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Migração opõe candidatos na reta final da eleição no Chile

Enquanto Boric propõe acolhimento humano, Kast quer muro e expulsões

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Santiago

Entre as duas pistas da movimentada avenida Bernardo O'Higgins, importante artéria de Santiago, há uma série de barracas de acampamento. De diferentes cores, elas se alinham a perder de vista e estão mais amontoadas na agitada região comercial em torno da Estação Central.

Seus habitantes são, em geral, estrangeiros. Migrantes da mais recente onda, vindos de países da região que têm sofrido problemas políticos ou consequências do impacto econômico da pandemia. Os que chegaram em maior volume no último ano foram venezuelanos, seguidos de haitianos e peruanos, segundo o Departamento de Migrações.

Migrante da Venezuela vasculha depósito de lixo na periferia de Iquique, no norte do Chile - Martin Bernetti - 26.set.2021/AFP

"Eu estava no norte, mas lá a recepção que tivemos foi muito hostil, queimaram todos os cobertores que tínhamos e até mamadeiras, coisas das crianças, um desrespeito que não achei que ia sentir no Chile", diz Zully Isler, 31, vinda de Guanare, na Venezuela, com dois filhos e o marido. Ela se refere à série de ataques violentos sofridos em setembro por imigrantes venezuelanos em Iquique (a 1.500 km de Santiago, próximo à fronteira com o Peru), por chilenos contrários à imigração.

O tema é um dos que geram intenso debate no Chile, que escolhe no próximo domingo (19) o sucessor do presidente direitista Sebastián Piñera. Os dois candidatos na disputa pelo segundo turno têm visões opostas sobre como lidar com o tema.

O esquerdista Gabriel Boric, na frente nas pesquisas, defende uma política de melhor acolhimento e critica o atual mandatário por ter criado um sistema burocrático e caro para regularizar a situação dos migrantes. O deputado propõe controle para evitar a migração ilegal e a de pessoas que tenham cometido crimes em seu país de origem.

Já o ultradireitista José Antonio Kast tem uma postura mais dura. Propõe elaborar um estatuto de expulsão, que deportaria todos os que não tenham entrado de modo legal, e defende que os postos de controle sejam reforçados com policiamento, assim como as passagens clandestinas. Quer também construir torres de controle e um muro em partes da região fronteiriça.

Na mais recente pesquisa do instituto Cadem, Boric tem 40% das intenções de voto, contra 35% de Kast, com 25% de indecisos. Na última semana de campanha, as sondagens de boca de urna estão proibidas, e esta foi a última a ser veiculada antes do período de proibição.

Aos 51, Jean Herivoux é haitiano já está há mais de 15 anos no Chile. Vive em Quilicura, região localizada ao norte da região metropolitana de Santiago, que abriga tantos haitianos que é chamada de Little Haiti.

"Viemos muitos nas últimas décadas, por causa da pobreza, da violência, das tragédias climáticas. Hoje continua vindo gente, mas há muitos querendo sair, por causa do preconceito, do racismo e porque ficou tudo mais caro e mais difícil aqui com a pandemia. Muitos são informais, perderam o trabalho e ficaram sem nada", conta o comerciante.

Nas ruas de Quilicura, o comércio tem letreiros em francês e se escuta uma mistura de idiomas nas ruas. Pequenos restaurantes de comida haitiana reúnem os moradores na hora do almoço.

Herivoux conta que tem um primo que, já cansado de tentar a vida no Chile, resolveu partir com um grupo de haitianos primeiro até a Colômbia. Lá, a partir do porto de Necoclí, cruzou a perigosa região do Darién e está no Panamá, tentando entrar nos Estados Unidos.

"É o sonho de muitos aqui, sobretudo os mais jovens. Ir embora. Já eu, pessoas da minha idade ou mais velhas, acham melhor ficar no Chile, porque já temos algo aqui, nos instalamos —e essa viagem é muito difícil, além de não sabermos como seremos recebidos nos EUA."

Segundo o Departamento de Migração, há 1,4 milhão de migrantes no Chile, o equivalente a 7% da população. Esse número vem crescendo a cada ano. Em 2009, eram apenas 200 mil. Cerca de 66% dos chilenos creem que a imigração é algo ruim para o país. Em 2009, essa cifra era bem menor, de 44% (segundo pesquisa Pulso Ciudadano).

A gestão de Piñera foi dúbia com relação aos imigrantes. Em sua campanha para apoiar Juan Guaidó contra o ditador Nicolás Maduro, na Venezuela, iniciada em 2019, o mandatário prometeu receber os venezuelanos que migrassem por questões políticas ou pela crise humanitária.

Chegou a se encontrar com o presidente colombiano Iván Duque em Cúcuta, na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, e em um discurso a dizer que os venezuelanos seriam bem recebidos no Chile.

Na prática, porém, a realidade foi diferente. Aos venezuelanos que chegam ao país é entregue um documento de cidadania válido por um ano, mas há poucas garantias de que a pessoa terá oportunidades de trabalho ou acesso a uma moradia. Com a crise econômica gerada pela pandemia e o aumento de protestos no norte do país, Piñera decidiu promover deportações de ilegais, que geraram manifestações de repúdio da oposição e de organismos internacionais como a Anistia Internacional e as Nações Unidas.

No discurso de campanha de Kast, os imigrantes estão associados à delinquência e à falta de trabalho. Sua narrativa se encaixa na reação dos chilenos que saíram a queimar pertences dos venezuelanos em Iquique. Mas, segundo Herivoux, Kast também tem sintonia com um sentimento que ele vê entre outros imigrantes, que estão há mais tempo no país.

"Há gente que chega, se estabelece e depois não quer que mais pessoas cheguem. Mesmo sendo estrangeiros, e muitos deles não votam, esse grupo pensa que Kast vai organizar a economia e impedir que mais gente de fora entre para tomar os poucos empregos que há", afirma.

Já o discurso de Boric é o de abordar a imigração como um problema mais amplo, envolvendo as relações internacionais e vários ministérios. Nas últimas semanas, em seu esforço para ter o apoio de eleitores de centro, o esquerdista vem prometendo mais vigilância nas fronteiras e dizendo que será "implacável contra a delinquência e o narcotráfico".

Porém, afirma que "o Chile tem uma tradição de receber imigrantes que é histórica" e que uma nova política de migrações tem de ser "justa e humana".

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