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Premiê do Sudão renuncia após mortes em protesto contra golpe militar

Manifestantes têm ido às ruas desde tomada de poder por militares em outubro, em atos que já deixaram 56 mortos

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Cartum | AFP e Reuters

O primeiro-ministro do Sudão, Abdallah Hamdok, anunciou neste domingo (2) sua renúncia, seis semanas depois de ter retornado ao posto. ​​​Derrubado por militares em um golpe em outubro do ano passado, Hamdok foi reinstalado em novembro após um acordo com as forças de segurança.

"Decidi devolver a responsabilidade e anunciar minha renúncia para dar uma chance a outro homem ou mulher deste nobre país para [...] ajudá-lo a atravessar o período que resta do caminho para a democracia", disse em um discurso na televisão.

O agora ex-premiê, que não aparecia em público há dias, alimentando boatos de um possível pedido de demissão, também afirmou que novas negociações são necessárias "para que se chegue a um novo acordo de transição política".

Policiais usam bombas de gás lacrimogêneo para conter manifestantes em Cartum, no Sudão
Policiais usam bombas de gás lacrimogêneo para conter manifestantes em Cartum, no Sudão - AFP

No discurso transmitido pela TV pública, Hamdok admitiu que tinha fracassado em sua tentativa de alcançar um consenso e alertou que o que chamou de sobrevivência do Sudão está hoje "ameaçada". Segundo ele, as diferentes forças políticas do país, que interrompeu em 2019 uma ditadura de 30 anos, estão "fragmentadas" demais.

A decisão da renúncia foi tomada depois de ao menos dois manifestantes serem mortos pelas forças de segurança em protestos contra o regime, segundo informações do Comitê Central de Médicos Sudaneses. A entidade divulgou que uma das vítimas era um homem na casa dos 20 anos, que morreu em Cartum devido a ferimentos na cabeça, e que a outra era um homem baleado no tórax em Omdurman.

A morte de seis pessoas em manifestações na última quinta-feira (30) foi um dos acontecimentos que dispararam os atos deste domingo, que levaram milhares às ruas. Em Cartum, a polícia tentou dispersar os ativistas, que caminhavam em direção ao palácio presidencial, com bombas de gás lacrimogêneo e soldados armados. Também se repetiu a estratégia de cortar os serviços de telecomunicações.

Os manifestantes marchavam aos gritos de "soldados no quartel" e "poder ao povo", enquanto jovens em motocicletas cruzavam a multidão, prontos para socorrer feridos —a cada mobilização ambulâncias são bloqueadas pelas forças de segurança.

As autoridades tentaram ainda impedir o ato erguendo barreiras físicas, como tem sido feito em todos os protestos, que se tornaram regulares desde o golpe do general Abdel Fattah al-Burhane.

Nos últimos dias a capital sudanesa vem sendo cercada por contêineres colocados nas pontes sobre o rio Nilo. Internet e redes de telefonia pararam de funcionar na manhã deste domingo e, nas principais estradas, membros das forças de segurança em veículos blindados com metralhadoras vigiavam os passantes.

Ainda assim, as pessoas foram às ruas se manifestar em memória de mortos em protestos contra os militares. Desde o golpe, são ao menos 56 vítimas e centenas de feridos. Na última quinta, policiais prenderam e espancaram jornalistas de duas emissoras sauditas.

As forças de segurança também são acusadas de terem recorrido em dezembro a uma nova ferramenta de repressão: o estupro de pelo menos 13 manifestantes, segundo a ONU. Somam-se a isso as denúncias dos Comitês de Resistência —pequenos grupos que organizam manifestações— de novas prisões ou desaparecimentos diários nos bairros de Cartum.

Os ativistas pedem que 2022 seja "o ano da resistência", exigindo justiça também para os mais de 250 civis mortos durante o que chamam de revolução de 2019, quando a pressão popular obrigou o Exército a destituir um de seus militares, Omar al-Bashir, após 30 anos de ditadura.

Depois, generais e civis concordaram com um cronograma de transição que exigia a entrega de todo o poder antes de eleições livres em 2023. Em 25 de outubro, porém, o general Burhane estendeu o que chama de "correção do curso da revolução", mantendo seu mandato à frente do país por dois anos, além de reinstalar o primeiro-ministro civil, Abdallah Hamdok.

Economista e ex-funcionário das Nações Unidas respeitado pela comunidade internacional, Hamdok se tornou premiê mediante um acordo de divisão de poderes entre militares e civis depois da queda de Al-Bashir.

Retirado do poder e colocado sob prisão domiciliar pelos militares em outubro do ano passado, ele foi reinstalado no cargo em novembro. O acordo foi criticado por muitos na coalizão civil que, previamente, dava apoio ao premiê, e os protestos em massa continuaram a acontecer.

Os militares ainda precisam apresentar aos 45 milhões de sudaneses o governo civil que havia prometido no fim de novembro, ao libertar Hamdok da prisão domiciliar. Num país quase sempre sob o domínio militar desde a sua independência há 65 anos, os manifestantes proclamam: "nem parceria nem negociação com o Exército".

O regime encara também pressão da comunidade internacional. Europeus, EUA e ONU já expressaram indignação pela situação do país. Todos defendem o retorno ao diálogo como pré-requisito para a retomada da ajuda internacional, cortada após o golpe.

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