Descrição de chapéu
Mercosul América Latina

Kast perdeu, mas está consolidado como representante da ultradireita no Chile

Vitória de Gabriel Boric, por outro lado, consolida guinada do Chile à esquerda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carol Pires
Brasília

A disputa entre Gabriel Boric, 35, e José Antonio Kast, 55, pela Presidência do Chile foi descrita de diversas formas. Combate "entre dois extremos" foi o mais repetido. Outros foram menos simplistas. "Mudança contra a restauração e a ordem." "Esperança rebelde contra a fome de tranquilidade."

Fato é: venceu o primeiro, consolidando o Chile como farol do novo progressismo na região.

O candidato derrota na eleição presidencial chilena, José Antonio Kast, vota em Santiago
O candidato derrota na eleição presidencial chilena, José Antonio Kast, vota em Santiago - Mauro Pimentel/AFP

Ao enfatizar a importância do feminismo e do reconhecimento de minorias para alcançar uma sociedade mais próspera, apostando em uma economia verde e criticando os regimes venezuelano, cubano e nicaraguense, Boric se firma como voz da nova esquerda latino-americana.

O economista Noam Titelman define o programa de Boric como uma tentativa de "'democratizar a democracia', reunindo preocupações sobre o 'fim do mundo' (ambientalismo) com o 'fim do mês' (direitos sociais)". Mas seus adversários não o veem com tanta boa vontade.

Eleito pela Apruebo Dignidad, aliança da qual o Partido Comunista também faz parte, Boric defende maior participação do Estado nos sistemas previdenciário, de educação e de saúde —o que responde ao levante de 2019, mas confronta o modelo liberal chileno que tanto ajudou o crescimento do PIB como intensificou a desigualdade. Por tais propostas, Kast alardeava a eleição como "comunismo versus liberdade".

Para pagar a conta, Boric propõe aumento de impostos e taxação progressiva dos mais ricos. Fala em regular, não em nacionalizar. E responsabilidade fiscal está entre de seus mantras desde que recebeu o apoio dos ex-presidentes Michelle Bachelet e Ricardo Lagos, da centro-esquerda.

Formado em direito pela Universidade do Chile, Boric ganhou projeção nacional nos protestos estudantis de 2011. Desde então, entendeu a importância da política institucional e, dentro dela, a necessidade de fazer alianças. Um momento-chave em sua trajetória foi em 2019, quando assinou o acordo transpartidário que deu início à Convenção Constitucional e arrefeceu os protestos de 2019 contra o governo de direita de Sebastián Piñera. Perdeu apoio entre aliados, mas ganhou em alcance político.

Agora, para governar, precisará fazer ainda mais concessões e alianças.

Já Kast, ainda que tenha perdido a eleição, sai dela maior do que entrou. Filho de um militante do Partido Nazista que foi soldado de Hitler, Kast é admirador do ditador chileno Augusto Pinochet (cujo regime matou 3.200 pessoas e torturou mais de 40 mil). Deputado por 16 anos, foi abraçado por jovens youtubers e viralizou nas redes sociais com a fórmula da incorreção e da desinformação. Levantou como bandeira o combate à "ideologia de gênero" e mais poder às igrejas. Impossível não ver nele um Bolsonaro andino.

Já para coibir a imigração, Kast propôs criar uma força policial especializada e cavar um fosso na fronteira norte do Chile, numa aparente tentativa de roubar de Bolsonaro o apelido de Trump latino.

Então a esquerda chilena venceu 2021? Com alta abstenção eleitoral (historicamente metade dos eleitores não vota), carimbar a alma chilena é sempre difícil. Os protestos de 2019 pediram mudanças estruturais que diminuam a desigualdade. A eleição de uma Assembleia Constitucional de maioria jovem e progressista e a vitória de Boric confirmam que a alma dos protestos está viva.

Mas a ascensão de Kast mostra que entre os que temem as mudanças culturais e a perda de privilégios ainda é muito forte a crença de que a estabilidade vive num passado de suposta paz social.

A robustez da classe política chilena não foi capaz de barrar a chegada da onda de populistas de ultradireita. Kast perdeu, mas está consolidado como seu representante no Chile. Caberá a Boric entender como dialogar com esse outro lado do país para não deixar seu triunfo cair no fosso que divide o país.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.