com a realidade política e social brasileira. Bolsonaro e seu governo continuam violando direitos de povos indígenas, por apoio a projetos de lei que podem culminar na tomada de terras indígenas e expansão do desmatamento", considera Iman Musa, diretora de advocacy da entidade Washington Brazil Office.

James Green, professor de história do Brasil da Universidade Brown, avalia que a presença do Brasil em cúpulas como esta é indispensável, pois eventos assim integram estratégias geopolíticas complexas. "Lidar com Bolsonaro, assim como foi lidar com Trump, em certa medida, requer pragmatismo por parte dos democratas. Por outro lado, vemos uma crescente preocupação com a democracia Brasileira por parte do Congresso dos EUA", considera Green, que também é um dos coordenadores da Rede nos EUA pela Democracia no Brasil (USNDB)

"O Brasil é a segunda maior democracia do hemisfério e a quarta maior do mundo. Então, o Brasil pode compartilhar uma perspectiva única sobre os desafios em fazer a democracia entregar [resultados] no Hemisfério Ocidental e no Sul Global", comentou Zeya.

A subsecretária disse que a cúpula funcionou como um ponto de partida, e que 2022 será "um ano de ação", no qual os países deverão colocar em prática as propostas feitas. Até a tarde desta sexta, o governo americano não havia divulgado uma lista dos compromissos feitos pelos governos estrangeiros, que deveriam ser relacionados ao combate à corrupção e ao autoritarismo e à proteção aos direitos humanos.

Assim, o final do encontro foi marcado por raros anúncios, sem uma declaração final conjunta. Na breve fala de encerramento, feita com meia hora de atraso, Biden repetiu frases que havia dito na quinta sobre a importância da democracia e deu como exemplo de acordo uma nova aliança formada por Panamá, Costa Rica e República Dominicana, para fortalecer suas instituições e ampliar a transparência. "Este é o tipo de compromisso e de parcerias que eu espero ver mais no próximo ano", comentou.

"Jogamos luz sobre a importância da liberdade de imprensa e em como o avanço da situação de mulheres e garotas é um investimento no sucesso de nossas democracias", disse o presidente.

Até agora, entre medidas práticas do encontro, o governo dos EUA anunciou um pacote de US$ 424 milhões para iniciativas em cinco áreas: apoiar a imprensa independente, combater a corrupção, reforçar reformas democráticas, adotar novas tecnologias e defender a realização de eleições. A destinação exata dessas verbas, no entanto, ainda será definida nos próximos meses.

Além disso, foi lançada uma iniciativa para conter o mau uso da tecnologia por governos, como mecanismos para espionar cidadãos e censurar conteúdo. A proposta foi endossada só por Canadá, França, Holanda e Reino Unido.

Já o Departamento de Estado dos EUA criou uma Coordenação Anticorrupção Global, para integrar e ampliar ações e colocar em prática estratégias para dificultar a circulação de dinheiro público roubado pelo mundo, como ampliar a transparência sobre empresas de fachada e a compra de imóveis em solo americano usando dinheiro vivo.

"Reconhecer que a corrupção se trata de um problema global, que não pode ser resolvida apenas por um país por ter uma natureza internacional, é uma questão importante que emerge da cúpula", avalia Robert Herrera, senior fellow da ONG Freedom House, que monitora a democracia pelo mundo. Ele considera que houve debates de bom nível ao longo do evento, que teve mesas virtuais entre autoridades, ativistas e pesquisadores.

A cúpula teve pouco espaço na imprensa americana. CNN e MSNBC, canais de notícias que costumam transmitir quase todos os pronunciamentos de Biden, cortaram a exibição do discurso de abertura do evento pela metade e voltaram a exibir o noticiário local, por exemplo.

O encontro foi marcado também pelo debate sobre a falta de precisão nos critérios para chamar alguns países e não outros. China e Rússia, que não foram convidadas por terem regimes autoritários, acusaram os EUA de usar a cúpula para gerar divisão no mundo e defenderam que o modelo americano não pode ser considerado a única forma válida de democracia.

"Esta cúpula não foi direcionada contra nenhum país. Foi sobre uma agenda afirmativa sobre defesa da democracia. Os Estados Unidos não são um árbitro que diz quem é e quem não é uma democracia. Isso é uma questão de legitimidade que cabe, ao final, a cada cidadão desses países", disse Zeya.

A subsecretária disse que a lista de convidados buscou ser inclusiva e representativa em relação a cada região do mundo. "A não inclusão de um país não pretende ser uma marca de desaprovação. Pelo contrário. Esta é uma agenda global para os EUA", completou.

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