Descrição de chapéu oriente médio Itamaraty

Redes sociais não fazem o bastante para combater antissemitismo, diz diretor do Museu do Holocausto

Israelense Dani Dayan, rejeitado por Dilma para ser embaixador no Brasil, fala de episódio pela 1ª vez e chama decisão de infeliz e sem fundamento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tel Aviv

Diretor-executivo do Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém, há três meses, o diplomata e economista argentino-israelense Dani Dayan, 66, diz que era ingênuo em relação ao antissemitismo.

Em 2016, quando chegou a Nova York como cônsul-geral de Israel, cargo que ocupou até 2020, não esperava ter de lidar com tantos casos de ataques a judeus, pichações e vandalismo em cemitérios judaicos, marchas supremacistas e até mesmo uma chacina de 11 fiéis em uma sinagoga em Pittsburgh.

Hoje, ele não está otimista. Considera o antissemitismo uma doença sem cura, cobra mais ações de redes sociais como Facebook, Twitter e TikTok e afirma que a questão pode tomar governos de esquerda e de direita, como o atual brasileiro, mesmo quando se declaram amigos de Israel.

Dani Dayan, atual diretor do Museu do Holocausto em Jerusalém e ex-cônsul-geral de Israel em Nova York - Brendan Smialowski - 28.out.18/AFP

No Brasil, o nome de Dayan ficou conhecido em 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff rejeitou sua nomeação a embaixador de Israel em Brasília. O motivo, nunca esclarecido pelo Itamaraty, seria o fato de o diplomata ter liderado, de 2007 a 2013, o Conselho Yesha, que representa os colonos israelenses em territórios em disputa com os palestinos, e morar num desses assentamentos.

Em sua primeira entrevista sobre o assunto, Dayan, que nasceu em Buenos Aires em 1955 e imigrou para Israel quando tinha 15 anos de idade, afirma à Folha que deixou o "episódio infeliz" para trás, satisfeito com a melhora no relacionamento entre Brasil e Israel após o governo Dilma.

Qual é o maior desafio do Yad Vashem quase oito décadas após o fim do Holocausto? Estamos entrando em um período no qual, infelizmente, não haverá mais sobreviventes para contar suas experiências no Holocausto. Os documentos e os depoimentos gravados terão de servir de testemunha. Será uma tarefa muito mais importante e vital para manter a memória do Holocausto viva.

O que é necessário para lutar contra o antissemitismo? Digo a todos os líderes que vêm visitar o Yad Vashem que há duas lições principais. Uma é a importância existencial de um Estado judeu independente, soberano e forte. Se houvesse tal Estado nos anos 1930 e 1940, o Holocausto não teria ocorrido. E a segunda é que nenhum ato antissemita deve ser tolerado. O antissemitismo deve ser combatido veementemente desde as primeiras faíscas. O mundo todo pagou um preço muito alto pela tolerância aos nazistas por líderes mundiais. Isso é verdade para grupos sociais e também para governos. O regime iraniano, por exemplo, prega a destruição do Estado de Israel. Isso não pode ser tolerado.

Há uma forte impressão de que, nos últimos cinco anos, o antissemitismo explodiu no mundo. É só uma impressão? Não. Quando fui para Nova York como cônsul-geral, eu era ingênuo, achava que o antissemitismo não seria uma das questões mais importantes na minha agenda. Mas aí começaram os casos de profanação de cemitérios na Filadélfia e em Rochester. Depois, os protestos neonazistas em Charlottesville. Vi a bandeira nazista tremulando nas ruas de uma grande cidade e ouvi os gritos de "judeus não vão nos substituir". Mas nada me preparou para a chacina de Pittsburgh, quando 11 judeus foram assassinados numa sinagoga local. Percebi que o jogo havia mudado.

Na Europa, partidos antissemitas estão crescendo, e há novamente nazistas nas ruas. Por quê? O antissemitismo não precisa de motivos. Vemos lugares onde ele irrompe mesmo quando quase não há judeus. Prova recente é a marcha antissemita em Kalisz, na Polônia, onde não mora um único judeu. O antissemitismo é um vírus que acompanha a Europa e o mundo há milênios. Ele muda de forma: às vezes é religioso, às vezes nacional, às vezes racial, às vezes político. Mas é uma doença sem cura.

Atualmente, com a multiplicação de teorias conspiratórias antissemitas, o senhor vê uma maneira de erradicá-las? Não sei se é possível erradicá-las, mas elas devem ser combatidas. Não há dúvida de que as redes sociais são parte do problema. Elas estão sujeitas a todo tipo de opiniões impensáveis: extremismo, racismo e antissemitismo. Infelizmente, não vemos ações suficientes por parte de Facebook, Twitter, TikTok e de outras empresas. Elas ainda não atingiram o nível de responsabilidade exigido delas.

O senhor deveria ter sido embaixador de Israel no Brasil, mas não foi aceito pela ex-presidente Dilma. Como o episódio afetou a sua vida? A decisão foi infeliz e sem fundamento. Acho que até as pessoas que pensavam como ela na época entendem hoje que foi um erro diplomático grave. Mas é coisa do passado. A senhora Rousseff foi afastada do cargo e, para a minha alegria, as relações entre Israel e Brasil florescem. Fiquei feliz em receber um pedido de desculpas em nome do Brasil.

De quem o senhor recebeu desculpas? O presidente Bolsonaro fez uma declaração nesse sentido antes de ser eleito e, em várias ocasiões, disse, publicamente e de outras formas, que o Brasil se desculpa.

Após a sua rejeição, Israel enviou ao Brasil o hoje ex-embaixador Yossi Shelley, que se tornou amigo pessoal do presidente Jair Bolsonaro, o que dividiu a comunidade judaica. Foi um erro? Assim que fui rejeitado, parei de acompanhar o que acontece no Brasil. Mas o papel de um embaixador é fortalecer os laços entre Israel e o país onde está, especialmente se o governo local demonstra amizade com Israel.

Os casos de antissemitismo e de apologia do nazismo crescem no Brasil. Alguns deles ocorreram no governo Bolsonaro. Roberto Alvim, hoje ex-secretário da Cultura, divulgou um vídeo com trechos de um discurso de Joseph Goebbels, por exemplo, e Bolsonaro recebeu a parlamentar alemã de extrema direita Beatrix von Storch, cujo avô foi ministro da Fazenda de Hitler. Como o senhor explica esse paradoxo? Só o que posso dizer é que o antissemitismo pode existir em governos de direita ou de esquerda. É um fenômeno frequentemente irracional e difícil de explicar.


Raio-X

Dani Dayan, 66
Diretor-executivo do Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém, liderou de 2007 a 2013 o Conselho Yesha, que representa os colonos israelenses em territórios em disputa com palestinos e foi cônsul-geral de Israel em Nova York de 2016 a 2020. Chegou a ser indicado para embaixador no Brasil, mas não foi aceito por Dilma Rousseff

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.