Seca vira desastre nacional no Quênia e ameaça vida de animais; veja fotos

Agravada pela crise do clima, escassez de chuvas prejudica produção agrícola e leva mais de 368 mil a passarem fome

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O agravamento da seca em áreas tradicionalmente áridas do Quênia, impulsionado pela emergência climática, tem empurrado milhões de pessoas para a insegurança alimentar e levado à morte centenas de animais que habitam o país da costa leste africana.

Mais de 2,9 milhões de quenianos precisam de assistência humanitária depois de áreas do litoral e do sudeste do país registrarem o pior volume de chuvas das últimas quatro décadas, de acordo com dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas (Ocha, na sigla em inglês).

Pastor passa com suas cabras pela carcaça de uma vaca que morreu devido à seca contínua perto da cidade de Kargi, no condado queniano de Marsabit, no Norte - Baz Ratner - 9.out.21/Reuters

A piora da seca prejudicou a produção agrícola e de gado e levou mais de 368 mil pessoas a passarem fome —o país tem pouco mais de 54 milhões de habitantes. Os números estão reunidos em um relatório publicado nesta terça-feira (14).

A crise humanitária intensificada pela crise do clima afeta em especial a infância e tem recorte de gênero: 523 mil crianças menores de cinco anos precisam de tratamento para desnutrição aguda, e, em algumas localidades, famílias começaram a adotar saídas extremas, como o casamento infantil, na tentativa de proporcionar melhores condições econômicas às filhas.

Com as fontes de água secas, o país também assiste à morte de centenas de animais. A realidade não é incomum —em 2017, o Quênia perdeu mais de 400 elefantes devido à seca—, mas está agravada. Somente o condado de Garissa, no sudeste, que possui pouco mais de 4.830 girafas, segundo dados do censo nacional, corre o risco de perder 4.000 delas por causa dos efeitos da seca.

Autoridades locais ouvidas pelo jornal queniano The Star afirmam que a situação piorou porque muitas famílias, na ausência de outras fontes de água, passaram a desenvolver suas atividades agrícolas na beira dos rios, impedindo que animais selvagens acessem esses locais. A população de girafas no Quênia é avaliada em mais de 34,2 mil.

A situação, que já se estende há meses, levou o presidente do país, Uhuru Kenyatta, a declarar a seca um desastre nacional na primeira quinzena de setembro. Com isso, áreas do governo como o Tesouro e o Ministério do Interior foram instadas a liderar esforços para ajudar famílias afetadas, em especial com a distribuição de alimentos.​

A emergência climática, que já transforma e prejudica o cotidiano de agricultores e famílias africanas, atinge no Quênia uma região que historicamente tem sua dinâmica alterada pelo clima. As chamadas terras áridas e semiáridas —conhecidas pela sigla ASAL— ocupam mais de 80% do território, em especial as partes ao norte e ao sudeste.

Espalhadas por 29 dos 47 condados, elas abrigam cerca de 38% da população nacional, 70% da pecuária e 90% dos animais selvagens.

A subsistência e a economia da região foram afetadas em cheio. Segundo o levantamento das Nações Unidas, 87% dos condados inseridos na região árida e semiárida estão em alerta para a seca e, neles, a população se vê obrigada a caminhar distâncias mais longas para buscar água. O acesso do gado à água também piorou em 91% dos condados. Já a produção de leite está abaixo da média em 74% do território, e os preços do milho subiram em 65% dos locais.

De acordo com dados da organização americana Christian Aid, que atua no país, o Quênia é altamente vulnerável às mudanças climáticas, com projeções sugerindo que a temperatura média anual do país aumentará 2,5°C em 2050, em comparação com 2000.

A África registrou em 2020 o terceiro ano mais quente da região. Se continuar assim, em dez anos o continente terá 118 milhões de pessoas —cerca de 10% dos habitantes— em situação de extrema pobreza expostas aos eventos extremos, e o PIB será reduzido em 3% até 2050, segundo projeções da Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Ainda que seja responsável por menos de 4% das emissões de carbono, o continente vê as temperaturas médias se aquecerem mais rapidamente que a média global. Em 2020, na contramão do observado neste ano, as inundações foram fonte de desastres no Quênia —por conta delas, somente de outubro a dezembro daquele ano mais de 40 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas e migrar.

Liderada pelas Nações Unidas, uma campanha de arrecadação de fundos para ajudar a população afetada foi lançada em setembro. Até o momento, porém, o cenário é descrito como "extremamente subfinanciado". Dos US$ 139,5 milhões (R$ 798 milhões) apontados como necessários, apenas 23% (US$ 32,3 milhões) foram arrecadados.

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