Ao menos 56 pessoas morreram e outras 30 ficaram feridas neste sábado (8), após ataque aéreo em um acampamento de deslocados na região do Tigré, no norte da Etiópia, numa demonstração de que mesmo o diálogo proposto pelo governo na véspera ainda trará duras consequências para a população.
A informação foi confirmada por dois trabalhadores humanitários à agência de notícias Reuters. Por medo de represálias, não quiseram se identificar, mas relataram que o local atacado era abrigo de muitas crianças e idosos, que estão entre mortos e feridos. O governo já teria confirmado o número de vítimas.
O conflito no Tigré, que opõe o governo e a TPLF (Frente de Libertação do Povo do Tigré), teve início há mais de um ano e desencadeou uma onda de deslocados internos, além da deterioração das crises econômica e social. Calcula-se que 2 milhões de pessoas deixaram suas casas e 400 mil passam fome.
O porta-voz militar do país, Getnet Adane, e o porta-voz do governo, Legesse Tulu, não responderam a pedidos de comentários feitos pela Reuters, assim como o porta-voz do primeiro-ministro Abiy Ahmed, Billene Seyoum. O premiê está no campo de batalha há cerca de um mês ao lado dos soldados do país.
A TPLF acusa o governo de ser o autor dos ataques. O porta-voz do grupo, Getachew Reda, escreveu em uma rede social que o ataque com drones é insensível. "A parte mais triste dessa história é que as vítimas são pessoas deslocadas pela campanha genocida promovida pelo regime", concluiu.
Um dos trabalhadores humanitários, que visitou o hospital geral Shire Suhul, para onde foram levados os feridos no ataque, relatou à Reuters conversas que teve com alguns dos deslocados. Asefa Gebrehaworia, 75, disse ao funcionário que perdeu amigos no episódio. Os combates o obrigaram a deixar sua casa, e o ataque recente destruiu o acampamento onde, embora enfrentasse fome, possuía abrigo.
Antes do último ataque, pelo menos 146 pessoas haviam sido mortas, e 213, feridas, em ataques aéreos na região do Tigré desde 18 de outubro, de acordo com um levantamento feito por agências humanitárias.
O governo etíope havia anunciado, na sexta (7), o início de um diálogo com a oposição. Também libertou presos políticos, os quais eles Sebhat Nega, cofundador da TPLF, e Abay Weldu, ex-presidente da região do Tigré, principal reduto da oposição. O governo dos Estados Unidos disse que o premiê Ahmed está pavimentando o caminho para a reconciliação nacional. "Saudamos a libertação de prisioneiros como um movimento positivo neste contexto", disse um porta-voz do Departamento de Estado americano.
Já a União Europeia (UE) disse que, embora a libertação dos líderes da oposição tenha sido uma medida positiva, o conflito no Tigré, a exemplo do mais recente ataque aéreo, ainda preocupa. "Todas as partes devem aproveitar o momento para encerrar rapidamente o conflito e entrar no diálogo", afirmou o bloco.
A TPLF, por sua vez, reagiu com ceticismo. "A rotina diária de Ahmed de negar medicamentos a crianças indefesas e de enviar drones contra civis vai de encontro com suas alegações hipócritas", disse o porta-voz Getachew no Twitter. A TPLF acusa as autoridades de imporem um bloqueio à região, levando à fome e à falta de combustível e remédios. O governo nega ter bloqueado a passagem de comboios de ajuda.
O etíope Awol Allo, professor de direito na Universidade Keele, na Inglaterra, disse em entrevista ao jornal americano The New York Times que o anúncio de Ahmed é uma manobra política. "Um diálogo nacional para resolver nossos problemas não é o mesmo que negociações de paz para acabar com a guerra."
O premiê ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2019 pelos esforços conciliatórios e o empenho em encerrar a guerra com a vizinha Eritreia. Desde que teve início o conflito no Tigré, porém, sua figura tem sido questionada devido a acusações de abusos generalizados de direitos humanos e limpeza étnica na região.
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